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terça-feira, 26 de outubro de 2010

A beleza da madrugada

Gosto demais da madrugada. Aliás, é com estranho prazer que já andei durante a madrugada, sozinho, por lugares que muitos têm medo de andar. Você caminha por ruas desertas, cruza com um ou outro perdido da madrugada, passa por esquinas vazias e, ao mesmo tempo em que está atento a tudo que acontece ao seu redor (pois não dará a chance de alguém te pegar desprevenido) você reflete profundamente sobre a vida. Você fica olhando aquelas ruas e avenidas completamente vazias e as compara com a loucura que é durante o dia. Já fiz isso (de caminhar pela madrugada) pelas ruas de vários cidades, como Santo Ângelo e Ijuí (cidades em que nasci e cresci), Porto Alegre, Bento Gonçalves, Curitiba, Rio de Janeiro, etc.
Em Porto Alegre, nesse ano mesmo, após me despedir do povo que estava indo embora do Intercom de Caxias do Sul, caminhei do centro até o bairro Santo Antônio por volta das três da madrugada. Enquanto caminhava, o ar que batia em meu rosto tinha um gosto especial: era uma mistura de saudades antecipada, aperto no peito, com certo prazer de liberdade, de vontade de gritar aos quatro ventos qualquer palavra relacionada com amor e fé, enfim, era uma reflexão que misturava nostalgia com esperança. Enquanto saía da Lima e Silva, entrava na Venâncio e seguia meu rumo pela João Pessoa, cruzava com um ou outro remanescente da madrugada. Às vezes avistava um vulto vindo longe, mas quando o via se aproximar enxergava em seus olhos um ar de pavor, provavelmente tendo a mesma desconfiança que qualquer pessoa que anda as três da madrugada pelas ruas de Porto Alegre tem. Outras vezes eram maloqueiros, moradores de rua, que baixavam os olhos ao passar por mim, talvez desconfiando que eu fosse algum policial ou algo do gênero. Vá saber...

Entretanto, a caminhada pela madrugada mais inesquecível que fiz foi a do Rio de Janeiro, durante o Intercom 2005. A desse ano envolveu mais sentimentos, mais inspirações, algo espiritualmente mais profundo, mas a do Rio foi mais, digamos, inacreditável. Estava hospedado na casa de um amigo meu no bairro Bonsucesso, Zona Norte, mas, na volta de uma das festas que rolou, fiquei com o pessoal que estava hospedado num hotel. Acabei colocando uma coberta no chão, no quarto em que estava um povo da minha faculdade, mas, sem conseguir dormir, acabei saindo para a rua lá por três e meia da manhã. Como já fazia alguns dias que circulava por aquela região (Avenida Rio Branco) acabei não me preocupando com a possibilidade de me perder. E assim, passei a andar pelas ruas do Rio em uma madrugada de setembro de 2005, erguendo as pernas para não pisar na pilha de moradores de rua que dormiam tranquilamente pelas calçadas cariocas. Durante minha caminhada, perguntei para garis onde poderia encontrar um bar aberto àquela hora, e cheguei a ouvir a resposta “ih, mermão, eu se fosse você ia para casa dormir antes que seja assaltado”. Nem dei bola e segui procurando um bar. Não encontrei nada e segui andando, um tanto indignado pelo fato de não ter UM boteco aberto às quase quatro da madrugada no centro do Rio. “Cadê a capital nacional da Boemia?”, murmurava, enquanto alguns perdidos da noite cruzavam por mim. Entretanto, esses andarilhos viam em meu rosto a figura de um ser igual a eles: bêbado, perdido, sem rumo, curtindo o vento da madrugada, olhando as ruas desertas e pensado que aquela tranqüilidade seria quebrada assim que o dia amanhecesse. Quando você vê as ruas centrais do Rio semi-desertas na madrugada, não imagina que uma bagunça enlouquecedora toma conta daquele espaço durante o dia. Vez ou outra eu cruzava com um casal brigando, um grupo de amigos voltando de alguma boate, uma prostituta parada no ponto de ônibus, olhando para todos os lados, desconfiada, um travesti correndo atrás de um cliente que tentou lhe passar a perna, e por aí vai. Também vi sujeitos suspeitos andando apressadamente, como se fugissem de alguém. Mas ninguém me olhava nos olhos. Todos tinham medo. Todos achavam que eu poderia ser o perigo que todos previnem: “cuidado”.

Após muito caminhar sem rumo, cheguei até as proximidades da Candelária. Parei e fiquei observando as demarcações dos corpos dos garotos que foram mortos durante uma chacina feita por policiais em 1993. Olhei no relógio, já passava das quatro. Fiquei pensando, olhando o desenho dos oito corpos no chão: “Nossa, possivelmente a essa hora, nesse mesmo lugar, os policiais estavam atirando nos garotos naquela madrugada...”. Suspirei, desejei que todos estivessem bem, onde quer que estejam, virei as costas e fui embora, ainda um tanto entorpecido pela loucura de pensamentos e a sobra do álcool que havia bebido horas atrás. Derrotado pelos donos de bares que fecham seus estabelecimentos na madrugada e pelo medo de todo mundo, acabei voltando para o hotel. Antes de dormi, ainda suspirei “essa foi uma boa madrugada”. Uma madrugada inesquecível.

6 Comentários:

  • Vc um policial?? dificil...e eh triste neh..nao ter bar aberto de madrugada..ooh vida dificil..mas ali pelo centro eh horrivel! cm tu teve coragem de perambular ali, maluko?!rs.bjuu

    Por Blogger Unknown, às 27 de outubro de 2010 às 09:05  

  • tens mais sorte do q juizo!!!

    Por Blogger Carolina, às 27 de outubro de 2010 às 10:03  

  • Tender is the night!

    Por Blogger Zaratustra, às 27 de outubro de 2010 às 10:25  

  • Convivi muitos anos com a noite portoalegrense, a casa do estudante que eu morava ficava ensanduichada entre dois puteiros. Vi de tudo, até involuntariamente participei de alguns eventos, sem me envolver, é claro. O que é certo: a madrugada tem uma magia que envolve o sujeito!
    Se cedemos a essa magia viramos noctívagos irrecuperáveis!

    Por Blogger Marcos, às 28 de outubro de 2010 às 04:53  

  • Porra, maluco, ninguém mora no centro do Rio não. Se você quisesse bar aberto tinha que ter ido pra Lapa, ora... é logo ali ao lado.

    Também curto isso de andar de madrugada pelas ruas. É uma sensação estranha mesmo. Já fiz muito isso em Vitória, quando ia pra lá nos finais de semana. Fiz em Salvador uma vez, durante um Intercom. E fiz em Nova York e Santiago também - meus dois passeios solitários pela madrugada em terras estrangeiras. Entendo perfeitamente o que você quer dizer.Foda o texto.

    Por Blogger ababeladomundo, às 28 de outubro de 2010 às 11:17  

  • hahaha... concordo com o comentário da Carolina... tu tem mais sorte que juizo rapaiz... tu é doido é? uahsuahsuhas

    outra coisa... tu que pensou que eles pensaram que tu poderia ser um policial... te acharam mesmo com cara de marginal... isso sim... aushaushuahsa

    zuera manolo...

    caminhar na madruga é muito legal mesmo... eu fazia isso na adolescência, com a turma do colégio... passava as madrugadas falando bobagem e caminhando pela pacata Rosário do Sul... ô tempo bom, que não volta mais... aushauhsuahs

    enfim... abraço ae manolo!

    Por Blogger Mr. Gomelli, às 31 de outubro de 2010 às 20:19  

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