.

domingo, 19 de junho de 2016

Machismo verde-amarelo institucionalizado

Toda a vez que eu faço alguma comparação entre Brasil e Estados Unidos aparecem alguns amigos, colegas ou inimigos apresentando mil e uma ponderações sobre a minha americanização após ter morado na terra do Tio Sam por um ano. “Esse brasuca saído do Harmonia – bairro mais pobre da pobre Santo Ângelo, no falido Rio Grande do Sul – ficou lá um tempo e está se achando”... Pois é... Mas essa não é a questão...
Hoje, por exemplo, esqueci que estava no Brasil. Em agosto serão completados dois anos desde a minha sinistra partida do aeroporto Kennedy, em Nova York, com destino à terra do nunca, e eis que, vezemquando, eu esqueço que aqui estoy. E hoje foi um desses dias.
Curtindo o domingo de sol em Frederico Westphalen, aproveitei para levar a minha pequena Lary para o parquinho da praça da cidade. Vale destacar que, Frederico Westphalen, por ser uma cidade pequena, é, em teoria, mais segura do que as grandes metrópoles, como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Também é mais tranquila do que as cidades médias (que pensam que são grandes) como Porto Alegre e Curitiba. E, também, é menos perigosa do que aquelas cidades que oscilam entre médias e pequenas, como Pelotas, Passo Fundo e Chapecó. E, por isso mesmo, às vezes você se ilude e pensa que, por ser uma cidade pequena, as coisas funcionam melhor do que nas outras.
Estava eu, sentado nos degraus da escada da praça principal de Frederico Westphalen, observando a pequena Lary brincar no parquinho, quando de repente um casal começa a brigar ali por perto:
- Eu já te falei, Fulano, que não quero mais nada contigo.
- Viu só? Estou fazendo tudo certo e você começa a complicar...
- Não começo, não.
- Começa, sim. Eu quero ficar de bem contigo, mas tu tens que complicar!
- Não grita comigo!
- Tu que me obriga a gritar contigo!
- Ah é, e vai me bater de novo??
- Eu não te bati!
- Não?? Tu me pegou pelo pescoço mais de uma vez, e cada vez que tu me pega no pescoço eu não consigo respirar!!! Tu acha que isso não é agressão, mas é!! Se eu não concordo contigo, tu me mata!
- Tu que me obriga a fazer isso!! Olha só, está me deixando descontrolado de novo!!!
E assim a briga segue, enquanto um pequeno público se forma ao redor do parquinho em que minha filha estava brincando. Na medida em que o troço se desenrola, meu sangue começa a ferver. A mulher, que devia estar na casa dos 40 anos, tentava encerrar o relacionamento com o sujeito. Detalhe: ela era uma mulher negra de aproximadamente 40 anos e ele era um rapaz branco na faixa dos 30. Pela briga, dava para perceber que o rapaz pensava o seguinte: “quem é você, mulher negra de mais de 40 anos, para querer terminar comigo, um rapaz branco, mais novo?”. E, tendo como base essa ideia, ele se achava no direito de agredi-la e ameaça-la. Meu primeiro intuito era ir lá e interferir. Mas, vendo a Lary brincando no parquinho, concluí que a prudência era a melhor opção. Assim, desci até o posto da Brigada Militar (a Polícia do Rio Grande do Sul) para comunicar o ocorrido. Porém, não havia ninguém por lá (que côsa). Então, disquei no celular o nosso 190 (que corresponde ao 911 dos americanos). Eis, então, a grande diferença entre nós, brasileiros, e os americanos. Segue abaixo a minha conversa:
- Alô.
- Alô.
- É da polícia?
- Isso – respondeu uma voz feminina.
- Estou aqui na praça do centro e tem um casal brigando na frente do parquinho infantil. A mulher gritou que já apanhou do homem, e o homem segue ameaçando ela.
- Entendi. Tem alguma criança com eles?
- Olha, com eles, especificamente, não. Mas eles estão na frente do PARQUE INFANTIL! Ou seja, tem um monte de criança por perto.
- Entendi.
- E o cara está ameaçando ela.
- Tá bom. Vou pedir para o pessoal que está na rua passar aí.
E o bobocente aqui acreditou. Pensei: “agora esse jaguara vai ver. Daqui a pouco vão chegar policiais fardados querendo saber o que está acontecendo...”. Ou seja, imaginei que ainda estava nos Estados Unidos. Doce ilusão. Lá, eu vi com meus próprios olhos que quando você disca 911, em aproximadamente dois minutos uma viatura com policiais estará no local da ocorrência – independente de ser uma ligação para tirar um gato de uma árvore ou de uma ameaça de ataque terrorista. Mas, aqui é Brasil. O cara chegou a ameaçar e a pegar a mulher pelo pescoço. Os dois discutiram por mais ou menos meia hora, até que saíram. Ela na frente, e ele atrás, ameaçando, andando de bicicleta. E nada da polícia.
Ao ver tudo aquilo, lembrei que fiz uma reportagem uma vez, para o Jornal das Missões, de Santo Ângelo, em que entrevistei o chefe da polícia local sobre violência contra as mulheres, e ele disse que a Brigada Militar não atendia a esses casos, pois muitas vezes as mulheres retiravam a queixa (!!???). Enquanto no Brasil o machismo está institucionalizado, nos Estados Unidos o sujeito que agride uma mulher é preso (e fica preso) pelo tempo determinado por lei. E, assim, tomei um soco na cara, ouvindo a seguinte frase ecoar no meu cérebro: “Você está no Brasil! Você está no Brasil!”. E, enquanto a polícia, a imprensa e os políticos e, pior, a população, achar cenas como essa normal, não vamos evoluir um palmo à frente do nosso nariz!!! Podemos parar tudo e começar tudo do zero. Vamos voltar para as bombas, para as guerras, para o sangue, até chegarmos a um ponto de evolução e indignação diante das injustiças do mundo. E, por isso digo mais uma vez: se eu puder, vou dar condições para a minha filha construir a vida dela fora desse país. E, se isso não for possível, vou acabar fazendo aquilo que é tão criticado pelos mesmos que criticam a própria polícia e políticos desse abestalhado país: vou colocar, pelas minhas próprias mãos, agressores como esses, de hoje à tarde na praça, embaixo da terra – pois certamente se o sujeito que falava com aquela mulher falasse naquele tom com a minha filha, ele seria degolado em praça pública naquele mesmo instante – isso mesmo, exatamente como no século XVI.
É justo? Não sei, talvez para os americanos sim, para os brasileiros metidos a marxista das metrópoles não, mas foi assim que aprendi a fazer no Harmonia... E, já que o nosso Estado não nos dá uma luz – e cria as leis apenas no papel – acabamos nos sentindo a vontade para criarmos as nossas próprias leis... Bem como, já fizeram décadas atrás os Hell’s Angels americanos, os Cínicos gregos, e tantos outros grupos que fizeram com que a humanidade evoluísse de passinho em passinho, sem quebrar o pé...

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home