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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Melhor do que Joseph Climber

A trajetória de alguém que se aventura pelo meio acadêmico sem ter um padrinho forte é semelhante à de Joseph Climber, criado pelo grupo Os melhores do mundo. Quem não conhece, pode procurar no youtube. Assim como quando o pobre Joseph Climber pensa que nada mais pode piorar em sua vida, ou que sua existência na Terra está resolvida, tragédias e incertezas lhe cruzam o caminho. Olhando pela enésima vez o Joseph Climber me veio à mente a figura de um estudante brasileiro.
O brasileiro se fode desde que nasce. E se não vem de família rica será um Joseph Climber condenado à angústia e ao sofrimento. Irá penar para concluir o Ensino Fundamental e Ensino Médio. As cobranças começam na infância quando são obrigados a agüentar professores semi-analfabetos, mal-remunerados, mal-humorados e despreparados. Além disso, o estudante brasileiro está condenado a apanhar dos pais, caso não vá lá muito bem na escola. E, se ele não for bem na escola, além de apanhar, ainda pode ser forçado a trabalhar desde cedo para ser “alguém na vida”. Nesse caso, o ex-futuro estudante brasileiro já será eliminado na primeira fase. Os que sobrevivem e conseguem completar os estudos sem precisar trabalhar, depois de terem levado no rabo por bons anos, descobrem que estão mais ferrados do que antes. Precisam entrar em uma universidade. Poderia ser pública, mas a família do cara não tem grana para mandá-lo estudar em outra cidade, e os pais do cidadão dizem: “estuda aqui na universidade particular, pois a mensalidade podemos atrasar o pagamento, enquanto que o aluguel e a comida não”. E assim, o cara peleia para entrar numa universidade particular de sua cidade, onde pega o Financiamento Estudantil, que lhe foderá por mais alguns bons anos de sua vida. Na faculdade o cara vive sem grana, mas, pelo menos, faz as melhores festas da vida. Pega as minas dos outros cursos, toma os porres mais homéricos com destilados baratos (pois a ceva é muito cara), faz grandes amizades, encontra um estágio que lhe paga um salário mais baixo do que o bolsa-mendigo dos americanos, mas, enfim, como todos no seu curso estão fodidos e no mesmo barco, tudo é engraçado e tudo vale a pena quando a alma não é pequena, como diria o Pessoa.
Então, chegam os últimos semestres e o cara se vê atolado em trabalhos, monografia, projeto de conclusão e ainda tem a porra do estágio. O dinheiro não dá para nada e ele também não tem mais o tempo livre que tinha antes para fazer as mesmas festas e todo mundo na turma está na mesma. Então, sem pensar, ele se dedica em terminar logo o curso. Assim, o nosso quixotesco estudante brasileiro se dedica de corpo e alma à sua monografia e ao seu projeto e consegue fazer um belo trabalho, mas que, por melhor que venha a ser, nunca será publicado por nenhuma editora, pois ele não vende e o nosso estudante brasileiro é um João Ninguém que NINGUÉM conhece e nem quer conhecer. Então, ele faz a maior festa da sua vida na formatura, pega o canudo e, ainda de ressaca, descobre no outro dia que está desempregado.
A cabeça ainda dói quando a sua família e toda a sociedade começam a lhe cobrar um emprego. O nosso mais novo formado desempregado está mandando currículo e fazendo entrevistas faz meio ano, mas nada aparece. A partir daí há uma divisão: alguns mergulham no mercado de trabalho, outros desistem, viram funcionários públicos onde a seleção exige o Ensino Médio ou Ensino Fundamental, e, aqueles guerreiros que ainda querem estudar ainda mais passam para a próxima fase da triste sina do estudante brasileiro.
Alguns fazem a especialização, mas, quando terminam, descobrem que a especialização não vale lá grande coisa. Em um país onde o ensino é sucateado, muitas vezes ela parece mais com uma decoração para deixar o currículo mais bonito, inclusive, porque na maioria dos casos os próprios contratantes não idéia do que é uma especialização. Então, o nosso quixotesco estudante decide que quer fazer um mestrado, pois ele tem os estudos no DNA. Ele ama a ciência. E ele quer propagar a sua inspiração para as futuras gerações. E é aí que ele descobre que os quatro ou cinco anos de graduação e os dois de especialização não valem muita coisa, pois para entrar no mestrado ele disputa poucas vagas com dezenas de candidatos, igualmente qualificados e sedentos por estudo. Então, após umas três tentativas, ele finalmente entra no mestrado, onde não consegue uma bolsa, pois o seu curso tem só uma ou duas bolsas para cada 10 alunos. Dessa maneira, ele estende o seu sofrimento e estrangulamento financeiro por mais dois anos, período em que fica atolado nos livros, lendo tudo que vê pela frente com temas relacionados ao curso e à sua dissertação, enfim, ele se QUALIFICA o melhor possível. Nessa altura do campeonato o nosso herói brasileiro já está na casa dos 30 e ainda não chegou o SEU MOMENTO. Após muita labuta, ele consegue o seu diploma de mestre, ou ainda morando na casa dos pais, ou morando de favor com um amigo ou parente ou trabalhando horas para pagar um aluguel de um quarto em um bairro distante da universidade e do seu emprego. E, depois de concluir o mestrado, já com o título de mestre, ele ouve o Pedro Ernesto chamar o atacante do Grêmio de mestre por fazer um ou outro golinho. A diferença é que o estudante mestre não tem nada em seu nome e o Jonas ganha mais de milhão por ano. Sendo assim, ele chuta o balde no emprego (pois seu trabalho pode ser feito até por uma criança de 5 anos) e vira um mestre desempregado. Está no mesmo nível social, economicamente falando, do panfleteiro da Otávio Rocha do centro de Porto Alegre. Numa bela manhã de sol, ele abre a carteira e vê duas moedas de 5 centavos e algumas de dez, uma de 25 e duas de 50. Começa a contar e descobre que faltam 10 centavos para poder pegar um ônibus para participar de mais uma entrevista de emprego. Aliás, para cada concurso que resolve fazer, gasta pilhas de reais, que consegue emprestado com alguém, e a cada resultado negativo ele vai descobrindo que, para o governo, ele vale o mesmo que o cão sarnento que passa por ali abanando o rabo. Se esse estudante brasileiro ainda se aventurou a ter família, então, ele está mais ferrado ainda. Se tiver filho e se separar da mulher, o risco de ir para a cadeia por não pagar pensão é grande. Enfim, é um criminoso. Um mestre criminoso.
Mas, assim como para o Joseph Climber, para o nosso estudante a vida também é uma caixinha de surpresas. E eis que, numa ótima manhã de sol, ele decide que fará o doutorado. Enfim, será um doutor! Um doutor desempregado, mas um doutor! Quando os caras da Justiça forem lhe prender por não pagar a pensão do cabeçudinho, ele exigirá que os guardas lhe chamem de doutor. Se forem lhe chamar, durante o julgamento, de meliante, exigirá que o chamem de Dr. Meliante. E depois, lá pelos 55 anos, quando ele tiver sido preso e solto várias vezes, e tiver pego uns bicos como professor horista em algumas universidades ou centros de ensino, ele finalmente escreverá um livro de memórias, que será publicado três anos depois, em função da demora da editora, e ficará semi-famoso. E então, aos 60 anos, ele passará em um concurso público e, finalmente, terá sua vida financeira semi-resolvida. Entretanto, no seu aniversário de 62 anos, ele terá um ataque cardíaco e cairá duro em cima do bolo para espanto de todos os convidados. E se ele for alérgico a ovo estará mais fodido ainda.
E assim termina a história do nosso herói chamado estudante brasileiro. Após morrer, ele terá uma áspera discussão com o cara que distribui as almas no mundo e reivindicará o seu próximo nascimento em um país desenvolvido da Europa, onde ele viverá melhor como mendigo do que como estudante/pesquisador no Brasil.
É isso! Hasta!

4 Comentários:

  • Bah... Joseph Climber é clássico... "nem tudo são flores na vida de Joseph Climber..." hahahaha

    Cara... esse é o Brasil... o país da "malandragem", do "Jeitinho"... e assim vamos vivendo...

    quem tenta fazer algo relevante ou se dedicar aos estudos, ainda leva o rótulo de vagabundo e vira alvo de deboche...

    Aí elegem um semi-analfabeto pra ganhar 26mil por mês mais os VÁRIOS complementos, enquanto os professores recebem menos que um salário mínimo...

    esse é o nosso querido Brasil...

    Sei lá se as coisas são tão melhores assim fora daqui, nos ditos países desenvolvidos, mas que isso aqui é uma zona, isso é. Não dá pra negar.

    Abraço ae manolo!

    Por Blogger Mr. Gomelli, às 20 de outubro de 2011 às 10:55  

  • Porra alemao, vi um mendigo uma vez na italia com um puta dum celular moderno na mao, enquanto o meu era monocromatico ainda...

    Por Blogger Zaratustra, às 20 de outubro de 2011 às 13:21  

  • auhauhauhuaa. porra alemão. a resposta do segundo alemão responde a pergunta do primeiro. abraço alemoada!

    Por Blogger Eduardo, às 20 de outubro de 2011 às 18:08  

  • Porra alemão, eu fiquei no bacharelado e no dia seguinte à formatura era um bacharel desempregado! Hehehehehe. Resultado: fiquei no meu empreguinho de professor e vou me aposentar assim, então meu curso técnico é de mais valia que o curso superior. A única coisa que meu bacharelado me legou foi um processo por não pagar a anualidade do CRA, estou sendo executado e condenado a pagar correção, multa, juros, custas e o que mais se inventar por dois anos em que fiquei inscrito no conselho, antes de acordar e cancelar a inscrição. Então esse Joseph Climber aqui sabe bem direitinho como é que é...
    Mas não desista, faça doutorado e vire conferencista, cobrando bem caro!
    Hasta!

    Por Blogger Marcos, às 21 de outubro de 2011 às 03:12  

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