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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Os segredos do mestre

Uma pergunta tem inquietado os críticos dos jornalistas integrantes do New Journalism e dos jornalistas literários contemporâneos: como eles sabem o que o personagem estava pensando numa situação em que ele estava sozinho numa sala e sem testemunhas? Como o jornalista sabia o que se passava pela mente do criminoso que estava prestes a matar? Como o escritor de não ficção consegue entrar na mente de seus personagens, que são reais, de carne e osso? A resposta, mais simples possível, é dada por um dos principais escritores de não ficção de todos os tempos, Gay Talese: "como eu sabia o que se passava na mente dos personagens? Simples: eu perguntava para eles. Uma, duas, três, quatro, mil vezes o que eles estavam pensando antes, depois e enquanto agiam".
Aos 81 anos, Gay Talese conseguiu fazer com que as cerca de 100 pessoas que se apertaram dentro do estúdio de televisão do Departamento de Jornalismo da Universidade de Nova York (NYU) tentassem ficar mais de uma hora sem respirar para poder ouvir melhor o que o jornalista-escritor-estrela do New Journalism norte-americano tinha a falar. Como a entrevista estava sendo gravada para televisão, não havia sonorização, então, cada pessoa que emitia um ruído que atrapalhasse a compreensão das palavras do mestre recebia dezenas de olhares furtivos.
Aos 81 anos, um dos melhores escritores que já li (na minha opinião, o melhor do New Journalism - considerando Hunter Thompson como gonzo, e não como integrante desse estilo) contou sobre como escreveu a biografia de Frank Sinatra sem ter como entrevistá-lo, sobre como começou a sua carreira no New York Times (e sobre como escreveu Reino e Poder, o livro que conta a história do jornal e suas relações com o governo americano), sobre como escreveu a história da máfia em Nova York (Honra teu pai) e muito mais. Entre uma história e outra, ele dava algumas dicas para os jornalistas que, como ele, buscam no jornalismo uma forma de fazer literatura: "todo o bom jornalista-escritor não pode contar uma história em linha reta, apenas de um ponto de vista.
A história tem que ser vista de vários ângulos, como em um filme". E, para isso, o segredo revelado antes: "quando entrevisto alguém por um longo tempo, meses ou anos, sempre pergunto a mesma coisa várias vezes. O entrevistado nunca vai falar e contar o que ele pensa ou o que aconteceu com profundidade, com emoção e com verdade na primeira vez. Por isso eu pergunto uma vez, e de novo e de novo e de novo". E sobre o jornalismo norte-americano contemporâneo? Diante de dezenas de jornalistas da imprensa nova-iorquina que ocupavam as primeiras cadeiras do estúdio da NYU, Gay Talese disse que o jornalismo norte-americano mudou principalmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001: "Depois desse dia as críticas e as investigações sobre o governo americano não foram as mesmas. Parece que se criou um pacto silencioso de não atacar mais o governo". Além disso, ele também comentou um problema, que ao meu ver, é universal no jornalismo:
"O que eu vejo de diferente entre o jornalismo de hoje e o do meu tempo é que antes você tinha mais liberdade para escolher o assunto e sobre como abordá-lo. Agora, por questões políticas e de patrocínio, o jornalista não escreve tudo. Ninguém fala para ele não escrever, ou não abordar determinados assuntos. Mas ele sabe que não pode escrever certas coisas". A exceção, para ele, é o New York Times, jornal em que ele construiu a sua carreira, o que acaba comprometendo a própria sentença. Aliás, Talese afirma dedicar duas horas diárias para ler o NYT da primeira à última página, esforço esse que, na minha humilde opinião, é desgastante e desnecessário (eu não aguentaria gastar horas lendo algumas matérias chatas e sem graça que tem no NYT e em todos os jornais do mundo).
Enfim, ter visto o Gay Talese de perto, para um jornalista como eu, que devorei os seus livros pensando "puta que pariu, esse cara é muito foda", foi, sem exageros, a realização de um sonho. E, por isso (e por talvez essa ter sido uma das últimas aparições de Talese comentando a sua carreira em público, de maneira 100% lúcida) eu tirei fotos e peguei autógrafo. Como disse para um amigo meu, "esse merece todo o tipo de tietagem". Até porque, parafraseando o finado Fausto Wolf, "não acredito muito na geração que está aí", ou seja, não creio que vá surgir algum dia um novo Capote, Talese ou Mitchel.
Espero estar errado, mas temo que não.

PS: Texto enviado para o jornal Meu Bairro - Porto Alegre-RS.

1 Comentários:

  • Fuck german! That's it!
    O Gay é foda!
    Essa coisa de que ele fica 2 horas lendo o NYT de cabo a rabo é balela. Ele fala isso pros jornalistas novos perderem tempo e nunca conseguirem se igualar a ele.
    Pra ser igual ao Gay tem que fazer o contrário.
    Fuck german!

    Por Blogger Zaratustra, às 11 de outubro de 2013 às 05:46  

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