.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Um cara fodão

Acabei de ler hoje as 734 páginas do No direction home, de Robert Shelton, que, como já falei aqui outra vez, trata da biografia de Bob Dylan. Enfim, poderia escrever um outro livro sobre este livro, mas como sei que o leitor é preguiçoso vou tentar abordar aqui alguns tópicos que me chamaram a atenção.
Primeiro: a biografia pega, principalmente, o período de infância/adolescência de Dylan, abordando toda a história da troca de nome dele, as polêmicas da troca de cidade e da difícil aceitação das primeiras críticas, etc.
Segundo: Shelton pega toda essa construção do mito Bob Dylan como um astro do pop rock/música folk. Gostei muito disso, pois é muita loucura você voltar no tempo e ver como um mito internacional foi construído. Esse trecho começa em 1961, e a descrição mais intensa vai até 1966. Ou seja, 1961 é quando Shelton publica a sua elogiosa crônica sobre Dylan no New York Times, abrindo todas as portas para o sucesso (quando ele tinha 20 anos, pois Dylan é de 1941 – está hoje com 70 anos). E 1966 é quando ele faz uma turnê polêmica incluindo uma banda (The Band) e a guitarra elétrica nos seus shows, causando a ira dos fãs do folk. Enfim, as acusações eram várias, dentre as quais, de que Dylan, no início da carreira, criticava as desigualdades sociais, com letras politizadas e tudo o mais, mas estava comprando carros e mansões pelos Estados Unidos afora. Nesse período da narrativa do nascimento de Dylan até 1966, que acho que ocupa também numericamente a maior parte do livro, estão incluídos alguns casos mais particulares de romances e loucuras vividos por Dylan. Curiosamente, como Dylan se casa, se não me engano em 1965, a partir dessa data o relato passa a ser meramente sobre o trabalho profissional de Dylan, o que é compreensível, porque fica claro nas entrelinhas que Dylan não gostava que o seu casamento (que resultou em cinco filhos) fosse abordado pela mídia, quem dirá ainda por Shelton, que escreveu a biografia com o aval de Dylan. Ou seja, o livro é muito bom em vários sentidos, mas dá para perceber que não tem nada muito bukowskiano na história, creio eu, que por essa parceria do jornalista com o objeto pesquisado.
Mas, analisando agora o Bob Dylan, e não o autor do livro (que faleceu em 1995), também vou elencar alguns pontos, tendo como único critério a minha memória.
Primeiro: Bob Dylan passou por toda aquela confusão mental de um adolescente que se criou em uma cidade no cu do mundo, pequena, formada exclusivamente por classe média e classe A. Inadaptado ao sistema, ele vai buscar sua própria vida em Nova York, entretanto, ele leva consigo muito da sua cidade pequena, que acaba se refletindo em suas atitudes.
Segundo: independente do seu talento, fica claro no livro que ele é (ou pelo menos era) um individualista, que fez de tudo para conquistar a fama, e depois veio com aquele papinho de “ai, eu não entendo as pessoas, sou apenas um ser humano falando coisas sobre a vida”. O caralho! Ele rastejou atrás da fama, fez de tudo para ficar famoso, inclusive, renegou a família e construiu histórias mentirosas para construir um personagem que batesse com o que ele queria dizer, afinal, ele imaginava que as pessoas não curtiriam uma música criticando as desigualdades sociais se soubessem de onde ele vem. Inclusive, num dado momento, alguém comenta sobre Dylan que ele não é capaz de amar outra pessoa como a si mesmo (provavelmente uma ex).
Terceiro: querendo ou não, ele era um mimado. Por mais que tenha feito programa (sexualmente falando) para sobreviver logo que chegou a Nova York, pois não tinha de onde tirar grana, ele ficou de beiço com a imprensa quando ele deu uma entrevista inventando um monte de história sobre o seu passado e o jornalista foi checar as informações e escancarou aos leitores a história inventada x a história real. Depois disso (e aí sim até considero um mérito) ele só passou a dar respostas irônicas para a imprensa, do tipo, o jornalista pergunta “quem te inspirou?” e ele responde “sei lá, acho que o rato de estimação da minha família”. Enfim, isso tudo ajudou a formar o mito que ele é.
Quarto: apesar de ser um mimado e mentiroso, ele foi fodão. Inclusive, ele mentia de forma bem intencionada na maioria das vezes. Não tem como negar a qualidade das letras das suas músicas e o que ela representou para o rock mundial. Ele também pensou lá na frente quando aderiu a guitarra elétrica e, nesse ponto, concordo com ele, pois Dylan queria apenas fazer o seu som, sem agradar ou desagradar ninguém. Ou seja, o grupo folk, que construiu no seu imaginário um santo do gênero, não sacou que na verdade Dylan não encarava a coisa toda dessa forma. É como o cara que se apaixona platonicamente e quer cobrar da amada algo em troca.
Quinto: ele, como a maioria dos homens, caiu nas armadilhas dos relacionamentos. No período em que foi casado com Sara (foto de 1969), de aproximadamente uns 10 anos, ele ficou afastado das turnês, praticamente não lançou nenhum álbum, etc. Enfim, se fudeu, pois no fim levou um pé na bunda e a ex-mulher ficou com os cinco filhos e metade da grana dele. Depois disso ele agendou uma série de shows, e a turnê foi apelidada ironicamente de “turnê da pensão”, já que ele tinha pensão de mulher e cinco filhos para pagar.
Sexto: Porra, tem que considerar ainda os caras que andavam com ele, principalmente Allen Ginsberg. Além disso, ele conheceu outros fodões da música, do cinema e da literatura, como John Lennon e o resto da galera dos Beatles, Eric Clepton, Elvis, Jack Kerouac, Norman Mailler, Jack Nicholson e até o Marshal McLuhan é mencionado no livro! Ou seja, um fodão no meio de outros fodões.
Bom, finalizando, uma última consideração sobre o livro. Como disse antes, Shelton apresenta o troço todo jornalisticamente, mas teve várias vantagens em relação a outros autores: era amigo de Dylan. Com isso, pôde testemunhar várias histórias, como por exemplo, quando ele viaja com Dylan no jatinho particular do cantor em meio a uma turnê. Como jornalista cultural, também apresenta em vários momentos um tom de matéria analítica sobre o conteúdo produzido por Dylan. É um livro que não traz muitas fofocas, no sentido de revelar coisas bizarras sobre Dylan, mas que mesmo assim acaba te prendendo. Quem já curte Bob Dylan talvez aproveite melhor o livro do que eu, mas aqueles que, como eu, não sabiam muita coisa sobre ele, também vão curtir, pois cada história contada acaba sendo uma novidade.
Enfim, já escrevi muito por hoje. Quem quiser saber mais que vá ler o livro, porra!
Hasta!

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home