Após o jornalismo impresso ganhar os seus irmãos rádio e TV, ganhou importância a questão da luta contra o tempo, da tentativa de se dar o “furo” no concorrente. Com a internet, então, nem se fala. As notícias são postadas praticamente instantaneamente, e é permitido que se fique cobrindo em um portal 24 horas o mesmo assunto (coisa impossível em emissoras de rádio e TV abertas). Tudo isso é lugar-comum, entretanto, essa corrida contra o tempo é muitas vezes usada como desculpa para a preguiça.
Um exemplo disso ocorreu no final de outubro, quando foi publicada no site do UOL a seguinte notícia: “Currículo gigante atrai a atenção em Campinas - Trata-se do perfil do administrador de empresas Raphael Oliveira Misui, do Rio, que busca emprego em Campinas”, com a seguinte foto de Carlos Sousa Ramos/AAN:

A matéria completa está disponível no
portal. Entretanto, lendo o pequeno texto da matéria, podemos deduzir que: 1°) o jornalista escreveu o texto com base apenas nas informações do currículo gigante e/ou 2°) ele usou as informações do currículo gigante e entrevistou a moradora que deixou ele tirar a foto da janela de seu apartamento (que aparece em outra foto, não postada aqui). O fato é que, para desvendar o mistério, bastava o jornalista ligar para o número informado no currículo ou, ainda, buscar alguma informação no prédio em que o currículo estava pintado. No entanto, contaminado pelo jornalismo preguiçoso, ele foi pelo caminho mais fácil e que dava menos trabalho. O resultado foi a “barrigada” do jornalista (para os não-jornalistas, barriga é uma gíria da profissão, que quer dizer algo como “furada”, “bola fora”, etc) que teve que corrigir a informação no início de novembro: “Currículo gigante é peça publicitária de faculdade - O currículo gigante instalado na fachada do Edifício Dona Othilia, em Campinas, era mesmo ação publicitária”. O texto completo também está no
portal.
Para ser contratado por um grande portal, como UOL, Terra, MSN, entre outros, os jornalistas passam por rigorosas seleções, do mesmo modelo da feita pelo Grupo RBS, já mencionada em outro post, com a realização de várias etapas de provas, entrevistas, etc. Confesso que nunca fiz uma seleção para portal, mas já ouvi relatos, e, como sempre, a glorificação da prática, não só prevalece, mas anula a questão da teoria. Querem alguém que saiba tudo na PRÁTICA e NADA na teoria. Ou seja, não caem questões sobre teoria do jornalismo, práticas jornalísticas, jornalismo online, etc. O resultado é isso: jornalistas que não sabem praticamente nada sobre técnicas de jornalismo e produção jornalística. Entretanto, em uma opinião nada científica, acredito que existem falhas em vários campos: na seleção elaborada pelas empresas e também nas universidades, que formam jornalistas inaptos para exercer suas funções como deveriam. Só não posso afirmar que isso acontece na maioria ou na minoria dos casos, porque não disponho de dados científicos desse assunto, porém, que eles acontecem, ah, acontecem.
E o reflexo disso já foi apontado por muitos, entre eles, o Caco Barcellos, que em seu livro Rota 66, constatava já na década de 1970 que havia muitas coisas por trás do jornalismo superficial e preguiçoso: “Confundir os papéis da imprensa e do poder não é exclusividade dos parentes das vítimas da PM. Essa confusão também é incorporada pelos policiais, habituados a lidar com jornalistas que limitam seu trabalho a reproduzir a versão oficial como verdade absoluta. Constatei essa realidade já nas primeiras vezes em que saí às ruas de Porto Alegre a apurar histórias de violência policial para o jornal Folha da Manhã. Por cincidência, era um caso que envolvia policiais militares” (p.38-39). A vontade que tenho é de citar aqui o livro inteiro do Caco, que é uma aula prática, com reflexões teóricas, de sociologia e jornalismo. Mas, como isso não é possível, fica a dica desse excelente livro, que combate, não só a polícia corrupta e assassina, mas também o jornalismo preguiçoso.