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domingo, 2 de novembro de 2008

O menino monstro

O caso que se segue é a história de um parente distante da Malisa, a menina monstro do Pânico na TV. Trata-se de Stiven, um garoto que teve a sua vida profundamente mudada em um curto espaço de tempo, que o transformaria em Stiven, o menino monstro.

Stiven era um garoto feliz, tinha apenas 11 anos de idade, morava com os pais, que por sinal, nunca foram muito ajuizados. Desde pequeno ele freqüentemente via o pai e a mãe entrando no quarto em altos amassos, ele com a mão enfiada no vestido dela, e ela gemendo sofregamente dizendo “ai, Alfredo, pára Alfredo, o Stiven ta olhando”, mas o pai dele mais parecia um vampiro sedento por sangue, e se grudava no pescoço dela, e ambos iam para o quarto, e tentavam fechar a porta, que ficava entreaberta, e o barulho que eles faziam não deixavam nem o pobre Stiven assistir ao Pegue o Pombo em paz. Aliás, quando que o Dick Vigarista e o Muttley pegariam o maldito pombo? Que segredo horrível aquela ave estaria escondendo e que era tão almejado pela dupla? E por que o papai e a mamãe fazem tanto barulho lá no quarto? Eu heim.
Mas o tempo foi passando, e Stiven assistia muita televisão, e aos poucos começou a compreender o sentido da coisa. Foi descobrindo que os nenês não eram trazidos por cegonhas, e muito menos apareciam no caneco de chopp do papai no bar da esquina. Aquela história de que a abelinha mágica tinha picado primeiro o papai e depois a mamãe também era falsa, bem como as existências do Papai Noel e do Coelhinho da Páscoa. Como eu era idiota, pensava Stiven, um quase pré-adolescente no alto dos seus 11 anos. Também era comum a cena em que seu pai lhe berrava “Stiven! Trás uma cerveja da geladeira, ó muleque!”. E ele, inocentemente, pegava a primeira garrafa que estivesse ao seu alcance. Quando chegava até o seu pai, que estava só de cueca vendo o programa do Raul Gil, ele pegava a garrafa, lhe puxava a orelha e dizia sussurrando, em tom nervoso: “Stiven, meu filho, quantas vezes eu já lhe disse para trazer a mais gelada? Hã? Agora volta lá e pegue a garrafa que estiver mais próxima de um picolé”. E ele voltava, e uma vez ele trouxe uma que estava literalmente congelada, e o líquido subiu e molhou toda a cueca do papai, que saiu correndo para o banheiro. Foi engraçada aquela cena.
Mas o mais engraçado era ver a mamãe brigando com ele como se ele fosse uma criança. Às vezes ela o tratava igual ao Banzé. “Seu inútil! Desliga essa TV e vai cortar a grama!”. E ele ia com as orelhas abaixadas e o rabo entre as pernas. Esses adultos não são fáceis. Mas o melhor era brincar de carrinho. Dava para imitar aos acidentes que se viam na televisão. Um carro foi ultrapassar uma van e bateu de frente com um ônibus, que capotou num barranco e mais de 50 pessoas morreram. Aí chegam os helicópteros da televisão, e uma emissora começa a brigar com a outra, e o da Globo derruba o da Bandeirantes, mas o que se é noticiado depois é que a queda ocorreu devido a uma falha mecânica no aparelho da Band. Imaginação fértil, a desse Stiven.
Pois eis que um dia seus pais resolveram ir a um almoço para comemorar o aniversário de um amigo, o Tio Fred. Vou falar rapidamente do Tio Fred. Ele é gordo, e os cabelos que deveria ter na cabeça, ele tem no sovaco. O resto está no nariz, e o pouquinho que sobrou está saindo pelas orelhas. Ele bebe mais que o papai, e a mamãe diz que ele come que nem um porco. Aliás, acho que é verdade, porque já vi ele peidar e arrotar várias vezes assistindo aos jogos do Inter aqui em casa. O pai xinga ele, e ele solta uma risada engraçada “he-he-he-he”. E em seguida toma mais um copo de cerveja.
Mas eis que seus pais foram no dito aniversário e disseram para o Stiven: “Stiven, meu filho, esse aniversário não é para crianças. Você está ficando crescidinho, portanto, vamos deixar você sozinho em casa. Nós não demoramos. Fique com Deus, a comida está pronta, é só esquentar no micro”. E se foram, os dois.
Stiven comeu, ligou a TV, mas não estava dando nada de bom. Então ele resolveu experimentar aquela bebida mágica que tanto divertia o papai e o Tio Fred. Foi até a geladeira e pegou a cerveja mais gelada. Abriu a garrafa com alguma dificuldade e se serviu, colocando o bico da garrafa na ponta do mesmo, igual o papai fazia. Encheu bem o copo e bebeu. O primeiro gole desceu com dificuldade, parecia que ia voltar. Fez um “blum” no estômago de Stiven, que soltou um “argh!” e tremeu a cabeça, fazendo uma careta. Mas que nada. Serei igual ao papai, pensava. Foi bebericando a cerveja. Sentou-se no sofá, terminou o primeiro copo, serviu o segundo, bebeu, serviu o terceiro e o quarto e o quinto. Acabou a cerveja e ele foi até a geladeira pegar outra, afinal, o papai tomava pelo menos cinco daquelas numa tacada! Aos poucos, ele começou a ver a geladeira se mexer, e tudo ao seu redor também balançava. Ele começou então a gritar: “Parem de se mexer! Parem de se mexer!”, mas não adiantava. “Então vão tomar banho!”. Achou aquele xingamento meio inofensivo, então encheu os pulmões e berrou com mais força: “Vão tomar no cu! Vão tomar no cu!”. Não adiantou de novo. Então, lembrou-se de uma frase que o papai vivia dizendo: “Vão se fuder, porra! Vão se fuder!”. Não adiantou, mas sentia-se melhor. Parecia que tudo naquela sala o reverenciava. Foi então que passou pela sua frente a Felícia, a gata. Ele a chamou, ela veio e subiu em seu colo. Ele foi fazer igual ao papai e mordeu o pescoço da bichana e a desgranida o arranhou todo. “Filha da puta! Sai da minha frente, caralho!”, berrou. Nisso, apareceu o Banzé. Maldito Banzé. Andava comendo a Felícia, e por isso ela o arranhou. A essas alturas ele já sabia o significado da palavra “comendo”. Aliás, quando o Zeca, lá do colégio, explicou para o pessoal o que isso significava, todos só falavam em comer. Pois nesse momento ele sentiu um ódio mortal do Banzé, um guaipequinha de um ano e meio, que estava parado em sua frente com olhar pidão e o rabo abanando num vai-vem insistente. Stiven viu a cinta de seu pai, se levantou com alguma dificuldade, a pegou, e a atou no pescoço de Banzé. Prendeu ela colocando o sofá em cima de uma ponta, e pegou na geladeira um pedaço de salsicha. Os olhos de Banzé brilharam, mas quando ele foi avançar, a cinta apertou seu pescoço. Mesmo assim ele queria a salsicha, e na medida em que mais fazia força para alcança-la, mais ele se estrangulava. Até que ficou com a cinta lhe cortando todo o ar, e ficou ali, deitado no carpete com os olhos esbulhados e uma baba escorrendo no canto da boca. Stiven olhava para o animal, e dizia “viu só, filha da puta. Foi se meter com a Felícia e deu no que deu. Te comi no rabo”. Tinha ouvido essa frase em algum dos filmes do papai e sempre sonhara em repeti-la. E agora ali estava ele, falando aquilo para a sua vítima.
Estava tomando mais uma cerveja, quando tocou a campainha. Quem seria àquela hora? Pelo menos era sempre isso que sua mãe repetia quando ouvia a campainha tocar. Rodeou a casa e saiu pela outra sala, temendo que fosse a polícia querendo saber sobre a morte de Banzé. Mas não era. Tratava-se de Micheli, sua vizinha. Não sabia que idade tinha, mas certamente era pelo menos o dobro da sua. Não sabia o porquê, mas sempre que a mamãe saia, ela ia lá procurar o papai. E era isso que ela estava perguntando naquele momento, vestindo uma saia que devia medir uma palma e meia da sua mão. “O seu Alfredo está, Stiven?”. Ele, olhando de cabo a rabo aquele mulherão a sua frente, lembrou das conversas com os amigos, os papos de “comeu” e o que ele sempre ouvia o papai dizer para a moça. Foi então que respondeu: “entra, minha florzinha, estava pensando em você”. Disse isso com a língua um tanto enrolada. Micheli franziu a testa, percebeu que algo estava errado, e retrucou com certa irritação: “Ele está ou não está?”. Stiven estendeu a mão para ela, e a puxou para dentro da cozinha. “Vai passando, coisa fofa”. Ela foi indo, achando que o Alfredão iria estar esperando na sala ou no quarto. Mas no que virou as costas para Stiven, ouviu TAP! e gritou “AI! Que é isso, Stiven?”. Ele a fitou friamente e disse “nada não, minha princesa”, e sentou-se no sofá, bateu com uma mão na coxa e disse “senta aqui”. Ela nunca tinha visto Stiven daquele jeito. Viu algumas garrafas de cerveja vazias espalhadas pela sala e o Banzé sem respirar atado na ponta do sofá. Foi então que ela percebeu. Arregalou os olhos e murmurou: “vo-vo-cê andou bebendo?”. E agora? O que fazer? Ela havia descoberto e poderia lhe entregar para os pais. Ele não respondeu e foi cambaleando até a primeira gaveta do balcão da cozinha, pegou uma faca, e investiu contra Michele. Ela esquivou-se, mas Stiven tinha adquirido uma agilidade impressionante. Parecia que o Ninja Giraia tinha encarnado no corpo do menino, e num golpe rápido, ele cravou a faca na gordurinha do lado direito de Micheli. Ela ficou paralisada de susto. Um erro fatal. O menino monstro já enfiava aquele objeto pontiagudo mais uma vez, e outra, e outra, até que ela caiu a seus pés. Ele viu aquele rosto angelical sem vida deitado no chão, e decidiu que teria que eliminar todas aquelas provas. Foi então que teve a idéia genial. Colocaria fogo na casa. E assim fez. Ligou o gás e ascendeu o lampião antigo de seu bisavô, e o colocou no canto de um dos quartos. Saiu da casa e fugiu. No outro dia, longe dali, assistiu na televisão a notícia da sua morte em um trágico incêndio que atingiu a casa do Sr. Alfredo Sarrafa Almeida. A polícia suspeitava que Micheli, a vizinha que estava desaparecida, morrera tentando salvar o menino. Um leve sorriso tomou conta de seu rosto. E quando acabou o noticiário ele voltou para a porta do bar e abordou mais um cliente que chegara: “dá um troco tio?”.
E assim surgiu o menino monstro, que não cresceu mais, porque é anão, mas que segue aprontando muitas das suas por esse Brasil afora.

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