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domingo, 14 de novembro de 2010

Jornalismo preguiçoso

Após o jornalismo impresso ganhar os seus irmãos rádio e TV, ganhou importância a questão da luta contra o tempo, da tentativa de se dar o “furo” no concorrente. Com a internet, então, nem se fala. As notícias são postadas praticamente instantaneamente, e é permitido que se fique cobrindo em um portal 24 horas o mesmo assunto (coisa impossível em emissoras de rádio e TV abertas). Tudo isso é lugar-comum, entretanto, essa corrida contra o tempo é muitas vezes usada como desculpa para a preguiça.
Um exemplo disso ocorreu no final de outubro, quando foi publicada no site do UOL a seguinte notícia: “Currículo gigante atrai a atenção em Campinas - Trata-se do perfil do administrador de empresas Raphael Oliveira Misui, do Rio, que busca emprego em Campinas”, com a seguinte foto de Carlos Sousa Ramos/AAN:

A matéria completa está disponível no portal. Entretanto, lendo o pequeno texto da matéria, podemos deduzir que: 1°) o jornalista escreveu o texto com base apenas nas informações do currículo gigante e/ou 2°) ele usou as informações do currículo gigante e entrevistou a moradora que deixou ele tirar a foto da janela de seu apartamento (que aparece em outra foto, não postada aqui). O fato é que, para desvendar o mistério, bastava o jornalista ligar para o número informado no currículo ou, ainda, buscar alguma informação no prédio em que o currículo estava pintado. No entanto, contaminado pelo jornalismo preguiçoso, ele foi pelo caminho mais fácil e que dava menos trabalho. O resultado foi a “barrigada” do jornalista (para os não-jornalistas, barriga é uma gíria da profissão, que quer dizer algo como “furada”, “bola fora”, etc) que teve que corrigir a informação no início de novembro: “Currículo gigante é peça publicitária de faculdade - O currículo gigante instalado na fachada do Edifício Dona Othilia, em Campinas, era mesmo ação publicitária”. O texto completo também está no portal.
Para ser contratado por um grande portal, como UOL, Terra, MSN, entre outros, os jornalistas passam por rigorosas seleções, do mesmo modelo da feita pelo Grupo RBS, já mencionada em outro post, com a realização de várias etapas de provas, entrevistas, etc. Confesso que nunca fiz uma seleção para portal, mas já ouvi relatos, e, como sempre, a glorificação da prática, não só prevalece, mas anula a questão da teoria. Querem alguém que saiba tudo na PRÁTICA e NADA na teoria. Ou seja, não caem questões sobre teoria do jornalismo, práticas jornalísticas, jornalismo online, etc. O resultado é isso: jornalistas que não sabem praticamente nada sobre técnicas de jornalismo e produção jornalística. Entretanto, em uma opinião nada científica, acredito que existem falhas em vários campos: na seleção elaborada pelas empresas e também nas universidades, que formam jornalistas inaptos para exercer suas funções como deveriam. Só não posso afirmar que isso acontece na maioria ou na minoria dos casos, porque não disponho de dados científicos desse assunto, porém, que eles acontecem, ah, acontecem.
E o reflexo disso já foi apontado por muitos, entre eles, o Caco Barcellos, que em seu livro Rota 66, constatava já na década de 1970 que havia muitas coisas por trás do jornalismo superficial e preguiçoso: “Confundir os papéis da imprensa e do poder não é exclusividade dos parentes das vítimas da PM. Essa confusão também é incorporada pelos policiais, habituados a lidar com jornalistas que limitam seu trabalho a reproduzir a versão oficial como verdade absoluta. Constatei essa realidade já nas primeiras vezes em que saí às ruas de Porto Alegre a apurar histórias de violência policial para o jornal Folha da Manhã. Por cincidência, era um caso que envolvia policiais militares” (p.38-39). A vontade que tenho é de citar aqui o livro inteiro do Caco, que é uma aula prática, com reflexões teóricas, de sociologia e jornalismo. Mas, como isso não é possível, fica a dica desse excelente livro, que combate, não só a polícia corrupta e assassina, mas também o jornalismo preguiçoso.

5 Comentários:

  • Porra alemao, que preguiça de comentar...

    Por Blogger Zaratustra, às 15 de novembro de 2010 às 09:41  

  • bah... que barrigada mesmo... aushausha...

    mas isso acontece mesmo nessa busca pela "1ª mão"... hehe

    cara, vou procurar esse livro pra ler... se tu tiver, me empresta ele...

    valeu manolo! Abraço!

    Por Blogger Mr. Gomelli, às 15 de novembro de 2010 às 20:38  

  • Isso aí nem tem a ver com a "teoria do furo", não. É mais simples que isso. É um misto de incompetência e incapacidade de lidar com o ritmo frenético das comunicações online num ambiente que, supostamente, deveria viver da credibilidade que é capaz de conquistar. Os grandes portais sobretudo - mas os jornalões também - querem surfar nessa onde das redes sociais, querem poder "conversar" no mesmo ritmo que a web fala, mas não entenderam ainda que o papel deles é outro. O sucesso de um veículo jornalístico não pode mais ser medido pelos "furos" que ele é capaz de dar, mas pelas "conexões" que ele consegue estabelecer entre informações, pela "ponte" que ele pode estabelecer entre os dircursos, pelas "mediações" que ele consegue fazer entre pessoas e grupos. Chamar o que se tem feito hoje em dia nos principais veículos de informação do país de jornalismo me parece cada vez mais temeroso. O que se faz é a papagaiada do "Fulano disse", "Sicrano afirmou", "Beltrano garantiu". Com medo de perder espaço, a imprensa se apequenou e acabou perdendo poder. Está afundando. Talvez o jornalismo de verdade esteja se refugiando em outros lugares. Quando tiver tempo, leia esta matéria aqui, acho que ela aponta alguns caminhos: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao_49/artigo_1430/Caro_trabalhoso_chato.aspx. A Piauí, aliás, é uma das poucas revistas brasileiras onde o jornalismo ainda é encarado com um mínimo de seriedade. É uma das poucas coisas que leio sem ficar extremamente irritado. E já te disse: esquece essa vida de jornalismo. Foi-se o tempo em que Hunters Thompsons da vida ainda pisavam a face da terra. Os tubarões venceram. Vai se professor que tu ganha mais. Abraços pra você, cara. E boa sorte com essa história de ser pai aí. Tenho um medo danado disso, mas quem tá nessa costuma curtir, portanto... felicidades! Inté.

    Por Blogger ababeladomundo, às 16 de novembro de 2010 às 10:03  

  • Olá! Estou de volta ao rebate, e acredito que vai gostar da nova matéria que eu coloquei eu espero que sim...
    rsrs...
    bom a sua como sempre me surpriendendo!
    Gostei muito da matéria viu!
    Bah ! Guri! rsrs
    Miss you!

    Por Blogger Milena Lischt, às 17 de novembro de 2010 às 04:51  

  • isso é resultado de mais lucro por menor esforço... notícias que vendem precisam ser publicadas o máximo possível em um curto prazo de tempo... capitalismo selvagem da tua direita... e que nos trazem um lixo como esse: http://cloacanews.blogspot.com/2010/11/rbs-malditos-miseraveis-que-agora.html
    viva la revolucion!

    Por Blogger Carolina, às 18 de novembro de 2010 às 05:49  

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