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segunda-feira, 24 de março de 2008

A Caipirinha Assassina


Um dia me perguntaram: qual o seu maior medo? Eu pensei, pensei, pensei e pensei, até que respondi que como bom gaúcho missioneiro, não tenho medo de nada. O sujeito me olhou, impaciente, e insistiu: “está bem, seu crápula, então o que poderia te deixar magoado?”. “Magoado?”, indaguei, “porra, que papo é esse?”. Ai o meu amigo foi mais direto: “o que poderia te deixar puto da vida, carajo?”. Ah bom, então assim sim.
Pensei mais um pouco e cheguei a conclusão que o que me deixaria, ou melhor, me deixa fulo da vida é quando uma coisa que eu gosto muito, que eu confio, que eu quero bem, assim como eu sei que também me quer bem, acaba se voltando contra mim, de uma forma ou de outra. E isso aconteceu, nobre leitorinho tupiniquim. E justamente quando eu estava nas minhas deliciosas mini-férias no litoral catarinense, feliz da vida.

Era segunda-feira de carnaval e de noite iríamos no show do Nenhum de Nós no Café Pinhão. Logo depois que levantamos meu amor pediu para que eu fizesse uma capirinha, antes de arrumarmos as coisas para irmos para a beira do mar. Vale lembrar que o resto da cambada já tinha ido para a praia, só faltava nós. Eu olhei para a cesta cheia de limões, para a garrafa de Velho Barreiro que tínhamos comprado no sábado, e para a geladeira, e, apesar da sede, me deu uma preguiça desgraçada, e respondi: “não quer deixar para depois do almoço, meu amorzinho”. Ela respondeu “hmmmm, acho que vou voltar para Santo Ângelo sem tomar a caipirinha que tu me prometeste”. Bem, apesar da resposta ela aceitou que a caipirinha ficasse para outra hora. Mas, eis que quando íamos saindo, toca o interfone:
- Tua mãe tá pedindo uma caipirinha.
Just, ora bolas. Quem vai resistir ao pedido da namorada e da mãe? Eu também tenho um certo comprometimento com a coisa toda, então, encarei aqueles limões todos, pensei, e coloquei as mãos na massa, ou melhor, na cachaça e na limoada toda. Espremi, espremi, espremi, espremi e espremi. Coloquei um pouco de cachaça, taquei açúcar, mexi bastante e experimentei. Não, não. Um pouco mais de limão. Espremi, espremi, espremi mais do que minha namorada espreme minhas espinhas. Já estava ficando com tendinite de tanto espremer. Provei de novo. Não, não. Um pouco mais de cachaça e açúcar. Pronto. Agora é só tacar gelo (Um bizu que aprendi com meu professor de química do meu cursinho pré-vestibular lá pelo ano dois mil – conselhos importantes a gente guarda para sempre – nunca coloque gelo antes de fazer a mistura, porque: água em temperatura ambiente = homogêneo, ou seja, se mistura com outras substâncias; e gelo = a heterogêneo, não se mistura).
Pronto. Ei-la a minha, ou melhor, a nossa caipirinha. A essas alturas só estava eu no apartamento. Coloquei aquele líquido precioso em uma taça personalizada que estava por lá, coloquei até um guarda-chuvinha em miniatura que minha namorada levou, e fiquei olhando a dita cuja. Fiquei tão empolgado que até uma foto eu tirei. Aí está! O artista diante da sua obra. A criatura e o criador. O arquiteto e o prédio. A mãe, ou melhor, o pai, e o filho. O cão e o seu dono. O gol e o artilheiro. O amendoim e a rapadura. As ondas e o mar! Enfim, eu e a caipirinha. Quantos anos de bom relacionamento nós tivemos! Quantas vezes deleitei-me no seu sabor doce e ácido e alucinógeno e entorpecedor nas mais diferentes fases da minha vida! Quando eu saí para as primeiras noitadas, ela estava lá! Nos primeiros carnavais, ela estava lá! Nas excursões do colégio, ela estava lá! Nos cinco anos de faculdade, ela sempre esteve presente! Mal imaginava eu que aquela criatura meiga, que se exibia na minha frente, estava confabulando com os malditos ovos do mal para me prejudicar.
Mas acontece que, minha confiança nela era tanta, que fui ao banheiro, lavei as mãos, peguei a dita cuja e desci rumo a praia, assobiando “A Kaiser é uma grande cerveja”, em homenagem a meu amigo Maikel (outra hora abordarei os gostos cervejalógicos do meu amigo).
Cheguei lá, todos beberam a caipirinha da minha fonte. E eu ia ficando cada vez mais orgulhoso a cada elogio que davam. “Viu? E não gastamos quase nada!!”, disse, em tom professoral.
Voltamos ao apartamento, almoçamos, voltamos para a praia de tarde, retornamos para o apartamento, tomamos banho, saímos nos shopings de Meia Praia, seguimos para o apartamento novamente, e rumamos para o Café Pinhão para assistir ao Nenhum de Nós com sua “Camila, Camila”, com os “papapapapapa, você não ligou quando eu disse para ter cuidado” e com o seu “é estranho como é estranho sussurrar um nome”, e por ai foi a noite toda, até as cinco da manhã.
No outro dia, acordei com uma puta dor de cabeça, com o corpo todo doído, e, para piorar, com minhas duas mãos queimadas. Começou com uma manchinha vermelha, exatamente da mesma forma que surgiram os primeiros focos comunistas no Brasil na virada para 1900. Essa manchinha foi se alastrando e, de noite, quando pegamos o ônibus de volta para Santo Ângelo, parecia que tinha encostado minhas mãos em um fogão a lenha. A dor nos quatro dias que se seguiram era insuportável, e foi então que eu percebi que aquela caipirinha maldita tinha alguma ligação com os ovos. Até porque faz tempo que não sofro com nada relacionado a minha alergia, então, só pode ser que eles, de alguma forma sobrenatural, se vingaram através da caipirinha (se vingaram de quê? Não me perguntem, mas desconfio que em outra encarnação eu devia ser um degolador de galinhas). O que sei foi que tive queimaduras de segundo grau, tudo porque fiz a maldita caipirinha e peguei um solzinho.

Mas, como falei antes, tem certos ensinamentos que nunca esquecemos, e esse é mais um. Quer dizer, não rompi definitivamente com a caipirinha, e até cheguei a fazer outras quando voltamos, mas fazer isso de novo, na praia, antes de ir para o sol, nem que a vaca tussa, espirre e bote um ovo. Para a sua diversão, segue a foto do que resultou essa brincadeira toda...

4 Comentários:

  • Eduarrrrrdo, muito bom teu texto... fico envolvido com a minúscia de tua narrativa. Mas devo confessar q achei injusta vc condenar nossa mundialmente famosa caipirinha... mais atenção ao q dizem nossos velhos: "passar limão na pele e tomar sol causa queimadura"; beber tiquira e tomar banho mata... mas essa vc só comprova quando vier ao Maranhão...rss!
    Forte abraço, grande jornalista!

    Por Blogger Unknown, às 24 de março de 2008 às 21:06  

  • que burro, dá zero pra ele

    Por Blogger Fábio Ritter, às 25 de março de 2008 às 09:07  

  • concordo com o manuxo
    q burro dá zero pra ela
    e como eu adoro te corrigir nas tuas narrativas, meio reiais, meio irreais, só faltava euu, qdo eu acordei vc estava fazendo a caiposa!!! sakas, eu personagem central da hitória!!! hahahaha
    bjus

    Por Blogger Carolina, às 25 de março de 2008 às 13:33  

  • "Mal imaginava eu que aquela criatura meiga, que se exibia na minha frente, estava confabulando com os malditos ovos do mal para me prejudicar"

    A melhor frase do texto!

    Por Blogger Zaratustra, às 25 de março de 2008 às 14:37  

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