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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

La cucaracha bukowskiana

Esses dias o velho Buk apareceu em um sonho. O pai Xangu havia me dito naquele contato feito da outra vez que é normal isso acontecer quando alguém conversa pessoalmente com uma alma do além. Eu mal havia dormido, comecei a sentir um bafo de cachaça, e em meio a uma fumaceira apareceu Chinaski, Henry, Hank, ou Buk, como preferirem.
- Essa tal de caipirinha é do caralho. É a melhor invenção da humanidade depois da cerveja e da cama –disse ao me ver.
- Como vão as coisas? – perguntei.
- Olha, você sabe como o negócio funciona. Já expliquei da outra vez. Mantenha meu copo cheio e contarei tudo a você...
Era estranho, porque ao mesmo tempo que tudo era tão real, eu tinha consciência que aquilo era um sonho. Ou seja, era como se eu estivesse ali, consciente, no meu sonho!
- Que do caraí – disse eu, pensando em voz alta.
- O quê?
- Porra, nada. Vou pegar uma cerveja.
Olhei em volta e enxerguei um bar, quase igual ao do meu tio, lá da Venâncio, em Porto Alegre.
- Espere ai, vê se não some.
- Ok - disse ele, secando o copo.
Entrei no bar, estava completamente lotado. E pra variar, meu tio estava atendendo.
- Tio! – chamei.
- Não chama ele. Esse ai é alemão, não é bom confiar – me disse aquele mesmo cliente da outra vez.
- Tio! – insisti.
- Ô alemão xarope! Vem atende esse guri aqui que ele é gente fina.
O tio nada. Nem olhava. Após mais umas quatro tentativas ele veio me atender.
- Me vê uma jarra de caipirinha – pedi, já que a sede do velho Buk sempre é grande, e a minha não fica muito atrás...
Voltei correndo para o local onde Bukowski estava (o meio do vazio) e enchi o copo dele. Como não me liguei de pegar um para mim, tratei de tomar direto na jarra.
- Então é isso – disse eu.
- Ééééééééééé! – resmungou ele – Você conhece o dono daquele bar?
- Claro, é meu tio.
- É um alemão xarope – disse.
- Sim. Eu também sou. E você também!
- Éééééé!
- Mas agora trate de falar, onde você fica? O que aconteceu depois daquele papo com Jesus Cristo?
- O velho não me agüentou muito tempo. Bebíamos o tempo todo. Até ai tudo bem, a gente sempre ficava horas e horas bebendo, depois a gente sorteava alguns desgraçados lá da Terra para fudermos com eles, mas isso com o tempo foi passando. No início estava achando tudo o maior barato, mas nossa relação foi se desgastando, sabe como é?
- Sim, claro.
- Mas como disse, apesar disso estava tudo bem entre nós. Enchíamos a cara, aprontávamos alguma pegadinha para os recém chegados, enchíamos a cara, mandávamos um bebê iluminado para cada um milhão de desgraçados, enchíamos a cara, mijavamos na cabeça das pessoas, enchíamos a cara, e por ai ia seguindo a vida. Ou melhor, a morte. Quer dizer, nem sei mais o quê. Até que um dia ele se virou para mim e disse: “Cara, se continuar bebendo desse jeito vou fuder com o mundo”. “Isso não é legal. Se você fudesse com todo mundo era diferente..”, respondi. “Éééééé!”, retrucou. “Mas estou falando sério. Eu não era assim. Antes bebia somente uma vez por semana, mas desde que você chegou aqui, bebo todos os dias”, reclamou, com os olhos vermelhos, a testa franzida e um ar de cansado.
Nesse momento o velho Buk coça o queixo, como se estivesse longe.
- Ainda convenci o velho a me deixar ali com ele um pouco mais. Tinha tudo o que precisava. Dormia nas nuvens, enchia a cara, não precisava ir no banheiro para mijar, e sabia que não morreria de fome, afinal, já estou morto!
- Tu vês – eu disse. Ele continuou, como se eu não tivesse dito nada:
“O tempo ia passando, e aos poucos fomos voltando a velha forma. Até que um dia o velho tinha ido resolver umas paradas com o carinha lá de baixo, estavam disputando a foice uma pobre alma... Ele foi e me deixou lá. Fiquei sentado, tomando minha cervejinha, quando surgiu a Tina, descendo com suas asinhas e seu rabinho maravilhoso em minha direção. Na hora, não me preocupei, pois o velho tinha me dito que não se trepava depois de morto. Mas agora percebo que ele mentiu só para evitar que eu fizesse alguma cagada pelo céu. Então, a Tina me cumprimentou e perguntou do velho. Eu respondi:
- Foi resolver umas paradas com o dito cujo.
- Hmmmmmmmmmmmmmmmmmmm” - ela murmurou.
- Hmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm” - eu respondi.
- Hmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm - ela resmungou vindo em minha direção.
- Hmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm - eu retruquei pegando ela pela cintura.
- Hmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm - ela fez já em cima de mim. E o resto foi “hmmmm” para tudo quanto é lado. Mas tudo bem, deu tempo da gente dar duas e ela voltar lá pra cima. Eu ainda tomei mais meia dúzia de garrafas quando o velho apareceu. Até ai tudo bem de novo. Mas o tempo foi passando, e o velho foi percebendo que a Tina começou a inchar e a engordar. Ele começou a ficar mais quieto, como se estivesse desconfiado de alguma coisa. Até que um dia, depois da Tina trazer a 19° garrafa, e ia voltando para a sua nuvem com muita dificuldade, ele sentenciou:
- Meu Pai! Ela está grávida.
- Grávida? – perguntei.
- Você.... Você.... Você só pode ser um... um.... novo Judas!
- Pow velhinho, não esquenta. Não vale a pena a gente estraga essa amizade por um rabo de saia.
- Seu... seu...
- Olha, lá na Terra está cheio de Tinas! Vamos dar uma volta lá qualquer hora...
- Seu... seu...
- Olha, vai se fuder! Toma a porra da tua cerveja antes que esquente ou eu te rache a garrafa na tua cabeça.
Depois só ouvi: POW! Fiquei mais um tempo desacordado, e desde então estou nesse vazio, com aquele bar ali na frente. Mas o dono não me deixa passar para a saída que tem do outro lado. É um alemão xarope!”.

Eu ouvi toda explanação do velho Buk, tomando vez em quando um golinho direto da jarra. Quando me dei por conta, ela estava vazia!
- Ei! Eu fiquei falando, falando, falando, e você secou essa porra! O que está pensando?
- Calma, calma – respondi – vou lá pegar outra.
Sai correndo bar adentro gritando “To! Tio!”. Até conseguir sair de lá já tinha se passado meia hora. Quando voltei, o vazio estava vazio. Não havia nem indícios do velho Buk. Eu comecei a correr no escuro, e de repente tropecei. Quando ia bater a cabeça no chão, ouvi:
PIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPIPI....
Era a porra do despertador.
Levantei, liguei o som como sempre, estava indo de cueca do quarto para o banheiro, ao mesmo tempo em que minha irmã ia saindo do quarto dela para o banheiro, coçando o nariz com a palma da mão, quando nos vimos. Eu fui mais ligeiro que ela e entrei primeiro.
- Que é isso guri! – resmungou.
Eu comecei a assobiar “Você vai lembrar de mim” do Nenhum de Nós, e entrei no chuveiro. Tinha uma porra duma barata bem no meio da banheira (não tomo banho de banheira, mas o chuveiro fica em cima dela). Peguei o chinelo e comecei a tentar a jogar ela pra fora. Como fiz pouca força, ela escorregou de volta e ao parar, de novo no meio da banheira, começou a remexer todas aquelas patinhas ao mesmo tempo. Então, lembrei do Metamorfose, do Kafka, e pensei que aquela barata poderia ser meu irmão.
- Fábio, é você?
Não houve resposta. Fiquei olhando para ela com ar de curiosidade e dúvida. E se fosse algum membro da família e eu a matasse. Melhor não arriscar. Na segunda tentativa ela saiu voando banheira afora e piso do banheiro adentro. Bateu com a cabeça na parede e, por azar, caiu de costas e continuou mexendo aquelas malditas perninhas. “Mas que barata mais burra”, pensei. “Agora que espere eu tomar banho”. Liguei o chuveiro e quando estava terminando de ensaboar meu sovaco, minha irmã começou a bater na porta:
- Apura guri! To me mijando!
Continuei assobiando “Você vai lembrar de mim”. Terminei de me lavar, sai do chuveiro, mijei, me olhei no espelho, desvirei a pobre cucaracha, e sai do banheiro. Me vesti, tomei um café, escovei os dentes, juntei minhas tralhas de trabalho e sai para a rua. Enquanto caminhava pensava na maldita barata. E se ela fosse o velho Buk?




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