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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

On The Road São Bernardo - O Hotel misterioso


Como havia contado no post “é só trazer o note”, o hotel em que fiquei em São Bernardo do Campo era meio estranho. Mas toda essa estranheza era justificável, como vocês verão a seguir.
Peguei meu ônibus na rodoviária de Santo Ângelo na terça-feira de meio-dia (sem o note...) e após 20 horas de viagem cheguei na rodoviária de São Paulo às 8h, como havia referido no post anterior. Chegando lá, ouvi alguém no ônibus falando que iria para São Bernardo, e eu me aproximei do tal senhor, como aqueles cachorros de rua se aproximam de alguém que está com um sanduíche, de mansinho, e quando confirmei que o cara ia mesmo para lá, tratei de me informar com ele:
- Você vai para São Bernardo?
- Vou sim.
- Bah, eu também preciso ir lá, só não sei como faço.
- Como sabe que vou para São Bernardo?
- Ah, eu ouvi vocês conversando ali e resolvi perguntar.
- E você fica, assim, ouvindo a conversa dos outros?
- Sim.
- Você é gaúcho?
- Sim.
- E pra onde você vai em São Bernardo.
- Na tal de Avenida Salvador Sergueiro.
- É Senador Vergueiro.
- É, isso mesmo. No tal de hotel Rudge Ramos.
- Nunca ouvi falar. Mas sei um ônibus que passa na Vergueiro.
- Vambora.
- Vamô. Toma uma antes?
- Não, não. Mas pode tomar, eu espero.
E entramos no primeiro boteco que apareceu, e ele e um outro cara que o acompanhava tomaram uma dosesesinha de cachaça. “É pra animar”, me disseram. Deixei que se animassem. Eles me indicaram o ônibus certo, e lá me fui, rumo ao hotel. Cheguei no tal Rudge Ramos (que é também o nome do bairro), estranhei que não havia entrada direto da rua (tinha que entrar pelo estacionamento) e subi uma escadaria até chegar na recepção, que também não era nada convencional.
A recepcionista estava escondida atrás de um vidro, com uma fachada preta para que eu não a visse. Eu me abaixei para enxergá-la, e informei que eu era um dos que haviam ligado para fazer a reserva para o congresso da Metodista.
- Mas já? – ela perguntou – esperava para mais tarde – isso era umas 9h.
- Pois é, acabei chegando mais cedo... então, como funcionam as diárias? Eu terei que sair no sábado às 9h?
- Então (paulista sempre tem a mania de falar “então”), se você ficar até sábado, às 9h, são três diárias. Mas depois você pode pegar por hora. Tipo, 2 horas é 25 reais e 6 horas é 32 reais. Aí você pode ficar até às 15h.
Olhei para o lado e tinha uma tabela na parede com o preço por hora. Que coisa, não? Essa é a diversidade cultural desse país enorme! “Ela deve estar escondida atrás desse vidro devido a violência de São Paulo, naturalmente”, calculei. Peguei a minha chave, apartamento número 53, e fui reto para o meu recinto. Lembrei de uma vez que entrevistei um expert em hotelaria que me disse “os hotéis são iguais em todos os lugares do mundo”. Arrá! Ele estava enganado! Esse hotel é realmente diferente!
Chegando no apartamento, tudo muito ajeitado. O estranho era que só tinha quarto com cama de casal ou com duas camas de solteiro, mas o só com cama de casal era mais barato. E lá estava ela, a cama de casal, gigante, em frente a um enorme espelho, e acima dela tinha um quadro com uma mulher nua pintada, meio de lado, mostrando parte da bunda e os seios. Tu vês. Esses paulistas têm cada uma!
Na frente da cama, havia uma mesinha com dois banquinhos. Larguei minhas coisas em cima dela, tomei um banho, puxei a coberta (estava frio pacas nessa semana em São Paulo) e dormi até o meio-dia. Quando levantei, peguei minha carteira e fui almoçar. Informei-me na recepção sobre restaurantes, onde ficava e Metodista e tudo mais, e saí rumo a galeteria de um japonês, que você falava para a mulher dele “uma coca 600” e ela berrava pausadamente: “u-ma coooo-caaaaa seis-ceeeen-oooooooooos!” e depois dava um sorrisinho típico de japonês, e dizia: “já te levam na mesa”. E eu, meio sem jeito, murmurava um “ok” quase inaudível.
Almocei, passei no banco, andei pela Senador Vergueiro, passei por um campinho futebol de uma escolinha do São Caetano onde um monte de cria vestida de azul corria atrás da bola, vi onde era a Metodista, e voltei. Nada para fazer no hotel, então fui para uma lan e fiquei por lá uma hora, conversando com a Cris e tal e coisa, dizendo que o hotel era meio estranho, mas até que era bonzinho.
Voltei para o hotel já eram cinco horas, e o evento iniciava às 18h. O meu estômago fez “brought” e corri para a privada. Quando fui me limpar, acabou o papel, como diria aquela canção natalina. “Putz frau, não acredito”, pensei. Liguei para a recepção e resmunguei:
- Dá para trazer um papel higiênico no 53?
- Como?
“Como assim, como? Essa mulher é surda?”, pensei.
- DÁ PARA TRAZER UM PA-PEL HIGIÊ-NI-CO NO APARTAMENTO NÚ-ME-RO CINQÜEN-TA E TRÊS???”
- Sim, já levamos.
Dali a pouco tocou uma campainha. Fui abrir, uma espécie de camareira estava saindo. Ela me viu e apontou para uma portinha e disse: “eu coloquei ali”. Eu entrei de volta para o apartamento, e vi que tinha uma caixinha engraçada. Abri a porta, e ali estava o papel higiênico. “Como são discretos esses paulistas”, deduzi.
Depois de terminar as minhas necessidades, tomei banho, me arrumei, e quando ia saindo, tinham duas gurias na recepção chorando de dar risada. A recepcionista me apontou: “esse também veio para o Congresso”. Então elas se apresentaram, disseram que eram mestrandas da UFRGS, mas não paravam de rir. Não entendi o motivo de tanta graça, mas enfim, me despedi com um “nos vemos lá na Metodista” e me fui avenida afora. Chegando na universidade, me deram todas as informações erradas possíveis, fui parar no prédio da Publicidade, onde o carinha ligou para o Departamento de Jornalismo e, vejam vocês, ninguém lá sabia informar onde estava acontecendo o Encontro Nacional dos Pesquisadores em JORNALISMO! Fiquei com aquela cara de “que coisa, não?”. E por fim, o cara me informou que o evento tinha acontecido de dia. “Mas como de dia??!! Eu vim do Rio Grande do Sul até aqui para mudarem o horário sem avisar!!!!”. Mas não adiantou, o cara insistia que o evento tinha sido aberto de dia. Nisso chegou o Diego, um maluco que faz mestrado na USP e que tinham recebido as mesmas informações erradas. Não nos conformamos e vasculhamos o prédio, onde a melhor informação que obtivemos foi:
- De tarde tinha um pessoal ali no auditório.
- É? Mas não sabe o que estava rolando?
- Sei sim. Um cara falava e, quando terminava, os outros batiam palma.
Uma informação e tanto. Não lembro agora como, mas surgiu uma alma iluminada que indicou um outro prédio onde talvez estivesse rolando o encontro, e fomos até lá, e realmente era onde de as coisas estavam acontecendo. Bem, não vou comentar palestra nesse espaço, só me limitarei a comentar que foram todas muito produtivas e interessantes, em especial as falas do Juremir e do José Marques de Mello, que comentou como surgiu o curso de comunicação da USP: “O reitor da época estava numa festa e a filha dele comentou que queria estudar jornalismo, e não havia cursos de jornalismo, então ele resolveu fundar uma faculdade que ensinasse jornalismo na USP. Depois apareceu uma outra amiga (ou prima?) dele, que gostava de artes, e fundaram o curso de artes, e assim surgiu a Escola de Comunicação e Artes (a famosa ECA) da USP”.
Bom, mas nem tudo é brincadeira, e eis que estava eu, sentado em uma das poltronas do auditório do prédio Dogma, ou Dagma, ou Sgima, ou Lama, ou qualquer uma dessas coisas, pois bem, estava lá eu, com a mão no queixo, com ar pensativo, quando surge a Ângela, minha ex-chefe e ex-professora da graduação, que foi quem me indicou o hotel:
- Dudu!!! Me desculpa! Eu não sabia que aquilo era um puteiro!
- Puteiro? Como ãnsim?
- Tu não viu???? Aquilo é um hotel-motel!!
Aí está! Agora eu entendia porque havia a tabela por hora na recepção, porque a entrada era pelo estacionamento, porque havia um espelho gigante no quarto, porque só havia camas de casal, porque não faziam reservas pelo telefone, porque a recepcionista disse que durante a semana era tranqüilo, mas que no final de semana era movimentado, e, principalmente, entendi o motivo de terem colocado o papel higiênico naquela caixinha estranha! Vejam vocês.
- Me desculpa. Se a Cris brigar contigo, diz pra ela me ligar, que eu explico. Sério mesmo – repetia a Ângela.
Eu não lembro o que eu falei na hora, mas devo ter resmungado algo como um profundo “tu vês”. Depois, na confraternização da abertura a gente ia dizendo “por isso que tem a tabela....”, “por isso que tem o espelho...” e quem estava no hotel (aproximadamente uns dez) dava risada, e quem não estava dava mais risada ainda. Mas o pior era quando você ia dizendo para algum professor-doutor: “bem, a gente está num hotel meio esquisito, e tal” e o cara te interrompia e exclamava “ah, são vocês que estão no motel!”. E para piorar minha situação, só havia salgadinho com ovo na dita confraternização, mas isso já dá uma outra crônica. O fato é que voltamos todos juntos para o hotel lá por 22h30, porque no outro dia teriam mais palestras....

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Votei! - ok, o título não é criativo, mas vambora assim mesmo

Vejam vocês. No último post houveram cinco comentários! Quase um recorde. E isso sem que eu pedisse para comentarem! Uma façanha! Depois de tal demonstração de prestígio para com esse jornalista, que nesse espaço não tem muita preocupação em fazer Jornalismo com “J” maiúsculo (nem minúsculo), senti-me na obrigação de dar alguma explicação a essa quase uma dezena de leitores (tem outros três que sei que leram a última coluna, mas não comentaram, os ingratos. Vou suspender o pagamento deles amanhã). Pois é, já faz mais de uma semana desde o último post, e vou adiar o texto em que contarei como foi a viagem para São Paulo.
Iria fazer isso hoje, mas não estou me sentindo em condições físicas e psicológicas para tal tarefa. É que aconteceram diversas coisas que não quero deixar de fora, e no estado em que me encontro, se arriscar escrever, certamente uma delas acabará ficando de lado. Portanto, a princípio, se tudo der certo, pretendo escrever essa história no sábado de tarde ou no domingo de noite.
O meu cansaço se dá por motivos óbvios, e aproveito para resumir o roteiro que fiz na última semana. Saí de Santo Ângelo com destino a São Paulo na terça de meio-dia. Cheguei na capital paulista às 8h e às 9h já estava no hotel em São Bernardo do Campo. Depois do evento, voltei no sábado às 19h e cheguei em Santo Ângelo no domingo, às 13h30 (tudo de busão, é lógico). Domingão, hora do descanso, certo? Naim, naim, já diriam os meus professores alemães de Panambi. Tinha prova de História da Comunicação e Novos Paradigmas Teóricos na terça-feira! E na viagem eu só li Mario Prata e a Folha que havia comprado em uma das paradas da volta. Pois bem. Apesar da prova, também não sou de ferro, e chegando em solo gaúcho é óbvio que não esqueci da namorada, e deu até para tomar um sorvetinho no centro no final da tarde (ou seria início da noite?). Mó chiqueza. Aí no domingo de noite comecei a estudar, na segunda-feira trabalhei o dia todo, saí do jornal às 19h, e antes de pegar o ônibus às 23h dividi o meu tempo entre a namorada e a prova. No ônibus sim, pude me dedicar exclusivamente à prova. Cheguei em Porto Alegre às 5h15 da madruga, ainda esperei o Campus-Ipiranga que passa na frente da rodoviária às 6h, cheguei na minha hospedeira (que é nada mais nada menos do que a minha irmã) às 7h, dormi mal e porcamente até o meio-dia, tomei banho, almocei e fui fazer a prova. Escrevi à mão das 14h15 às 16h30 ininterruptamente, uma façanha. Deram três folhas grandes, frente e verso. Bastante trabalho para o meu professor, que vai ter que tentar decodificar a minha letra. Ou simplesmente lascar um ZERO com uma observação: “letra ilegível”. Depois, fui para a casa da minha irmã, passei no mercado fazer o que nós, gaúchos, chamamos de “rancho”, jantamos, proseamos até às 21h45, quando fui pegar o ônibus para a rodoviária. Chegando lá, peguei o busão de volta para Santo Ângelo às 23h, e cheguei aqui às 5h15 da madruga, mas dessa vez peguei um táxi. Acordei às 9h, porque tinha que trabalhar toda a quarta-feira, como de fato trabalhei, e saí do jornal de novo lá por 19h, e hoje de manhã também tive que trabalhar de manhã e de tarde, e saí do jornal às 17h30 e fui direto para a Escola Concórdia ministrar a oficina de comunicação, e no meio disso tudo ainda escrevi a coluna de esporte para o jornal de Cândido Godói (ao meio-dia) e agora, cá estou eu, às 22h30, escrevendo para vassuncês nesse nobre espaço, e nesse momento aparece no meu monitor que eu recebi uma nova mensagem de Notícias Sônico (!!??). Certamente apagarei sem ler, já que não quero nenhuma notícia de nenhum Sônico. Bem, para quem não estava muito inspirado, acho que basta por hoje. Provavelmente eu divida a história da viagem a São Bernardo em mais de um capítulo, a exemplo do que fiz naquela da viagem ao Rio em 2005, para o texto não ficar tão pesado para os milhões de leitores espalhados por essa galáxia infinita. Como diria algum apresentador de programa infantil, por hoje é isso pessoal!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

É só trazer o note...

Estou indo amanhã ao meio-dia para São Paulo para participar do 6° Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (Sbpjor), que será realizado na Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo, até sexta-feira. Portanto, não postarei nada, no mínimo, até domingo.
A viagem nem começou ainda e já estou me divertindo. Na semana passada liguei para o hotel, que não me recordo o nome e estou com preguiça de ver no site, e uma senhora com voz de uns 116 anos me disse para ligar nessa semana para fazer a reserva. “All right, bybe. You are sweet”, respondi docemente.
Hoje fui ligar, esperando ouvir aquela voz do além, mas não. Atendeu uma mulher com voz de tele-sexo. Manja aquela voz macia, suave, meio rouca e, ainda por cima, com sotaque paulista? Pois é, é a voz da atendente que me atendeu há pouco. Eu liguei e expliquei o que a matuzalém tinha me dito, e ela me perguntou de cara:
- Ah, é do congresso da Metodista?
- Isso mesmo.
- Então, (paulistas sempre dizem então, acompanhado de vírgula) só me passa o seu nome que eu faço a reserva.
- All right, bybe.
E passei o meu nome para ela, que respondeu “ok”, e eu disse “ok, é isso”, e ela retrucou “é isso” e eu desliguei e isso foi tudo. Mais tarde, há poucos minutos, resolvi ligar para ver como faço para chegar no referido hotel, já que chego na rodoviária do Tietê, e o hotel, bem como a universidade, fica em São Bernardo do Campo. Ela não sabia, e ficou pedindo mil desculpas, e eu dizendo “capaz, não tem problema”, só que depois que desliguei que lembrei que fora do Rio Grande do Sul ninguém sabe o significado de “capaz”. Não “capaz” de ser capaz, mas sim de capaz do tipo “não tem problema” ou “não brinca”. Mas passou. Voltando a ligação, também perguntei se tinha internet no hotel, porque lembro que num em que fiquei nos castelhanos certa vez tinha computador com internet. But, a resposta que ela me deu foi desconcertante:
- Tem sim. É só trazer o notebook.
- All right. All right – respondi. Agora só me falta o notebook. Pedi o do meu irmão, mas ele berrou: “Bem capaz (olha o capaz de novo)! Ficou louco guri?”. Enfim, se eu quiser entrar na net terei que procurar alguma lan house, algo pouco provável, a não ser que seja para falar com a Cris, óbvio. Aliás, como disse certa vez o David Coimbra: “Mulher e mãe brabas são um problema”.
Bem, para encerrar, na sexta-feira apresento o meu trabalho: “Erico Verissimo e jornalismo: a hipótese da espiral do silêncio em Incidente em Antares”. Antes eu quis treinar apresentando para meu irmão, minha mãe ou meu pai, mas nenhum deles topou. Minha mãe disse que estava com sono, meu irmão me xingou de novo e bateu a porta, e meu pai disse que estava com dor de cabeça. Quis trazer a Pretinha, a Pipoca ou o Jamelão, meus três cachorros, mas, além de não ouvirem a minha apresentação, também não me deixaram treinar com os caninos, sob a alegação de que eles bagunçariam a casa, defecariam e enxeriam os recintos de pulgas. Coitadinhos. Quanta calúnia! Eles podem até não entender, mas pelo menos ficam me olhando com ar de pidão, interrogativos e com a cabeça torta de burrinho.
Agora sim, para encerrar, acabei apresentando de mim para mim, e acho que ficou legal. Até me aplaudi quando fechei o último slide. Agora é viajar, chegar, descansar, assistir, apresentar e voltar para depois tentar contar tudo o que se passar aqui para vassuncês! All right? E, como diria o Anonymus: Voltaremos!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Poemas nos ônibus


Tive dois poemas classificados no Concurso Poemas nos Ônibus, aqui de Santo Ângelo. No ano passado tive um, que já publiquei aqui, e que está circulando pelos Tiarajus da cidade. No ano que vem serão dois, que reproduzo aqui:

Mísera elite

Meu professor disse
Que nós somos um pequeno grupo
Que representa a elite
Da Sociedade

Discutimos Marx, MacLuhan e Innis
Engel, Mauro Wolf e Marques de Melo
Mas não sobra nada
Para o pobre Bukowski

Ele disse que nós somos a elite da elite
Mas enquanto ele diz isso
Eu penso que vão me faltar
10 centavos para os 2 e 10 do busão.

A triste espera
Chego na rodoviária
E tenho que esperar uma hora
Até o Campus-Ipiranga passar
Porque eu não tenho dinheiro para um táxi
E devo 250 reais para o meu pai

Vou no primeiro bar que me aparece
E peço uma torrada e uma Cola-Cola
Às 5 e 26 da madrugada
De um dia qualquer de setembro

Uma hora depois chego
Até a casa da minha hospedeira
E enquanto acordo os outros com meu ronco
Sonho com a felicidade deixada para trás
Em uma cidade missioneira.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Das roupas da Marisa ao Tchecov - Feira do Livro de Porto Alegre - Parte 2

O nome da loja é Marisa. Minha irmã me informou há pouco. Então, ela estava lá, no provador, provando dezenas, talvez centenas de roupas incansavelmente quando eu resolvi pegar a programação da Feira do Livro para ver o que iria rolar naquela sexta-feira. Fui reto nos horários para ver o que daria tempo de acompanhar. Fui até a página 26 e olha só o que tinha às 19h: Sala dos Jacarandás – Memorial do RS – Ciclo Jornalismo e Literatura (RBS/Famecos) com Zuenir Ventura, Luis Fernando Veríssimo, Flávio Tavares, Antônio Hohlfeldt e José Michell. PUTAQUEOPARIU! Teria que ir nesse debate a qualquer custo. Minha irmã saiu com aquela penca de roupas do provador, e entre tantos pedaços de pano e tecido ela escolheu somente uma. Eu disse UMA! Mas tudo bem, é a vida.
Minha indignação logo foi substituída pela empolgação. Tentei convence-la a ir de todas as formas comigo no ciclo, mas não teve jeito. A guria estava por morta. Só queria ir para casa, tomar um banho, e deitar. Então a deixei voltar para o seu reduto que praticamente integra a Puclândia. Eu não queria que ela levasse meus preciosos livros, já que temia pela segurança deles. Sabe comé, uma mulher sozinha, com uma sacola cheia de livros... Mas aí ela deu o argumento fatal: “E tu acha que vão querer roubar livros?”. É, francamente. Nós estamos no Brasil. Mesmo assim, quis ficar com o Solo, do Juremir, já que se eu o encontrasse pediria uma dedicatória.
Saindo da Marisa, parei no Centro de Cultura Erico Veríssimo, onde também rolava programação da Feira. Perguntei para o cara onde ficava a Sala dos Jacarandás, e mostrei a programação. Foi então que ele me encarou seriamente e perguntou: “Tem certeza de que isso é hoje?”. Fui conferir a data e... adivinhem? Era na sexta-feira do dia 14 de novembro (curiosamente amanhã) e não do dia 7! Putz Frau, and now?
Tudo bem, a vida é feita de transformar os fracassos em glórias! Respirei fundo, e folhei a revistinha com a programação até a página 14, onde tinham os eventos previstos para o dia 7. E adivinhem o que teria naquela mesma tarde, dentro de poucos minutos? Palestra com o Juremir, pô! E eu com o livro dele na sacola. Fui até a Tenda de Passárgada e assisti a fala do Juremir sobre o contista ucraniano Anton Tchecov, segundo ele, o maior contista de todos os tempos. Saí de lá louco para comprar um livro do Tchecov, mas acabei voltando na banca da LPM e levei o Sofá, que havia me referido outra vez (do cara que reencarna como sofá). Mas ainda vou comprar e ler livros do Tchecov. O Juremir (na foto, lá em cima) contou três contos (contou contos, é mole? Como diria o Simão: é mole, mas trisca pra vê o que acontece) e os três são geniais. Num deles, que se não me engano se chama angústia, resumindo o resumo do Juremir, o cara perde o filho, ou a filha, não lembro bem, e quer desabafar isso com todo mundo que ele encontra. Ninguém lhe dá ouvidos a história toda, e no fim ele acaba conversando com a égua dele sobre o assunto. O Juremir também lembrou que esse contista viveu entre 1860 e 1904, e que nos seus contos ele se refere aos velhos como pessoas de 40, 50 anos, que para aquela época eram considerados anciãos, já que as pessoas morriam de gripe, resfriado, ou nem sabiam de quê que. Enfim, contei a história toda muito resumida, porque muitos leitorinhos tupiniquins já me disseram que eu tenho que escrever menos e ser mais objetivo. Já disse que me basta a objetividade diária do jornal, que eu já me preocupo o dia todo, então, quando não estou no jornal mando para o espaço a porra da objetividade e escrevo pá caraí mesmo. Se o que escrevo é bom ou ruim, é outra história. Como diria minha “prima” Ju Ritter: “como você tem o dom de escrever bobagens, primo”. Bem, cada um tem o seu dom. Mas chega de conversa mole e voltemos a Feira.
Bem, saí da palestra do Juremir (depois de pedir a dedicatória), comprei o Sofá, e fui à parada do Mercado Público pegar o busão e voltar ao recôndito lar da minha irmãzinha. No sábado também fui à Feira, mas não me recordo no momento de nada emocionante que tenha acontecido. Ah, vi metade da palestra do Ruy Carlos Ostermann e da Cíntia Moscovich, que falaram sobre o prazer de ler Simone – Lucie – Ernestine – Marie Bertrand du Beauvoir (está assim na programação) e o “Segundo Sexo”. Ah, só para constar, que na palestra do Juremir havia cerca de 50 pessoas e na do Ruy umas 60. Num país como o Brasil, onde bundas, batidão e outras baboseiras levam milhares de pessoas a determinados lugares, uma cidade do tamanho de Porto Alegre (com quase 2 milhões habitantes) leva um público desses a eventos como os que presenciei... É difícil. Volto a recorrer a comparação que fiz no texto sobre o público pífio do show do Dado Villa Lobos aqui em Santo Ângelo, de que a população não tem o aparato cognitivo necessário para receber informações mais complexas, ou que ela julguem complexas, por mais simples que seja... No final das contas, me considero um privilegiado de ter assistido a falas tão qualificadas e de graça.
Encerro esse meu relato sobre a Feira aqui, e a entrevista com David Coimbra, que na verdade foi feita como parte da oficina de comunicação que dou em uma escola aqui de Santo Ângelo, fica para daqui alguns dias, senão vai vir mais críticas quanto ao tamanho dos meus posts. Agora, desligue esse computador, desligue a TV, ligue o som, deite na cama e leia livro, please!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Não morri...

Ainda... Só para explicar aos milhões de leitores desse blog espalhados pelo universo que eu não morri, apenas me retirei por motivos de provas acumuladas e grande quantidade de conteúdo a ser lido em um curto espaço de tempo por motivos obrigatórios de âmbito acadêmico (putz, acho que dá para entender...), enfim, a continuação das histórias da Feira do Livro e a entrevista com o David Coimbra virá em breve, possivelmente até o sábado.
Até lá pretendo continuar vivo.
Inté!

domingo, 9 de novembro de 2008

Jardim ou Castelo? – Feira do Livro de Porto Alegre - parte 1, a encruzilhada


Feira do Livro! Livros para todos os tipos, para todos os gostos e para todos os bolsos! Adoro a Feira do Livro. Mas acho que por mais que eu fosse com mil reais no bolso, ainda me sentiria pobre porque são tantos livros que quero comprar, que precisaria não só de muito mais dinheiro, mas também de uma carreta para carrega-los.
Mas vou começar a contar a minha nobre participação na 54ª Feira do Livro de Porto Alegre do início (óbvio, mais uma vez).
Cheguei aqui em Porto Alegre na sexta-feira de madrugada (duas da manhã) e dessa vez tive que engolir meus remorsos contra os taxistas de Porto Alegre, já que teria a prova do mestrado às 9h, e queria estar o menos podre possível para isso. Mas dessa vez, por um desses milagres inexplicáveis da vida, o taxista não era mala nem sem vergonha, e inclusive foi conversando comigo sobre futebol e até me contou que o Inter havia vencido o Boca por 2 a 1 na Bombonera, vejam vocês. Cheguei em casa, e por um novo milagre inexplicável, dormi rapidamente. Deitei e, como diria o Alemão, caput! Acordei 7h30, tomei banho, café preto e me fui, rumo a Puclândia. Tomei mais uma latinha de Coca na lancheria (lanchonete, para o resto do Brasil) do prédio de Odonto, que estava vazio, e o resto é história, não vou ficar amolando você, nobre leitorinho tupiniquim. Em resumo, queimei 90% dos meus neurônios respondendo a primeira pergunta da prova, e sobraram poucos para responder a segunda, que era justamente a mais complicada. Enfim, não tenho a mínima idéia de como fui. Cheguei em casa, almocei, e convenci minha irmã a ir junto comigo na Feira do Livro. Disse a ela:
- Guria, não me deixa gastar todo o meu dinheiro.
- Ok – ela respondeu com uma frieza tão russa quanto o ruivo dos seus cabelos.
E seguimos rumo ao fantástico mundo do livro com 20% de desconto. De início não me empolguei, ainda murmurava para ela: “não estou achando nada que me interesse”. Aí ela resolveu me dar um livro que estava numa promoção fantástica por R$5: Meia encarnada, dura de sangue. É uma seleção de crônicas sobre futebol, organizado pelo Ruy Carlos Ostermann, e que conta com textos que vão desde o Luis Fernando Veríssimo, até o seu pai, Erico Veríssimo. Impressionante, não? Por R$5! Já me empolguei, e na seqüência já vi o livro do professor da Puclância e colunista do Correio do Povo, Juremir Machado da Silva, o “Solo”, que eu já tinha lido a respeito e queria comprar. Não pensei duas vezes e comprei-o-o!, como diria o Sambarilóve! E, na mesma banca, vi o livro que a minha mãe havia encomendado, o Doidas e Santas da Martha Medeiros, e lá se foram mais alguns vinténs. Porra, como o dinheiro evaporava tão rápido? E na medida em que ele se ia, aumentavam as sacolas com livros em minhas mãos. Então, resolvemos ir até a Feira do Livro Infantil, já que eu queria comprar o presente de aniversário da minha filhota emprestada. Olhamos várias bancas, até que achei uns livros bem diferentes, que você abre e eles viram castelo e tal. Tinha um que era o castelo e outro que era o jardim. E agora? Qual levar? O castelo ou o jardim? Fiquei alguns longos segundos coçando o queixo, me remoendo em dúvidas, imaginando a Lalainha brincando ora com o castelo, ora com o jardim. Que dúvida cruel! Uma dessas dúvidas que não só parecem, mas são uma encruzilhada! A mulher da banca me olhando aflita. A minha irmã me pressionando ao meu lado e dizendo com voz de Hitler: “decide logo!”. E eu coçava o queixo e respondia: “Calma, calma. Essa é uma decisão muito difícil. Não é bem assim, chegar e decidir. Tudo remete a muitas hipóteses e pensamentos e...”. Até que, algum tempo depois, olhei firmemente para um dos livros, soquei a palma da mão, e gritei: “Vou levar o Jardim!”. E de lá sai eu com o Jardim das Fadas em uma sacola. Legal, o jardim. A Lalainha vai gostar. Mas ainda faltava o presente da Cris, e também vários outros livros que eu queria comprar. Inclusive os do David Coimbra, na qual pretendo entrevista-lo daqui alguns poucos minutos...
Putz, vou ter que explicar para ele que não sobrou dinheiro para comprar os seus livros. Já via ele me chutando para fora do prédio da Zero Hora, me amaldiçoando: “Sem livros, sem entrevista! Só volte aqui quando tiver os livros! Ou morra!”. Mundo capitalista é triste. Mas enfim, encontramos uma banca cheia de livros interessantes (isso voltando a Feira dos adultos). Lá tinham os dois livros lançados pelo David: “Cris a Fera” e “Guri”. E agora? Qual levar. De repente, eu poderia levar um para dar de presente pra Cris. Talvez o “Cris a Fera”, já que ela também se chama Cris. Ou senão o “Guri”, já que daqui algum tempo mais pretendemos encomendar um. E agora? Nova dúvida cruel. Nunca esperei que tivesse que tomar tantas decisões importantes em um espaço tão curto de tempo. Até que, a vendedora se compadeceu da minha angústia e perguntou:
- É para presente?
Eu cocei o queixo novamente e respondi:
- Pois aí está! Eu não sei se dou de presente ou se compro pra mim.
Foi então que ela me mostrou um terceiro livro, mas que não vou falar sobre ele, porque é surpresa para a Cris, mas que decidi compra-lo no ato! Uma das questões estava resolvida...
Mas e a outra? Qual dos dois eu levaria: “Cris, a fera” ou “Guri?”. Foi então que olhei para a minha irmã, que estava parada bisonhamente do meu lado:
- O Guria! Me ajuda. Eu quero a “Cris”, mas também quero o “Guri”....
E ela atendeu a meu pedido, e levei os dois livros. Estávamos nós dois, dispostos a ir embora da Feira antes que ficássemos literalmente pelados, sem lenço nem documento, mas cheios de sacolas com livros, quando nos deparamos com a banca da LPM. Pra quê? Novamente ficamos atiçados, e a Carol (minha irmã) comprou um livro de presente para o meu pai, o Nabucodonosor. No cartão. E eu fiquei louco para comprar “O Sofá”, de Crébillon Fils. É uma história dum cara que morre e é condenado a sempre reencarnar num sofá. Ele presencia diversos casais e histórias (trágicas e cômicas) que o usam para fazer aquilo mesmo que você está pensando, seu mente suja! E ele só será libertado quando um casal realmente apaixonado o usar. Estou louco para ler essa história. Mas enfim, não tinha mais dinheiro, e ainda por cima eu queria comprar o livro Cem Melhores Contos de Mario Prata (que na verdade são 129), e que na promoção custava R$31. Olhei novamente para a minha irmã, e consegui convence-la a me emprestar essa quantia. Mais um livro na sacola. E a minha irmã, que eu tinha levado para não me deixar gastar tudo, não só deixou, como ainda me emprestou R$31! Vejam vocês.
E essa mesma irmã ainda queria passar numa dessas lojonas do centro para comprar roupa! Eu mereço? Mereço, e fui com ela, cheio de livros. Enquanto ela experimentava as roupas eu decidi olhar a programação da feira, e foi então que aconteceu....
(segue)

domingo, 2 de novembro de 2008

O menino monstro

O caso que se segue é a história de um parente distante da Malisa, a menina monstro do Pânico na TV. Trata-se de Stiven, um garoto que teve a sua vida profundamente mudada em um curto espaço de tempo, que o transformaria em Stiven, o menino monstro.

Stiven era um garoto feliz, tinha apenas 11 anos de idade, morava com os pais, que por sinal, nunca foram muito ajuizados. Desde pequeno ele freqüentemente via o pai e a mãe entrando no quarto em altos amassos, ele com a mão enfiada no vestido dela, e ela gemendo sofregamente dizendo “ai, Alfredo, pára Alfredo, o Stiven ta olhando”, mas o pai dele mais parecia um vampiro sedento por sangue, e se grudava no pescoço dela, e ambos iam para o quarto, e tentavam fechar a porta, que ficava entreaberta, e o barulho que eles faziam não deixavam nem o pobre Stiven assistir ao Pegue o Pombo em paz. Aliás, quando que o Dick Vigarista e o Muttley pegariam o maldito pombo? Que segredo horrível aquela ave estaria escondendo e que era tão almejado pela dupla? E por que o papai e a mamãe fazem tanto barulho lá no quarto? Eu heim.
Mas o tempo foi passando, e Stiven assistia muita televisão, e aos poucos começou a compreender o sentido da coisa. Foi descobrindo que os nenês não eram trazidos por cegonhas, e muito menos apareciam no caneco de chopp do papai no bar da esquina. Aquela história de que a abelinha mágica tinha picado primeiro o papai e depois a mamãe também era falsa, bem como as existências do Papai Noel e do Coelhinho da Páscoa. Como eu era idiota, pensava Stiven, um quase pré-adolescente no alto dos seus 11 anos. Também era comum a cena em que seu pai lhe berrava “Stiven! Trás uma cerveja da geladeira, ó muleque!”. E ele, inocentemente, pegava a primeira garrafa que estivesse ao seu alcance. Quando chegava até o seu pai, que estava só de cueca vendo o programa do Raul Gil, ele pegava a garrafa, lhe puxava a orelha e dizia sussurrando, em tom nervoso: “Stiven, meu filho, quantas vezes eu já lhe disse para trazer a mais gelada? Hã? Agora volta lá e pegue a garrafa que estiver mais próxima de um picolé”. E ele voltava, e uma vez ele trouxe uma que estava literalmente congelada, e o líquido subiu e molhou toda a cueca do papai, que saiu correndo para o banheiro. Foi engraçada aquela cena.
Mas o mais engraçado era ver a mamãe brigando com ele como se ele fosse uma criança. Às vezes ela o tratava igual ao Banzé. “Seu inútil! Desliga essa TV e vai cortar a grama!”. E ele ia com as orelhas abaixadas e o rabo entre as pernas. Esses adultos não são fáceis. Mas o melhor era brincar de carrinho. Dava para imitar aos acidentes que se viam na televisão. Um carro foi ultrapassar uma van e bateu de frente com um ônibus, que capotou num barranco e mais de 50 pessoas morreram. Aí chegam os helicópteros da televisão, e uma emissora começa a brigar com a outra, e o da Globo derruba o da Bandeirantes, mas o que se é noticiado depois é que a queda ocorreu devido a uma falha mecânica no aparelho da Band. Imaginação fértil, a desse Stiven.
Pois eis que um dia seus pais resolveram ir a um almoço para comemorar o aniversário de um amigo, o Tio Fred. Vou falar rapidamente do Tio Fred. Ele é gordo, e os cabelos que deveria ter na cabeça, ele tem no sovaco. O resto está no nariz, e o pouquinho que sobrou está saindo pelas orelhas. Ele bebe mais que o papai, e a mamãe diz que ele come que nem um porco. Aliás, acho que é verdade, porque já vi ele peidar e arrotar várias vezes assistindo aos jogos do Inter aqui em casa. O pai xinga ele, e ele solta uma risada engraçada “he-he-he-he”. E em seguida toma mais um copo de cerveja.
Mas eis que seus pais foram no dito aniversário e disseram para o Stiven: “Stiven, meu filho, esse aniversário não é para crianças. Você está ficando crescidinho, portanto, vamos deixar você sozinho em casa. Nós não demoramos. Fique com Deus, a comida está pronta, é só esquentar no micro”. E se foram, os dois.
Stiven comeu, ligou a TV, mas não estava dando nada de bom. Então ele resolveu experimentar aquela bebida mágica que tanto divertia o papai e o Tio Fred. Foi até a geladeira e pegou a cerveja mais gelada. Abriu a garrafa com alguma dificuldade e se serviu, colocando o bico da garrafa na ponta do mesmo, igual o papai fazia. Encheu bem o copo e bebeu. O primeiro gole desceu com dificuldade, parecia que ia voltar. Fez um “blum” no estômago de Stiven, que soltou um “argh!” e tremeu a cabeça, fazendo uma careta. Mas que nada. Serei igual ao papai, pensava. Foi bebericando a cerveja. Sentou-se no sofá, terminou o primeiro copo, serviu o segundo, bebeu, serviu o terceiro e o quarto e o quinto. Acabou a cerveja e ele foi até a geladeira pegar outra, afinal, o papai tomava pelo menos cinco daquelas numa tacada! Aos poucos, ele começou a ver a geladeira se mexer, e tudo ao seu redor também balançava. Ele começou então a gritar: “Parem de se mexer! Parem de se mexer!”, mas não adiantava. “Então vão tomar banho!”. Achou aquele xingamento meio inofensivo, então encheu os pulmões e berrou com mais força: “Vão tomar no cu! Vão tomar no cu!”. Não adiantou de novo. Então, lembrou-se de uma frase que o papai vivia dizendo: “Vão se fuder, porra! Vão se fuder!”. Não adiantou, mas sentia-se melhor. Parecia que tudo naquela sala o reverenciava. Foi então que passou pela sua frente a Felícia, a gata. Ele a chamou, ela veio e subiu em seu colo. Ele foi fazer igual ao papai e mordeu o pescoço da bichana e a desgranida o arranhou todo. “Filha da puta! Sai da minha frente, caralho!”, berrou. Nisso, apareceu o Banzé. Maldito Banzé. Andava comendo a Felícia, e por isso ela o arranhou. A essas alturas ele já sabia o significado da palavra “comendo”. Aliás, quando o Zeca, lá do colégio, explicou para o pessoal o que isso significava, todos só falavam em comer. Pois nesse momento ele sentiu um ódio mortal do Banzé, um guaipequinha de um ano e meio, que estava parado em sua frente com olhar pidão e o rabo abanando num vai-vem insistente. Stiven viu a cinta de seu pai, se levantou com alguma dificuldade, a pegou, e a atou no pescoço de Banzé. Prendeu ela colocando o sofá em cima de uma ponta, e pegou na geladeira um pedaço de salsicha. Os olhos de Banzé brilharam, mas quando ele foi avançar, a cinta apertou seu pescoço. Mesmo assim ele queria a salsicha, e na medida em que mais fazia força para alcança-la, mais ele se estrangulava. Até que ficou com a cinta lhe cortando todo o ar, e ficou ali, deitado no carpete com os olhos esbulhados e uma baba escorrendo no canto da boca. Stiven olhava para o animal, e dizia “viu só, filha da puta. Foi se meter com a Felícia e deu no que deu. Te comi no rabo”. Tinha ouvido essa frase em algum dos filmes do papai e sempre sonhara em repeti-la. E agora ali estava ele, falando aquilo para a sua vítima.
Estava tomando mais uma cerveja, quando tocou a campainha. Quem seria àquela hora? Pelo menos era sempre isso que sua mãe repetia quando ouvia a campainha tocar. Rodeou a casa e saiu pela outra sala, temendo que fosse a polícia querendo saber sobre a morte de Banzé. Mas não era. Tratava-se de Micheli, sua vizinha. Não sabia que idade tinha, mas certamente era pelo menos o dobro da sua. Não sabia o porquê, mas sempre que a mamãe saia, ela ia lá procurar o papai. E era isso que ela estava perguntando naquele momento, vestindo uma saia que devia medir uma palma e meia da sua mão. “O seu Alfredo está, Stiven?”. Ele, olhando de cabo a rabo aquele mulherão a sua frente, lembrou das conversas com os amigos, os papos de “comeu” e o que ele sempre ouvia o papai dizer para a moça. Foi então que respondeu: “entra, minha florzinha, estava pensando em você”. Disse isso com a língua um tanto enrolada. Micheli franziu a testa, percebeu que algo estava errado, e retrucou com certa irritação: “Ele está ou não está?”. Stiven estendeu a mão para ela, e a puxou para dentro da cozinha. “Vai passando, coisa fofa”. Ela foi indo, achando que o Alfredão iria estar esperando na sala ou no quarto. Mas no que virou as costas para Stiven, ouviu TAP! e gritou “AI! Que é isso, Stiven?”. Ele a fitou friamente e disse “nada não, minha princesa”, e sentou-se no sofá, bateu com uma mão na coxa e disse “senta aqui”. Ela nunca tinha visto Stiven daquele jeito. Viu algumas garrafas de cerveja vazias espalhadas pela sala e o Banzé sem respirar atado na ponta do sofá. Foi então que ela percebeu. Arregalou os olhos e murmurou: “vo-vo-cê andou bebendo?”. E agora? O que fazer? Ela havia descoberto e poderia lhe entregar para os pais. Ele não respondeu e foi cambaleando até a primeira gaveta do balcão da cozinha, pegou uma faca, e investiu contra Michele. Ela esquivou-se, mas Stiven tinha adquirido uma agilidade impressionante. Parecia que o Ninja Giraia tinha encarnado no corpo do menino, e num golpe rápido, ele cravou a faca na gordurinha do lado direito de Micheli. Ela ficou paralisada de susto. Um erro fatal. O menino monstro já enfiava aquele objeto pontiagudo mais uma vez, e outra, e outra, até que ela caiu a seus pés. Ele viu aquele rosto angelical sem vida deitado no chão, e decidiu que teria que eliminar todas aquelas provas. Foi então que teve a idéia genial. Colocaria fogo na casa. E assim fez. Ligou o gás e ascendeu o lampião antigo de seu bisavô, e o colocou no canto de um dos quartos. Saiu da casa e fugiu. No outro dia, longe dali, assistiu na televisão a notícia da sua morte em um trágico incêndio que atingiu a casa do Sr. Alfredo Sarrafa Almeida. A polícia suspeitava que Micheli, a vizinha que estava desaparecida, morrera tentando salvar o menino. Um leve sorriso tomou conta de seu rosto. E quando acabou o noticiário ele voltou para a porta do bar e abordou mais um cliente que chegara: “dá um troco tio?”.
E assim surgiu o menino monstro, que não cresceu mais, porque é anão, mas que segue aprontando muitas das suas por esse Brasil afora.