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sábado, 16 de julho de 2016

Crédito ou débito?

Acho graça quando conto alguma história do tempo em que eu não tinha um tostão no bolso para os alunos e eles dizem: “o professor era nós”. Hoje, especificamente, lembrei-me de um episódio que ocorreu quando eu morava em Porto Alegre com a minha ermã. Acontece que fui ao mercado, há pouco, e a moça do caixa me fez a fatídica pergunta:
- Crédito ou débito?
Fiquei paralisado, pois essa foi a mesma pergunta feita anos atrás, num caixa do Carrefour. Naquele tempo (na verdade algo em torno de sete ou oito anos atrás) eu cursava mestrado na PUCRS, mas com a bolsa parcial da Capes – ou seja, eu não pagava a mensalidade, mas também não recebia nada. Como até então eu havia trabalhado apenas como mensageiro de hotel, panfleteiro, vendedor ambulante, radialista e jornalista, eu nunca tinha tido um cartão de crédito. Aliás, era como o caviar do Zeca Pagodinha: eu só havia ouvido falar. Meu salário de jornalista durava pouco tempo e eu sempre recebia em cheque – que tinha que trocar por dinheiro no caixa. O máximo que eu tinha era uma conta poupança, sobre a qual todo o mês o gerente do banco me ligava para saber se eu queria mantê-la ou fechá-la, pois nunca havia dinheiro lá. “Precisa pagar pra manter?”, perguntava eu. “Não, mas veja bem meu jovem...”. “Ah, então deixa aberta...”.
Pois é, e nesse ano em que eu morava com a minha ermã, ela me pediu para ir ao mercado buscar umas coisas e me passou o cartão dela com a senha (quanta insanidade dessa guria, afinal, eu poderia desaparecer e reaparecer de ressaca, três dias depois, sem dormir, quando o dinheiro acabasse!!!). E lá fui eu. Bife, confere. Coca 2 litros, confere. Meia dúzia de cerveja, confere. Miojo, confere. Bolacha recheada, confere. Etc. Chegou a hora de pagar a conta, a caixa diz:
- 52 reais com 30 centavos.
Eu fiz ar de importante, e larguei um:
- No cartão, por favor.
Com cara de Garfield, ela pergunta:
- Crédito ou débito?
- Como?
- Crédito ou débito?
Dez segundos de silêncio.
- Qual a diferença? – indago.
Percebo um leve sorriso em seu rosto. Na verdade está prestes a gargalhar.
- No débito é descontado na hora. No crédito, só quando vencer a fatura do seu cartão – explicou espertamente, com meio sorriso no canto da boca.
Como naquele tempo era difícil diferenciar a minha pessoa de um traficante da Cruzeiro pelas roupas que eu vestia, pensei que julguei não ser prudente dizer que aquele cartão não era meu. Fiz ar de sério e arrisquei:
- Débito.
Ela tentou passar, e não deu. Eu suava feito um porco prestes a ser degolado. Percebendo meu pânico, a caixa me ajudou, irônica:
- Vou tentar no crédito...
Em silêncio, redigitei a senha e... passou! Peguei as compras às pressas e percorri o caminho de volta para o apartamento na Rua dos Cubanos, volta e meia olhando para trás, imaginando que a essa altura ela já tinha comunicado a polícia de que um magrela (eu era magrela, ok?) mal vestido havia utilizado um cartão roubado para comprar meia dúzia de cerveja, vinho barato e miojo....
E hoje, mais uma vez, encontrei-me em silêncio diante de uma caixa de supermercado, sem saber o que responder. Me enforcar agora ou depois? Pois é, acabei adiando o sofrimento... Pensando bem, as coisas mudaram, mas não tanto.
Hasta!

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