.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Retro - A gema do ovo





Como estou voltando a levar uma vida de estudante-jornalista, com o breve início das aulas do mestrado, e para variar, estou com pouco tempo e sei que não vou poder escrever nesse final de semana, aproveito para matar minha saudades da faculdade e todas as falcatruas que existem lá, postando mais um texto do meu arquivo.
Como os textos que escrevi sobre minha alergia a ovo são os que mais fizeram sucesso até agora, reproduzo esse, que escrevi depois do Fórum Social Mundial de janeiro de 2005. Vale esclarecer que escrevi por volta de MARÇO DE 2005. Bom, por motivos de força maior (os generais mortos após a ditadura reencarnaram nesse corpo que vos escreve) acabei censurando algumas partes, que talvez, UM DIA, eu as publique em algum lugar obscuro da literatura não vista (tem a literatura maldita, que pelo menos era lida, agora, a maior parte da literatura de hoje em dia é não vista mesmo, já que cada vez mais o pessoal lê menos). O título do texto é: “A gema do ovo”.

A gema do ovo

Em dezembro do ano passado larguei o emprego que tinha em Ijuí para tentar a sorte em Porto Alegre. Como vocês sabem, fui na expectativa de realizar um estágio no clube número 2 do Rio Grande, mas ao contrário disso, minha viagem foi repleta de bebedeiras, loucuras, Fórum Social Mundial e duas semanas no Rio de Janeiro! Cheguei em Porto Alegre no início de janeiro, e fiquei na casa de um amigo meu que mora e estuda lá. Como era período de férias na faculdade, ele não estava em Porto Alegre, e o AP só estava sendo ocupado pelo primo dele, o Ricardo. Logo no primeiro dia já vi que se tratava de uma grande figura. Comecei especulando, vendo se ele gostava de sair, se era organizado ou bagunçado que nem eu, e constatei que era muito parecido comigo, tanto é que se amarrou nos livros do Bukowski que eu havia levado para ler no ônibus durante a viagem. A semana que ele ficou lá, antes de ir passar as férias com a família em Tupaciretã-RS, foi muito divertida. Na minha primeira noite, fomos no La Boguedita, um lugar macabro na Lima e Silva, que quando você passa pela frente logo pensa: “eu nunca entraria ai”. Dias depois chegou o Manuel, que passaria a dividir o AP com os dois primos, e que só foi lá para adiantar a mudança. Nesse final de semana nós três resolvermos ir para a noite assombrar a mulherada. Após rodar por alguns bares, acabamos no Zap, um lugar bacana no Bairro Moinhos de Vento, que eu já conhecia de uma outra viagem minha a Porto Alegre. Era 30 reais a entrada com bebida liberada. O Manuel., que não bebia, ficou meio mal logo de cara e foi embora alegando que a música era ruim (pagode). Já eu e o Ricardo pouco ligamos para a música, pois o negócio estava bombando. Lembro que cheguei para conversar com uma mulher mais velha que estava sentada no bar, e inutilmente perguntei seu nome. Vendo que ela fingia não me ouvir, perguntei o que ela fazia. “Eu sou babá”, respondeu, provavelmente querendo insinuar que eu era uma criança. Achei graça da resposta, e ela milagrosamente fez a mesma pergunta para mim: “e você, que faz da vida?”. “Agora ela me paga”, pensei vingativamente. “Tenho um açougue na Fernando Machado”, respondi com um ar tranqüilo e sereno. Após ela soluçar de tanto dar risada, tentei aproveitar o embalo para puxar mais assunto, mas ela era uma garota esperta (e sã), então em pouco tempo me deixou falando sozinho. Para esclarecer a graça que a criatura achou na minha resposta, explico: a Rua Fernando Machado, no centro de Porto Alegre, é a antiga Rua do Arvoredo, onde por volta de 1860 um açougueiro e sua mulher mataram várias pessoas e fizeram lingüicinhas com elas, que eram vendidas para a população porto-alegrense, tornando-as canibais. A história foi contada de forma magistral pelo escritor David Coimbra no livro Canibais – Paixão e Morte na Rua do Arvoredo. Recomendo à todos que leiam, já que se trata de uma excelente obra. Voltando à boate, depois disso (CENSURADO).
Quando a festa terminou, eu e o Ricardo tentamos ir embora a pé, mas devido ao nosso nível de embriaguez e à nossa ignorância geográfica sobre as ruas de Porto Alegre, acabamos nos perdendo. Quando nós perguntávamos como se fazia para ir até a Cidade Baixa, todos respondiam: “vocês querem levar uma bala na cabeça?! Peguem um táxi que é mais seguro”. Subimos e descemos várias ladeiras, até que desistimos de tentar sair daquele labirinto urbano, e pegamos o primeiro táxi que passou na nossa frente (abro um parentese aqui, porque acabou de passar pela minha janela uma morena que é um ESPETÁCULO, e fez eu me perder todo na história). Um, dois, três, vamos lá. Depois desse dia, o Ricardo trabalhou no vestibular da faculdade em que ele estuda, e assim como o Manuel já havia feito, foi embora. A partir desse momento eu estava sozinho em um apartamento de dois quartos, uma sala, um banheiro e uma cozinha no décimo segundo andar de um prédio localizado no ponto mais badalado de Porto Alegre: a Rua Lima e Silva. Mas para decepção geral da nação, até o início do Fórum Social Mundial minha única ocupação foi a internet. (CENSURADO)... no domingo que se aproximava, que era justamente o domingo que meu amigo Fernando, mais conhecido como Carioca, ia chegar para participar do Fórum Social Mundial. No sábado praticamente não dormi, e tive que buscá-lo às nove horas da manhã no aeroporto. (CENSURADO-CENSURADO)
O Fórum começou no dia seguinte, e eu fui logo conhecendo a galera do Rio de Janeiro que estava lá. Os amigos do Carioca eram todos figuraças, como o Ronaldo, que toda noite aparecia lá em casa para jantar com a namorada e com a irmã. De bobo os três não tinham nada, porque eles aproveitavam a oportunidade para tomar banho e se trocar lá, já que o Acampamento da Juventude não era muito confortável, e além do mais, a água do meu chuveiro era quentinha. Passei todos os dias do Fórum andando pelo acampamento, assistindo palestras, conhecendo gente nova, idéias novas, culturas novas. Minha avaliação do Fórum é boa, apesar de ter presenciado arrastões, roubos, prisões e outras cositas mas. Lá vi de tudo. Uma noite, quando estávamos sentados ao redor de uma fogueira, com um pessoal da Bahia tocando violão, apareceu um maluco chapado, mandando que parassem de tocar a porra do violão por que Raul Seixas já tinha morrido. O cara gritava desesperadamente “RAUL SEIXAS JÁ MORREU! PÁRA COM ISSO! RAUL SEIXAS JÁ MORREU!” E os caras nem ai, continuaram com o som, até que o chapado foi embora desamparado. Lá também conheci um colombiano que morava em Cali. Ele me perguntou o que eu conhecia do país dele, e na hora a única coisa que me veio na cabeça foi o nome zagueiro da Seleção Colombiana de 94 Escobar, que foi assassinado após marcar um gol contra na Copa daquele ano. O cara respondeu “ah, si, Pablo Escobar. Es un hombre mui poderoso. Es mas poderoso que lo presidente Uribe”. Como nosso portunhol estava meio confuso, acabei deixando assim mesmo.
Outro dia eu estava na caminhada pela paz na Palestina, gritando “free, free Palestine”, quando olho para o lado e vejo meu colega de faculdade Chico (que na verdade é o Fronceck), com uma latinha de cerveja na mão, gritando feito um louco para libertarem o povo palestino. Como esse mundo é pequeno! Saio de Ijuí, e no meio de um monte de estrangeiros e brasileiros dos mais variados estados acabo encontrando justo o Chico! O resultado dessa coincidência foi mais um porre para o nosso currículo.
Lembro ainda que todos os dias eu ia para o Fórum depois do almoço e voltava só de madrugada. Geralmente o Carioca e eu nos perdíamos por lá, e um chegava antes do outro em casa. Conhecemos também uma galera de Santa Maria-RS, todas estudantes universitárias. Tive que responder para elas todas as perguntas possíveis e imagináveis sobre alergia a ovo. Pois é meu caro leitor, sou alérgico a ovo. E elas me bombardeavam com perguntas do tipo “é só ovo de galinha que você não pode comer ou qualquer tipo de ovo?”, ou “mas então o que você come?” ou ainda “e a galinha, tu podes comer?”. Depois de conceder uma verdadeira entrevista coletiva sobre o assunto (todas eram estudantes de jornalismo) a gente foi tomar um trago em um boteco qualquer. Lá ainda tive que ouvir comentários como “ainda bem que não tem ovo na cerveja” ou “cuidado que essa cerveja é da mesma cor do ovo”. É mole? Como diria o Macaco Simão: é mole mas sobe.
Dentro desse repertório de coisas estranhas, ainda tinha o Carioca, que além de ser meio esquisito, praticamente não dormia. Ele chegava mais ou menos na mesma hora que eu, e as oito da manhã estava de pé para ir às palestras. O infeliz me cutucava e dizia: “o gaúcho, não vai não?”. Eu olhava no relógio e respondia ainda meio dormindo: “não, vou mais tarde”. Acabava sempre indo depois do meio-dia. Quando ele saía, eu ficava pensando: “bah, esse carioca não dorme tchê!”. O Fórum foi passando, e eu fui planejando minha ida para o Rio de Janeiro no carnaval. O Carioca foi embora na segunda-feira, e na quinta eu estava acordando às quatro horas da madrugada para ir até o aeroporto Salgado Filho pegar o avião rumo ao Rio, que saía às seis horas da manhã. O vôo atrasou uma hora, e só entrei na aeronave às sete. Passei o vôo inteiro achando que aquela bosta ia cair. A pior parte foi quando o avião começou a baixar, e eu só via mar pela janela, sendo que ainda faltavam 30 minutos para o horário previsto para a nossa chegada. Já estava entrando em pânico quando apareceu aquele monte de prédios, que de longe pareciam mais caixas de fósforo colocadas em uma maquete.

4 Comentários:

  • manuxo
    mto bem
    viu como eu li
    só kero ler agora as partes censuradas
    seu bocoh

    Por Blogger Carolina, às 10 de março de 2008 às 10:18  

  • Eu tb quero ler as partes censuradas, vivemos num país livre! heheheh

    Por Blogger Espaço Diverso, às 11 de março de 2008 às 07:11  

  • Muito bom, guri, dei umas boas risadas. Continua assim. Claro que a vivência é muito importante,ainda estás verdinho, mas estás no caminho certo.Eunice

    Por Blogger Unknown, às 11 de março de 2008 às 17:27  

  • Quem vos fala é Lara, e estou aqui para dizer o seguinte: não conheço as partes censuradas. Mas sei que tem muitas outras partes nessa história. Umas delas eu vivi.
    E aí, lembrando do carioca, lembrei que você me deve sua visita ao Rio por eu ter te apresentado ele (hahaha, claaaro né). E além disso, lembrei que essa ocasião (quando conheceste o carioca) renderia uma ótima história. Eu quero lê-la aqui!!!
    Texto ótimo, como sempre!
    Figuuura!

    Por Blogger Mercedes Mirabal, às 12 de março de 2008 às 20:15  

Postar um comentário

<< Home