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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Um livro fodão sobre um cara fodástico

Um guri nasce no interior da Paraíba, muda-se com a família para Pernambuco e, quando começa a crescer fica gago. Para curar a gagueira (após serem tentadas todas as alternativas possíveis), ainda na infância, é mandado para morar no meio do mato com o avô. Fica três anos lá e, após o avô mandar ele ir pra beira de um rio falar sozinho, ele passa a falar normalmente. A partir de então, corre atrás do atraso nos estudos, consegue passar em uma espécie de supletivo da época, pede emprego para uma ricaça de Recife como jornalista e é contratado como mordomo. Destaca-se nos relatórios semanais pelo seu bom texto sobre as atividades domésticas da casa e é indicado para trabalhar como auxiliar de repórter em um jornal. Nesse período, apesar da alfabetização ter ocorrido depois dos 10 anos, já fala alemão e francês e lê fluentemente obras desses dois idiomas.
Buscando o sucesso no jornalismo, entra em polêmicas com autores consagrados, escrevendo textos venenosos e forma-se em Direito. Já tem certo reconhecimento quando entra em uma briga histórica em um concurso para professor de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Como namorava a filha do reitor e o seu concorrente é relativamente famoso, o concurso ganha atenção da imprensa no Brasil. Ele supera o rival, que acaba recorrendo do resultado, apoiado pelos alunos e outros figurões. Apesar de ainda ser um guri de aproximadamente 20 anos, o nosso personagem consegue audiência com o presidente da República na então capital federal, Rio de Janeiro, que lhe garante a posse. Após o sucesso do caso, é procurado por empresários para advogar e sequer chega assumir a vaga de professor universitário. Troca Recife pelo Rio para advogar para a mesma ricaça que, lá atrás, contratou-o como mordomo. Aos poucos, busca novamente a paixão pelo jornalismo. Trabalha nos maiores jornais do Rio, com destaque para o então grande Jornal do Brasil, e faz um puta trabalho de jornalista, principalmente como correspondente internacional, dando furos e mais furos em jornalistas brasileiros, americanos, alemães, etc. Consegue entrevistas, por exemplo, com alemães derrotados na primeira guerra que, até então, nunca tinham falado com a imprensa.
Usa o Direito para ganhar dinheiro e, depois de muita labuta, sem dinheiro, mas com muitos amigos importantes, compra um jornal, que se chama O Jornal. A partir daí o personagem jornalista passa a ser esmagado pelo empresário. Às vezes tem recaídas e trai seus amigos políticos em nome do furo jornalístico, mas, no geral, age pensando nas relações influentes e no dinheiro. Não mede palavras para usar o jornal para destruir a vida dos desafetos e, diversas vezes, consegue seu objetivo. Quando não consegue pelas palavras, apela para os capangas. Passa a ser admirado por alguns, odiado por outros, mas temido pela maioria. As mesmas pessoas que apóia, no outro dia, as critica e detona em palavras ofensivas. Quando precisa, inventa uma história para atingir a vítima e ela que se vire para se defender. Experimentaram esse veneno desde Luis Carlos Preste até Getúlio Vargas e Castelo Branco (quando o militar morre, ele promove uma puta festa para comemorar o fato). Ajudou Vargas a fazer a revolução de 1930, pegando em armas, mas logo em seguida se volta contra ele. A relação entre os dois é uma relação de amor e ódio. Quando é comunicado que Vargas se suicidou, diz friamente: “Vou ocupar a vaga dele na Academia Brasileira de Letras”. E realmente ocupa. Tem duas grandes paixões: os aviões (foi o primeiro civil brasileiro a andar de avião, como repórter) e a arte (foi o fundador do Museu de Artes de São Paulo). Entretanto, para comprar aviões e obras caríssimas “elegia” alguns milionários, definia o valor que cada um doaria, e 90% dos escolhidos arcavam com suas decisões. Quem não arcava era, automaticamente, eleito a próxima vítima de seu império da comunicação. Para ganhar a guarda da filha, apelou ao presidente da República (Getúlio Vargas) e simplesmente mudou a legislação do país, ganhando a causa.
Certa vez era para ter morrido. Voltava da Europa em um vôo com várias escalas, mas resolveu descer em Recife. Na seqüência, o avião explodiu. Quando todos achavam que tinha finalmente morrido, ele aparece, sorridente, feliz da vida. Outra vez, em um hotel em Londres, sentava-se para ler jornais comunistas para irritar os hospedes, que logo pediram aos donos do hotel para expulsar aquele baixinho que falava inglês com sotaque de nordestino. Fez um escândalo e chamou a atenção de um figurão da Primeira Guerra, que intercedeu, dizendo que se aquela figura pitoresca deixasse o hotel, ele também sairia. Acabaram todos ficando, e depois desse dia ele passou a fazer barulho ainda maior ao folhar as páginas dos jornais comunistas, irritando a todos.
Costumava dizer aos seus jornalistas que quem quisesse emitir opinião, que comprasse seu próprio jornal. Escreveu em toda a vida 11870 artigos. Foi tema de grandes reportagens em todos os grandes jornais do mundo, como o New York Times. Foi um mulherengo incorrigível, casando, tendo filhos, mulheres, amantes, ex-mulheres, casos, etc. Ainda jovem, conheceu a princesa Isabel, que lhe perguntava “como andam os meus negrinhos no Brasil?” e a rainha Elisabeth, que deixou de lado a frieza com que tratava os diplomatas para gargalhar com aquele baixinho que, só de birra, conseguiu ser embaixador do Brasil em Londres. Também foi senador e dono de estações de rádios, TV, jornais e revistas, além de outras empresas, como laboratórios. Quando ia viajar e não tinha dinheiro, passava na empresa mais próxima e levava todo o caixa. Certa vez, o contador, indignado com isso, disse para o patrão pelo menos assinar um documento quando fizesse isso, pois do jeito que estava não dava mais. No primeiro aperto passou no caixa da empresa, levou todo o dinheiro, e deixou um bilhete: “Fulano, levei tudo. Assinado: Assis Chateaubriand”. Ou, Chatô, o rei do Brasil.
Esse é o breve resumo, com alguns dos fatos que me vieram na cabeça após ler as 700 páginas do livro escrito por Fernando Morais. Um puta livro sobre um puta personagem. Para escrever essas linhas sequer peguei em mãos o livros, pois cada história narrada fica gravada na mente do leitor. E é uma atrás da outra e uma mais interessante que a outra. Mal dá tempo para respirar. O livro, aliás, é um resumo da vida de Chatô. O cara foi muito foda: uma espécie de capeta travestido de jornalista que depois se torna empresário e político. Sem brincadeiras, ele realmente mandava no Brasil, mudando leis, nomeando e derrubando ministros, perseguindo as desavenças, xingando, brigando e, principalmente, falando e escrevendo frases de efeito, tomadas de um humor negro e ironia.
Passou os oito últimos anos (dos 75 anos que viveu) tetraplégico. Nesse período, ao saber que um de seus funcionários mais antigos morrera, quando estava pronto para embarcar para mais uma viagem internacional, ouvindo argumentos para que desistisse da viagem para ir ao enterro do amigo, simplesmente retrucou:
- Se eu for não vou ressuscitar ele. Vamos embarcar.
Enfim, como sei que estou escrevendo para ninguém, pois o vagabundo leitor tem preguiça de ler textos grandes, vou parando por aqui. Caso alguma alma penada venceu a preguiça e leu tudo o que eu escrevi fica apenas uma ordem (afinal, tenho que encarnar algo do Chatô): leia o livro!
É muito bom. Para quem sabe o quanto eu leio, ouso dizer que, com certeza, é um dos cinco melhores que já li.
Hasta!

9 Comentários:

  • eu venci e li o texto, que assim como o livro deve ser (não li) eu gosto dos seus textos e da linguagem fácil que você escreve rsrs... E claro, falando de um paraibano tinha que ler, né?! queria ver sua visão sobre ele. E pelo que vi deve ser muito bom mesmo, pra estar no teu ranking dos 5 melhores! Uau! Beijo.

    Por Blogger Thâmara Roque, às 16 de janeiro de 2012 às 12:27  

  • porra alemao, um dia, quem sabe, talvez, eu leia

    Por Blogger Zaratustra, às 16 de janeiro de 2012 às 13:01  

  • Consegui! Plagiando o alemão Zaratustra, um dia talvez caia nas minhas mãos e eu leia.

    Por Blogger Marcos, às 16 de janeiro de 2012 às 13:06  

  • Bah... eu li todo o texto, mas é o tipo de personagem que não me dá essa emoção toda... afinal, ele fez lá o que muitos políticos fazem hoje e que a gente reclama muito inclusive...

    sei lah... esses personagens não são meus favoritos...

    mas o livro, apesar dos pesares, como obra de carácter histórico e cultural, parece ser realmente interessante.

    Pena que eu não tenho nem 10% da tua disposição para a leitura...

    no mais era isso, manolo!

    Abraço!

    Por Blogger Mr. Gomelli, às 16 de janeiro de 2012 às 14:42  

  • Assino embaixo. Foi um dos melhores livros que já li na vida e um dos poucos que sou egoísta e só empresto pra pessoas que sei que vão cuidar direitinho. A história do cara é f e a maneira como ele fez seu império tbm.
    Baita livro mesmo. Pena que o filme nunca ficou pronto.

    Por Blogger Dilea Pase, às 16 de janeiro de 2012 às 16:25  

  • porra, até q o pessoal leu..auhauaha. mr. gomelli, o foda não é só a história do cara, que vai além da filhadaputice de muitos donos (o cara no início da carreira da aula de jornalismo pra muito jornalista que não levanta a bunda da cadeira) e a linguagem do fernando de morais é 10.000 vezes mais foda que a minha. meu texto ficou uma merda comparado com o livro. vcês tem que ler o livro!!! é uma ordem que o chatô manda do inferno para todos!!!

    Por Blogger Eduardo, às 17 de janeiro de 2012 às 07:54  

  • Concordo c/o que o Mr. Gomelli disse...
    Uma pergunta: não foi ele que introduziu a TV no Brasil? Isso sim é importante, mas não tenho certeza q foi ele!!
    Li td o teu comentário desta vez, pq não me disponho a ler mais de 700 páginas... hehehehe

    Por Blogger Nara Miriam, às 18 de janeiro de 2012 às 03:37  

  • Este comentário foi removido pelo autor.

    Por Blogger Nara Miriam, às 18 de janeiro de 2012 às 03:37  

  • foi ele, mas daí, na época da ditadura, a globo passou a receber verbas estrangeiras e tal, se aliou com os militares, e quebrou os Associados, que aidna contam com alguns veículos, como o Correio Braziliense.

    Por Blogger Eduardo, às 20 de janeiro de 2012 às 17:23  

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