Desprestígio intelectual paterno
Após o ensaio na noite anterior à abertura da feira, a Lary estava muito feliz por poder se apresentar em um palco de verdade. Então, resolvi contar que eu subiria ao palco depois da apresentação dela, achando que isso seria motivo para se orgulhar do pai. Porém, ela não acreditou no que eu disse e justificou: “ah pai, tu nem faz ballet...”. Não me dei por vencido e perguntei:
- E sabia que o papai escreveu um livro?
- Mentira pai... tu nem é escrevedor de livros... – e impaciente, me advertiu – E pai, para de querer me enganar!
Que cosa. Pensei, vou dar tempo ao tempo e amanhã ela vai ver que não estou mentindo... Não sei por qual motivo essas criaturinhas do sexo feminino sempre querem que a gente prove que não está mentindo... É uma coisa incessante... Elas partem do princípio de que você é um mentiroso e, então, você tem que provar que não é... Mas enfim. Vivendo essa situação, lembrei-me do trecho de um livro do Erico Verissimo, que se chama “A volta do gato preto”. Nessa obra ele fala sobre os dois anos em que morou com a família na Califórnia em período concomitante com a Segunda Guerra Mundial. Recupero aqui o trecho em que Erico e Mafalda, recém chegados aos Estados Unidos, vivenciam o seguinte diálogo com os filhos Luis Fernando (que tinha cerca de 6 anos na época) e Clarissa (dois anos mais velha):
“Começam a crivar Mafalda de perguntas.
- De onde vieram os índios? São amigos ou inimigos dos americanos? Por que esta parte dos Estados Unidos é um deserto?
- Perguntem ao pai de vocês – sugere Mafalda, fazendo um sinal na minha direção.
Luís me lança um olhar oblíquo e diz:
- Ele não sabe.
Abro um olho, como única resposta. Não sei a causa de meu desprestígio intelectual junto dessas criaturinhas. Lêem as histórias que escrevo, as absurdas aventuras de bichos e gentes, e depois, como único comentário, dizem sorrindo:
- Esse pai é um bola!
Quando têm de fazer perguntas, de pedir informações, recorrem à mãe”.
E aqui em casa, é mais ou menos assim. A minha pequena Lary muitas vezes não me da credibilidade intelectual. Mas, valeu a pena esperar. Na noite da apresentação, ela foi espetacular. Fiquei emocionado ao vê-la dançando no palco vestida de bailarina. Quando desceu, após receber os cumprimentos, eu disse:
- Agora é a vez do papai.
E então, ela pediu para ficar para me ver. E quando eu estava lá em cima, com o microfone na mão, eu a vi me olhando. E os seus olhinhos brilhavam. Quando passei a palavra para o Paulo Brito, olhei para ela, que me mirava hipnotizada, com os olhinhos brilhando. Senti que eu era o seu herói. Abanei lá de cima e ela, emocionada, sorriu e balançou as mãozinhas vagarosamente, como se não acreditasse no que via. Aquele sorriso, aqueles três segundos, fizeram tudo valer a pena. No outro dia, em casa, eu disse:
- Viu como o papai subiu no palco?
Ela sorriu meigamente e fez que sim com a cabeça. Dei um beijo na testa dela e disse:
- Agora vem, vou mostrar o livro que o papai escreveu.
Entreguei uma cópia e mostrei meu nome na capa. Ela pegou, admirada. Porém, começou a folhear e logo sentenciou:
- Que chato, não tem desenhos.
Pois é, nada é perfeito. Mas é essa imprevisibilidade faz com que eu ame essa criaturinha linda cada dia mais!
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