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domingo, 29 de setembro de 2013

A volta do professor gaivota

Virada de setembro para outubro e, desta vez, acho que não tem volta: começou a esfriar em Nova York. Semanas atrás tentou fazer um friozinho, mas vezemquando o calor voltava, e lá estava eu e os nova-iorquinos e toda a estrangeirada que tem por aqui andando de bermuda e manga curta. De uns três dias pra cá, isso ficou difícil de ser feito nas ruas: o casaquinho que a mãe recomendou a vida inteira tornou-se obrigatório. E, junto com o friozinho, chegou a primeira gripe: justo num final de semana. Dor de garganta e espirradeira o sábado inteiro. Acabou com a minha pelada de sábado no Central Park. Bom, como tinha muita coisa para ler e fazer em casa, acabei passando o sábado enfurnado no meu quarto, fazendo praticamente quatro coisas: assistindo Friends, Big Bang Theory e Seinfield; estudando os capítulos que tinham começado antes de eu ingressar no curso de inglês (ou seja, correndo atrás pra alcançar os outros colegas); escrevendo o artigo que pretendo mancar para o encontro do ICA que será em Seattle ano que vem (o deadline é final de outubro); e lendo dois textos de Joseph Mitchell para a aula da próxima terça-feira.
Como disse no último texto, acabei comprando o livro do Mitchell, Up in the old hotel. Não sei se tem essa obra traduzida para o português, pois ela reúne vários textos do escritor publicados na New Yorker. Mas vi que um dos textos que estou lendo foi publicado em português, traduzido como "O segredo do professor gaivota". Na verdade, são dois textos com o mesmo objeto. O primeiro, Professor Sea Guul (Professor gaivota) foi escrito por Mitchel quando Joe Gould ainda estava vivo. Uma espécie de perfil, em que ele não revela o tal "segredo" do professor gaivota. E no segundo (que são mais ou menos 100 páginas - eu estou na 60) ele conta tudo sobre Joe Gould, que nessa época já havia morrido. Mas quem foi o professor gaivota?
Aí é que está o meu interesse no cara - além do texto de Mitchel, que é muito bom, inclusive para um aprendiz da língua, como eu. Joe Gould foi uma espécie de avô dos andarilhos escritores vagabundos americanos. Ele nasceu nos arredores de Boston, e seu pai e avô haviam sido médicos. Aí tem uma longa história sobre como ele desistiu de seguir a carreira do pai e do avô, porém, ele chegou a frequentar Harvard. Tem uma história sinistra em que ele conta como ele era "deslocado" na escola.
Numa dessas, ele ouviu um professor, que era amigo do pai dele, falar para outro "tu viu como o pequeno bastardo não consegue acompanhar os outros?". Ele ficou tão revoltado, não por ele, mas por sentir que o professor estava apunhalando o pai dele pelas costas, que foi falar para o pai dele que ele seria cirurgião. Mas o pai dele deu uma resposta que colocou ele mais pra baixo ainda. E então, com o tempo, ele fez o que muitos fizeram em seu tempo (e que no Rio Grande do Sul seria como a saída do interior para Porto Alegre, como fizeram Mário Quintana, Erico Verissimo, Caio Fernando Abreu, etc): deixou o seu lugarejo para tentar a vida de escritor em New York City. Na verdade ele até conseguiu: estava trabalhando como repórter policial de um jornal. Foi então aconteceu o fato (o segredo) de Joe Could, o professor gaivota (porque ele dizia que falava a língua das gaivotas - inclusive traduzindo poemas do inglês para a língua das gaivotas, e vice-versa): ele leu num livro (ou revista, não lembro agora) que a história verdadeira não estava nos livros de história ou nas biografias dos grandes líderes mundiais, mas nas conversas do dia-a-dia. Foi então que ele decidiu: ele escreveria
"The Oral History of our time" - A história oral de nosso tempo. E então esse projeto passou a ser a vida dele. Como no livro Mendigos Altivos, que comentei aqui meses atrás (mas é uma ficção, e aqui era realidade) o cara simplesmente largou o emprego e se dedicou ao projeto do Oral History. E, pensem bem, isso era anos 1910, 1920, 1930... Nem máquina de escrever ele tinha! Ele escrevia tudo a mão, nas paradas de metrô, nos parques, nos bares, nas bibliotecas. E ia deixando um pouco na casa de cada amigo, porque ele não conseguia carregar tudo. E, assim, ele passou a ser um maltrapilho, vivendo da doação de alguns que tinham pena, de outros que acreditavam no projeto, ou de fãs da sua loucura. E, Mitchell, resgatou a história do cara - nesses dois textos (acabei de achar aqui que foi publicado pela Cia das Letras o segundo texto (O segredo de Joe Gould, em português).
Enfim, a história do cara é fantástica, e pra mim ficou mais fantástica ainda porque os lugares que ele frequentava são os lugares em que tenho ido frequentemente: como a Washington Square e os arredores da NYU!
Então, eu olho ao redor, vejo um monte de maltrapilho e andarilho nos metrôs de Nova York, no Harlem, nas ruas, e penso, será um desses caras um Joe Gould? Estaria o professor gaivota de volta?
Provavelmente sim.
Hasta!

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