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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Malagueta, Perus e Bacanaço

Provavelmente você, imaginário leitor, deve achar que esse título fale de pimenta malagueta, perus (ave) e bacanais. Foi exatamente isso que eu pensei ao pegar o livro que leva esse nome, escrito nos anos 1960 pelo jornalista João Antônio, uma das principais vozes do submundo brasileiro na literatura e no jornalismo. Confesso que, desde que vi a apresentação do artigo do pesquisador Cláudio Coração, no encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), realizado na Universidade Metodista de São Paulo em 2008, fiquei curioso para ler algo do João Antônio. E, assim como aconteceu com o caso do Ignácio Loyola Brandão (citado no texto abaixo) aproveitei esse mês de dezembro de 2016 (oito anos depois) para quitar essa dívida que tinha comigo mesmo.
Peguei esse livro imaginando um estilo de outros autores do submundo ocidental, como Bukowski, Hunter Thompson, Pedro Juan Gutierrez, Jack Kerouac ou, até mesmo, o brasileiro Nélson Rodrigues. Mas não. É algo totalmente diferente. Na verdade, no início, você desanima: uma escrita erudita para falar de botecos, brigas, fugas da polícia e prostitutas... pareceu forçado demais. No entanto, depois que você se acostuma com o estilo de João Antônio, você curte – principalmente por saber que ele era um frequentador do submundo de São Paulo. Até estou curioso para ler o outro livro que comprei dele: Leão de chácara.
Gostei porque, quem me conhece sabe, tenho um pé nesse submundo. Morei no bar que era de meu tio, na Venâncio Aires, em Porto Alegre. Fiquei feliz ao ganhar uma moeda de um real para colocar musiquinha na maquinha que ficava lá no fundo do boteco e dançar feito louco às duas e meia da madrugada com algumas pessoas totalmente desconhecidas, mas igualmente felizes, e outras conhecidas, por serem clientes antigos, como o velho Baiano (torcedor do Vitória), o maluco do Cristiano, a doida da Mariana, o inesquecível finado Pula-Pula e muitos outros que parecem terem saído dos contos e crônicas de João Antônio. E meu tio – que saudades desse malandro da Cidade Baixa que hoje odeia Porto Alegre – que bebia mais do que todos os clientes e deixava o velho Matheus tomando conta do bar, evitando que os borrachos que lá estavam o lograssem. Foram madrugadas inesquecíveis. Lembro-me de uma vez, era inverno, três da manhã, meu tio, um outro senhor, cliente do bar, e eu, tomando vinho e jogando dominó. Já noutra noite, um homem mulato, de uns 50 anos, deu um banho na sinuca em mim e no Cris, ganhando de nós dois jogando somente com a mão esquerda, enquanto se matava de rir das nossas caras embasbacadas.
Isso sem contar outras histórias, inenarráveis, incontáveis, impublicáveis e inesquecíveis, algumas já nos tempos da minha tia, que administra o bar até hoje. E outras em outros períodos, em outros tempos e em outros lugares, como as noites do carnaval no Rio de 2005 (da qual tenho texto escrito, perdido em algum lugar na web) que contou com idas e vindas de Bonsucesso para a Lapa, para Copacabana, para o Centro Velho do Rio, e muito mais (inclusive, ainda tenho a foto, em papel, da gente na Delegacia perto da Lapa). Tudo isso sem contar o carnaval de 2010 (ou seria 2011?) com intervenções ao vivo, completamente bêbado, direto do Circo Voador, dos blocos de carnaval, das Laranjeiras e de vários pontos do Rio na programação da rádio para a qual eu trabalhava na Serra Gaúcha. Ah, e claro, como esquecer do tempo em que fui panfleteiro na Otávio Rocha, no centro de Porto Alegre, quando passava o dia gritando coisas como “empréstimooooooooooo!” ou “dinheiro na hora, sem demora, é só aqui senhora!”, juntamente com outros carinhas, que anunciavam: “corte de cabelo, piercing, tatuagem, corticabelooooo!” e “compro ouro, compro ouro, compro ouroooooooo!”? Fazia isso para ganhar 100 reais por semana, mais dez pila por dia para o busão (sendo que eu ia e voltava a pé para lucrar os dez pau). Enfim, por essa e por muitas – MAS MUUUUUUITAS outras – é que, mesmo sem admirar tanto o estilo linguístico do João Antônio, acabei curtindo muito as histórias dos personagens Malagueta, Perus e Bacanaço. E que em janeiro venha o Leão de chácara!

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