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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Péssima companhia

Esses dias, estava na casa da minha mãe, em Xangri-lá (RS), que fica a uma quadra e meia do mar, e resolvi convidar as pessoas do recinto para ir para a praia, ao meu estilo, como fazia nos tempos de graduação universitária:
- Estou indo, quem quiser me acompanhar, que vá. Quem não quiser, que fique aí catando coquinho...
Ninguém deu bola. Juntei uns latões de Polar num isopor cheio de gelo e repeti:
- Última chamada, estou indo pra praia, quem quiser ir comigo, é só chegar.
Nada. Dei mais uma chance:
- Ok, quem quiser chegar lá depois, vou estar lá, sentado, com a minha cerveja.
Nada de novo. A minha pequena Lary estava deitada, olhando desenho, e fazendo onda. Os avós estavam preocupados em atender às ondas da Lary. E a patroa estava tomando sol no pátio, desejando boa sorte na minha curtição na areia do litoral gaúcho. Ok, chamei a Nune (cadela que mora com meus pais).
- Vamos Nune. Vamos eu e você.
Abri o portão e partimos. Andei uma quadra e, faltando 100 metros para chegar na praia, olhei pra trás e nada da Nune. Filha da puta, até ela me abandonou. Estava sozinho: eu, a cadeira de praia, o radinho de pilha velho de meu pai e os latões de Polar dentro do isopor.
Achei um canto, bem de frente para o mar, coloquei a cadeira velha de abrir, sentei-me, abri o primeiro latão de Polar e liguei o radinho de pilha. Só pegava uma emissora de rádio: Xangri-lá FM. Estava eu, estendido na cadeira, bebericando a minha cerveja, observando as peles e carnes sumarentas que passavam por ali, quando começou a tocar: “Jesus Cristo... Jesus Cristo.. eu estou aqui!”. Caralho. Eu estava lá. E Jesus Cristo não estava nem ai pra mim. Fiquei sentado, observando as ondas, um bom tempo, abrindo latinhas, bebendo, refletindo, lembrando de histórias antigas, projetando histórias futuras, pensando na babaquice de quem não sabe curtir a vida (“vamos pedir piedade, Sr. Piedade... pra essa gente careta e covarde...”), filosofando mentalmente sobre a humanidade, tudo isso enquanto observava as pessoas ao redor: um cara sarado tomando banho de sol, uma coroa com cinco garotonas se bronzeando (filhas? netas?), outra avó ajudando a netinha a pescar, etc....
Ao ver uma guaipeca branca passando pela minha frente, lembrei-me do Fabiano, de Vidas Secas, que teve que matar a cadelinha Baleia achando que estava doente e louca. Fez certo? Não sei.
Imaginei o Graciliano Ramos sentado em uma cadeira imaginária ao meu lado para discutir algumas decisões literárias dele... Eu, por exemplo, não mataria a coitada da Baleia. E daria um destino melhor para a família de Fabiano. Gostaria de ouvir o que Graciliano teria a dizer sobre as minhas ideias. Se fosse uma discussão com o Bukowski, ele diria: “foda-se, problema é teu se não gostou”. Mas o educado Graciliano, penso eu, sentado ao meu lado, de frente para o mar em Xangri-lá, discutiria o assunto. Bolei um diálogo imaginário, que já esqueci, e ao ver mais umas nádegas pelancudas passando na minha frente, decidi que era hora de retornar para a base. Sozinho. Ninguém foi lá. Nem a Nune. O que me fez concluir que, definitivamente, sou uma péssima companhia.

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