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terça-feira, 25 de março de 2008

Saudades!



Esse texto queria fazer com calma, com paciência, para fazer algo especial, bem pensado. Mas, como sempre, estou na correria, agora são 10 para a meia-noite e amanhã tenho que acordar cedo para trabalhar o dia inteiro, para viajar às 23h para Porto Alegre para a aula de quinta-feira. Então, tentarei fazer o melhor texto possível, em um tempo razoável. Primeiro, eu queria publicar esse texto na quinta-feira, dia 27 de março, mas como não estarei aqui, e amanhã praticamente não terei tempo, escrevo agora.
Na quinta-feira, dia 27, irão completar 3 anos que perdi um dos melhores amigos e uma das maiores figuras que já conheci até hoje. Olhei em meus arquivos, e achei esse texto, que ele aparece na seguinte história. Esse texto escrevi antes do acidente:

(...) Pouco depois chegou o Dante. Conversamos um pouco, quando eu sugeri que fossemos pegar a cerveja. Compramos cinco. Quando só tinha mais uma, chegou o Aranha. Tomamos a última, e a Luana entrou. Fui guardar as garrafas e o Aranha ficou conversando com o Dante e a Dani. Voltei e vi que o Aranha não ia embora tão cedo, então o convidei pra tomarmos mais uma no 24 horas. Como já era de se esperar, o Dante não foi, nem a Dani. O Aranha, lógico, não ia negar uma ceva nem a pau. Antes de sair, o Aranha perguntou para o Dante, discretamente: “i ai? É rock’n roll?”, sacando o que se passava entre ele e a Dani. Então, enquanto íamos tomar o trago, eu contei pra ele o que estava se passando.
O Aranha é uma figura muito louca, que merece um capítulo para falar só dele. Lá fomos nós, eu e o aracnídeo, tomar umas geladas. Ele tem um papo massa. Falamos de tragos, histórias de bebedeiras, comentamos livros do Bukowski e outros alcólatras famosos. Era segunda de noite, e só eu e ele estávamos lá, bebendo. Os outros bares já haviam fechado, e o dono do 24 horas estava só esperando nós irmos embora para fechar. Fomos embora já eram duas horas. No outro dia o Dante me contou o acontecido. (...)

Infelizmente, depois desse dia, não tive muito tempo para escrever histórias sobre o Aranha enquanto ele estava vivo. E o que escrevi é o texto que reproduzo a seguir, que tinha como título “O Aranha”:

O Aranha

“Primeiramente vou tentar situar o leitor de como está a minha vida no momento. Desde a última vez que escrevi aqui, lá por dezembro, muita coisa mudou. Fui para Porto Alegre, fiquei um mês e acabei voltando para Ijuí. Isso foi em janeiro. No final de dezembro também fiz umas festas legais, antes da viagem. Já em fevereiro fui para o Rio de Janeiro e passei o carnaval lá. Tudo isso vai render mais alguns capítulos, porém, um acontecimento no dia 27 de março, páscoa de 2005, mudou a minha vida, e meio que anulou todas as coisas boas que haviam ocorrido nestes dois meses.
Tudo estava perfeito. Eu tinha passado os dois melhores meses da minha vida com muitas festas grandes (Fórum Social Mundial, Lima e Silva, Lapa, Carnaval em Santa Teresa, Terreirão do Samba, e por ai vai) e quando voltei, desempregado, tive a melhor notícia que eu poderia esperar: ia abrir um concurso para estágio de 20 horas na minha Universidade. Perfeito. Fiz e passei em primeiro lugar. Aproveitei as três semanas que tive antes de começar a trabalhar para fazer festa praticamente todos os dias. Na segunda-feira eu era colega do Aranha, e lembro que na segunda semana de aula ele me convidou para irmos beber. O professor encerrou a aula lá pelas nove, e nós dois fomos para a Franquia, um barzinho com ar mais simples que fica próximo dos demais bares, como a Pastelaria. Era o tipo de barzinho que a gente gostava de ir para sentar, fazer planos, contar histórias, e tudo mais. Lembro que nesse dia planejávamos nossa formatura. Um mês depois, lembro da voz dele falando que não iria na formatura da turma que se forma em dezembro deste ano, e quando perguntei o por quê, ele respondeu:
- Porque se eu for, vou morrer chorando.
Nós dois rimos até os olhos ficarem cheios de lágrimas de tanta faceirisse. Com certeza essa cena vai ficar gravada na minha memória pelo resto da minha vida. Lembro de algumas passagens de nossas conversas, que ficavam cada vez mais animadas na medida em que a mesa ia ficando cheia de garrafas de cerveja vazias.
- Na nossa formatura eu vou tomar um trago! – exclamei empolgado.
- Sem dúvidas. Vamos fazer o seguinte: eu levo uma garrafinha com bebida, ai quando você for receber o diploma, eu tomo um trago. Depois, quando me chamarem, enquanto todo mundo estiver me olhando, você toma um traguinho...
Na medida em que a gente ia falando, eu ia imaginando mentalmente tudo isso acontecendo. Em uma certa altura da conversa passou uma propaganda na TV em que aparecia uma praia. Foi o que bastou para nós viajarmos mais ainda.
- Bah, imagina a gente numa praia dessas tomando uma cerveja – disse eu.
- Pois é. Vamos para a Bahia!
- É verdade! Eu sou parceiro para irmos lá depois da formatura.
- Ia ser show de bola. Imagina a gente morando lá. Saímos do trabalho lá pelas cinco e sentamos na beira da praia com uma latinha de cerveja. De noite vamos pra festa. Sério mesmo, eu ainda quero fazer uma dessas.
- Pois então vamos mesmo!
E ficamos olhando para o nada, com a cara de bobo-alegre, imaginando a cena, já sentindo a brisa do mar batendo no rosto. Já devia fazer umas duas horas que estávamos bebendo, dando muita risada e fazendo altos planos, quando chegou lá nosso mestre Paulinho . Dessa vez ele estava abalado por ter perdido uma amiga, professora de uma escola de segundo grau daqui de Ijuí, que havia falecido. O Aranha ainda tentava animar ele, e devido a nossa bebedeira passamos a refletir sobre a futilidade da vida. Bebemos mais um pouco e fomos embora.
Isso foi só um pouco da minha relação de amizade com o Aranha. Era uma figura rara, e acho que nunca terei outro amigo como ele. Foi a primeira pessoa que conheci que lia Bukowski, e como citei no capítulo anterior, foram várias as vezes que nós sentamos em algum barzinho qualquer e ficamos conversando sobre os autores considerados malditos. Na referida segunda-feira ainda conversamos bastante sobre mulheres. Não vou contar agora, porque precisaria de um dia inteiro para escrever sobre essas histórias, e agora já é quase uma da manhã. Vou pular direto para o dia que mudou a minha vida, e com certeza a de todas as pessoas que o conheciam. É certo que em outros capítulos eu voltarei a falar dele e de nossas histórias. Como eu havia escrito antes, seriam necessários vários capítulos, ou um livro inteiro, para falar sobre tudo o que ele representou para mim.
O fato ocorreu, como já disse, no domingo de páscoa. Eu e o Dante tínhamos aprontado mais uma das nossas no sábado, e no dia seguinte acordei lá pela uma da tarde. Meu celular estava desligado, e nem me preocupei com ele. Entrei na internet, e lá estava a minha colega Viviane. Vi que ela estava on-line, mas nem dei bola, já que ela praticamente não me dá conversa. Quando eu vi, a caixa dela estava piscando. Fui ver o que se tratava, achando que ela estivesse apenas dando um “oi”, mas quando abri estavam escritas exatamente essas palavras: “sabia que o Aranha morreu?”. A sensação que tive é indescritível. Mil e um pensamentos vieram na minha cabeça, meu coração disparou e comecei a tremer. De repente me veio a idéia de que poderia ser alguma brincadeira de mal gosto. Resolvi perguntar “do que?”, mas a resposta só confirmou o que eu temia: “acidente”. Quando comecei a chorar ainda vi ela escrever: “e a Karine está mal no hospital”. Só lembro de ter desligado o computador direto no transformador e ir chorando até a sala sem conseguir falar. Meu pai e meu irmão, que estavam lá, me perguntaram o que houve, e eu disse que um amigo meu havia morrido. Nunca tinha sentido tanta dor na vida. Vinha a imagem dele fazendo todos aqueles planos, falando da formatura, me dando o livro de poesias que ele escreveu, falando: “um dia, quando eu já tiver morrido, teu filho vai achar esse livro na estante e perguntar: ‘que livro é esse pai?’, ai você responde: ‘esse é um livro de um amigo maluco que o pai teve”. Na medida em que as imagens vinham, eu chorava mais e mais. Vi o mundo desabar diante dos meus olhos. Não conseguia pensar em nada. Chorei a tarde inteira, com minha mãe tentando me consolar e me dando remédio atrás de remédio. O resto do que aconteceu no domingo e no dia seguinte prefiro não contar, porque não é a minha intenção deixar ninguém deprimido. A semana que se seguiu foi a pior da minha vida. Eu chorava todos os dias, e no primeiro dia de aula que fui após a perda, sai da faculdade olhando para a rua, vendo todos aqueles bares, e acabei chegando em casa chorando. Cada vez que eu pego um poema dele para ler é impossível conter as lágrimas. Tem um que considero ser o mais tocante, por representar o sonho dele e de toda nossa turma:

TEMPO PARA VIVER
Tempo que passa ao longo dos tempos,
Tempo que nunca passou,
Tempo sozinho, tempo esquecido,
Tempo que não acabou.

Tenho o tempo na lembrança,
Momentos de criança,
Que sempre quis voltar,
Dançar novamente ciranda,
A vida recomeçar,
Quantas novas histórias,
Pra no futuro recordar.

O tempo não dá tempo
Ao curto tempo que tem.
Não basta viver a vida
É preciso tempo para viver.


Cada vez que leio esse poema pergunto: por que? Que critérios são usados? E a questão vem acompanhada da sentença: não é justo! O Aranha era uma de mninhas maiores inspirações, principalmente como escritor. Lembro de uma vez que ele estava lendo e bebendo na Pastelaria, e quando me viu parou de ler e convidou-me para sentar com ele. Nós novamente conversamos bastante, e nessa conversa lembro que ele me sugeriu que eu lesse dois livros ao mesmo tempo, e de preferência de assuntos bem diferentes. Eu estranhei, e ao ver minha reação ele disse que a diferença era uma espécie de preconceito, porque na medida em que você vai lendo os dois, você vai vendo que na verdade eles têm muito em comum. Ele simplesmente pensava e falava coisas que ninguém dizia, e que, como na minha filosofia de vida, remavam contra a corrente. Eu não tenho a menor dúvida em dizer que se o acidente não tivesse ocorrido ele seria um escritor famoso em todo o Brasil, justamente porque ele tinha uma linha de raciocínio muito inteligente, diferente de tudo que eu já tinha visto. Eu tinha muito a aprender com ele, e em cada conversa nossa eu renovava meu ânimo para tudo, principalmente para viver. Quando ele morreu (há pouco mais de um mês), achei que não teria forças para continuar. Simplesmente não conseguia pensar no futuro. Confesso que ainda estou um tanto receoso em pensar até na semana que vem. Só com a força e com a união de meus amigos, que também sofreram a perda, é que estou conseguindo recuperar e reunir forças para não jogar a toalha. Inclusive eu não apresentava a menor vontade de continuar escrevendo. Foi então que comecei a pensar nele, e com certeza se ele estivesse aqui ia me incentivar a concluir esse trabalho. Quero fazer no meu Projeto Experimental um livro-reportagem. Antes do acidente eu já havia comentado com o Dante que o único colega que aceitaria o desafio de escrever o livro comigo era o Aranha. Porém, agora me sinto na obrigação de escrever esse livro para ele. E todo e qualquer trabalho que eu venha a fazer daqui até o final da minha vida, será dedicado à ele. E mesmo assim será pouco. Até agora, enquanto escrevo essas linhas, a pergunta fica ecoando dentro da minha cabeça: por que?”.

Eu ia postar mais fotos nossas aqui, mas o scaner resolveu estragar (é sempre assim, os aparelhos de informática sempre dão pane quando mais precisamos deles), mas em outra oportunidade colocarei. Aproveito para colocar uma foto que “roubei” do orkut da minha ex-colega, amiga, e que se formou comigo, Karine Raquel. Ela certamente pode falar ainda mais do Aranha do que eu, já que eles estavam sempre juntos. Mas parece que todo mundo que conviveu com o Aranha em qualquer momento da vida se sente melhor amigo dele. Ele era assim: não tinha inimigos e todos o adoravam. Ele gostava até de quem não gostava dele, e essa é uma virtude que eu tento assimilar todos os dias. “Se tu me disser agora, aqui, que é drogado, homossexual, assassino, marginal, ou se disser que é padre, político, religioso, seja lá o que for, eu vou sentar aqui e te tratar do mesmo jeito e conversar contigo do mesmo jeito”. Foram mais ou menos essas palavras que ele me disse na primeira vez que sentei com ele em uma mesa de bar para passar a noite inteira conversando sobre tudo.
Agora, folhando os livros que ele me deu, eu leio os agradecimentos, que reproduzo aqui, já que me sinto incluído nesse item:

“AOS SONHADORES - a todos os sonhadores: nunca parem de sonhar, sigam a sina de amor e paz, entre outros sonhos mais”.

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