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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Instinto caçador

Uma noite quente. Um bar. Cerveja gelada e três amigos. Francis era o único do bando que era casado. E mais: era casado e tinha dois filhos – um guri de quatro anos e uma guria de dois. Não tinha nada a reclamar da vida: se dava bem com a mulher, tinha um bom emprego, amava os filhos e assinava o Pay-Per-View do campeonato Brasileiro. Enfim, era um homem feliz, mas a essa altura da vida, pacato. Não lembrava nem de longe o antigo caçador da noite que abaixava uma calcinha após a outra. Para cada conquista, uma emoção. Para cada emoção, uma vitória. Para cada vitória, uma lembrança. Mas isso já era coisa do passado. Aos 35 anos, há 8 estava sossegado. Desde que conhecera Vitória. Além de achar a mulher um tesão de outro mundo, ainda era apaixonado pelo seu nome, que tinha tudo com a ver com a própria personalidade de Francis: um vencedor.
Fazia tempo que não saía com os amigos, mas como naquela noite simples de quinta-feira a mulher tinha ido viajar com seus pais e as crianças, achou que não tinha nada de mais em sair dar uma bebericada em uns copos de cerveja com os dois amigos. Ambos eram solteiros e estavam na fase da caça. Ele era o lobo experiente que apenas a tudo observava.
As coisas começaram a mudar quando chegaram duas mulheres, uma loira, um pouco acima do peso, mais nova, e outra morena, magra, corpo bem desenhado, pele branca e um pouco mais velha do que ele. Logo de início tudo foi ajeitado: a loira sentou ao lado de Renan e a morena ao lado de Márcio. Ele nem esquentou, pois estava fora do páreo. E nem tinha a intenção de entrar naquela disputa hormonal. Ao fundo, rolava o som de uma baladinha qualquer, dessas que quando você menos percebe está assobiando e batucando na mesa, como “Pumped Up Kicks”. Como um velho lobo, que apenas observa os mais jovens caçando, ele via Renan se virar bem com a loira, mas, por outro lado, Márcio não abria o bico para trocar uma idéia com a morena. Como sabia da timidez do amigo, aos poucos o seu instinto de caçador foi florescendo dentro de si. Não conseguia ver aquela gazela frágil e indefesa ficar ali, completamente abandonada, olhando para as paredes. Ele tinha compaixão. E foi tomado por essa compaixão de não permitir uma presa ficar sem um caçador que ele puxou assunto com a morena. Márcio, a princípio, ficou no meio, ouvindo a conversa. Francis era tão dono de si mesmo que estava se lixando para a cara do amigo, que ficava entre ele e a beldade. Quando Márcio se levantou para ir ao banheiro, a morena pulou para o lado de Francis. Os dois riam, com naturalidade. A conversa fluía e os olhares e trocas de elogios tornavam-se cada vez mais furtivos. Francis logo percebeu que a morena tinha um humor peculiar. Primeiro, quando disse que trabalhava no caixa de uma revenda de automóveis, ele, meio sem saber o que dizer, comentou em voz quase inaudível:
- Interessante.
Então ela olhou fixamente para ele e comentou:
- Sim, interessantííííssimoooo – estourando em seguida em uma interminável gargalhada.
Depois, quando ele comunicou ao bando que ia ao banheiro, ela quis saber o que ele ia fazer lá. Ele franziu a testa e respondeu sem pestanejar:
- Vou mijar.
Ela então riu e disse:
- Ah bom. Pior se você dissesse que iria “fazer pipi”.
Renan se intrometeu na conversa e disse:
- Isso é muito gay.
- Eu adoro gays. Morro de tesão por um gay – retrucou a morena.
A frase simples ficou gravada na mente de Francis. Mais tarde, após alguns copos de cerveja, quando Francis disse novamente que iria ao banheiro, a morena perguntou mais uma vez:
- Vai fazer o quê?
- Pipi – respondeu Francis.
A morena então perguntou:
- Você é gay?
- Sou – respondeu Francis, encarando a morena.
Por um momento ela acreditou na palavra de Francis. Mas foi então que o velho lobo deu o golpe fatal em sua presa:
- Você não disse que gostava de gays?
E então, assim como um lobo experiente crava as suas mandíbulas no pescoço de um rottweiler de madame, Francis abocanhou a morena.
Nessa noite Francis esqueceu tudo: a mulher, os filhos, o cachorro e o papagaio, e se deleitou nas carnes saborosas da morena, como um lobo faminto come os próprios pais ao não encontrar caça durante dias para não morrer de fome. É o instinto animal que sobrevive no corpo humano. É o instinto que nunca vai abandonar a homem enquanto houver uma carne feminina suculenta a ser devorada.

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