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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Washington DC - 2° dia

Acordei por volta das onze horas sabendo que teria o dia inteiro sem compromisso com horário para voltar para casa. Antes da viagem, eu tinha pego várias dicas com a minha colega (e agora doutora) Lirian Sifuentes, que havia visitado Washington quando ela estava no sanduíche aqui nos States. Reli o texto do blog dela sobre a cidade e ainda pedi mais informações via Facebook. Segui quase todas as dicas, menos a do transporte, pois acabei optando por fazer a rota toda a pé, pois teria tempo. Como a Lirian me explicou, há ônibus para turismo, que você paga e pode ficar o dia inteiro se locomovendo pela cidade e ouvindo explicações dos motoristas que também são guias turísticos. É uma boa, mas como eu estava no espírito de andarilho e, de certa forma, querendo economizar, acabei optando pela andança na sola do pé.
Bom, o que vou contar aqui, antes de seguir para os pontos turísticos, certamente rende um texto a parte. No entanto, correrei o risco de me estender e de ser mal interpretado, mas que se foda, afinal, não sei quando terei tempo novamente para ficar escrevendo para o blog ou afins... Então, vamos lá. Como disse no texto anterior, Washington tem algo em torno de 70% da população negra.
Sei que o Brasil tem muitos problemas de racismo e de preconceito, mas nos Estados Unidos, quanto mais ando, mais considero que aqui o problema é maior ou mais mal-resolvido ou mais escancarado (talvez no Brasil é pior, mas também fica mais escondido, sei lá – só sei que não é com cota que se resolve, mas esse também já é outro texto). Provavelmente o negócio é assim por aqui porque as lutas, busca por direitos iguais, e tudo o mais, começou há séculos e o sangue só parou de rolar em massa recentemente. Então, provavelmente os negros americanos da atualidade viram os seus pais lutando e apanhando da polícia branca na luta por seus direitos, ou eles mesmos sofreram e participaram dessa espécie de guerra civil dos anos 1960 e 1970. Então, de certa forma poderia se considerar até “normal” esse sentimento de revanchismo do negro americano contra o branco. E em alguns lugares dos Estados Unidos você sente isso muito fortemente.
Pude provar disso em Washington DC, cidade em que o Hunter Thompson também morou cobrindo a corrida presidencial de 1972 (ficou um ano na cidade, de onde surgiu o livro Fear and loathing on the Campaign – não traduzido ainda para o português). Ele já havia comentado essas questões raciais, até porque ele cresceu em uma cidade dividida pelo lado negro e o lado branco – mas vou falar disso quando chegar a Louisville). Resumindo, quando eu estava me aproximando da região turística de Washington DC, resolvi tirar a máquina fotográfica da sacola. Estava abaixado, com a mochila aberta, quando passaram três pessoas: duas mulheres e um homem, todos negros. Não posso dizer 100% que o que fizeram foi racista, mas duvido que fariam o mesmo se eu fosse negro. O homem jogou uma garrafa de água vazia dentro da minha mochila e eles saíram dando risada da minha cara. Porra, quando você tem mais de 30, já passou por uma porrada de coisa na vida, é pai de família, e ainda por cima vem de um país subdesenvolvido, a última coisa que você quer tolerar é uma atitude racista de americanos (que ainda por cima tomam o nosso dinheiro e o de outros país há mais de século). Ou seja, me subiu o sangue na cabeça e simplesmente joguei de volta a garrafa neles e disse, numa explosão “whatafuck???”. Eles já estavam a uns dez passos de mim, e seguiram andando, mas a mulher se virou e perguntou “what did you say?”. Eu fiquei arrumando minhas coisas e encarei os desgraçados. Tudo bem que eles podem ter esse sentimento de revanchismo, afinal, como estava conversando com um amigo meu, os caras aqui conhecem história e sabem que sofreram muito, então, como disse, eles podem estar tentando se cobrar. Mas não pra cima de mim, caralho! Eu sou brasileiro, porra! Meu país é uma merda, vão fazer isso com os políticos branquelas deles, não comigo, tchê! Eu é que tenho que ser revoltado politicamente contra os Estados Unidos, e não eles contra mim, cacete! Eu sou o explorado, eles são o explorador...
Mas enfim, suspirei fundo e acabei seguindo meu rumo...
Caminhando, esfriei a cabeça. Meu primeiro destino foi o Capitólio, o congresso americano. Como já me estendi, não vou explicar muito longamente o que é cada um dos lugares que visitei... Sugiro que olhem o blog da Lirian, pois ela fez isso perfeitamente. Enfim, tirei algumas fotos lá e tentei ir até a biblioteca, que a Lirian tinha dito que era uma das maiores do mundo. Mas algum figurão importante estava por lá e os guardinhas não deixaram nem chegar perto. Ou seja, só consegui tirar algumas fotos de longe do prédio.
De lá, fui indo em direção ao monumento a Washington, uma torre gigante, no formato de um pau egípcio (porque é cumprido e tem a ponta como uma pirâmide) e no caminho fui passando por outros pontos turísticos, como o Jardim Botânico de Washington, museus e afins.
Fui então ao memorial Thomas Jefferson. É relativamente longe, deu mais de uma hora de caminhada. Para chegar lá, você vai costeando um lago, e é impressionante porque a cada minuto você vê um avião baixando, que parece que vai bater no negócio. Na primeira vez você se assusta, mas então você se dá conta de que o aeroporto fica ali do lado e que o troço acontece literalmente a cada minuto... Bom, Thomas Jefferson, pra quem não sabe, foi o terceiro presidente americano e o principal autor da declaração de independência dos Estados Unidos.
Depois de tirar algumas fotos, a minha ideia era ir para o Memorial Abraham Lincoln.
Mas no caminho você passa por um espaço destinado ao presidente Roosevelt e pelo espaço destinado às guerras, com mensagens de paz, etc. É irônico, pois os Estados Unidos é o maior provedor de guerras do planeta e adora atirar bomba nos outros... Então, é doido você ler algumas frases que vão totalmente contra a política internacional adotada pelos Estados Unidos em diversas guerras... O mesmo vale para o espaço destinado a Martin Luther King Jr. Está lá toda a luta das causas dos negros, mas no espaço mesmo só há turistas... brancos!
Será que é porque aquele é um espaço elitista? Uma cidade com 70% da população negra e num dia de semana em que todos estão trabalhando só tem lá, de folga, tomando sol turistas... brancos! No mínimo é de se refletir...
De lá fui em direção ao memorial do Lincoln, mas na frente tem outro memorial, em homenagem aos veteranos da Guerra da Coréia. Há mensagem de agradecimentos dos sul-coreanos aos americanos, estátuas bonitas, etc.
Enfim, depois de muito caminhar e de ter parado para comer um cachorro-quente mequetrefe de U$3 com Coca-Cola morna na rua, finalmente cheguei no memorial Abraham Lincoln. Bom, para quem não sabe, Lincoln foi o 16° presidente americano, estando a frente do país na Guerra Civil e abolindo a escravatura. Enfim, nesse contexto, acabou assassinado.
E lá está o memorial gigante, também cheio de turistas. Bom, vale ressaltar que, no caminho de um lugar a outro você vai vendo outros espaços turísticos menos conhecidos, mas que não são dignos de nota no presente texto.
De lá, mesmo cansado, pois já faziam mais de quatro horas que estava caminhando, segui para o cemitério Arlington. Pelo texto que havia lido da Lirian fiquei realmente curioso para conhecer o tal cemitério. Novamente, segui a pé. Do Lincoln até o Arlington dá praticamente uma hora de caminhada. Você cruza uma ponte em que a cada minuto aparece um avião no horizonte, como se andassem em fila. Todos passam raspando (é essa a impressão que se tem da vista da ponte) por um prédio lá longe, e então vem na sua direção, como se estivessem se jogando na ponte na tentativa de te matar. Nos dois primeiros dá um frio na barriga. Depois você se acostuma, mas mesmo assim fica de olho aberto. A ponte é grande, creio que leva uns 10 minutos para atravessá-la a pé. Chegar do outro lado é um alívio. E mesmo assim, depois que a cruzei, ficava olhando para atrás, sempre achando que um dos aviões fosse cair... Mas nenhum confirmou minhas expectativas...
Aliviado e vivo, segui para o cemitério. Você entra num saguão e toma um susto, pois parece mais um shopping. Tem lojinhas de souvenirs e tudo, com camisetas com túmulos escrito Arlington Cemitery, etc. Só faltam vender tumbas em miniatura da família Kennedy, que está enterrada lá. Mas, indo em direção aos túmulos de uma das famílias mais famosas dos Estados Unidos, você fica de boca aberta porque o cemitério realmente é muito impressionante.
É literalmente o cenário que você vê em filmes, com milhares de concretos de cimento branco marcando as tumbas, e as linhas brancas se perdem no horizonte. E lá dentro você caminha muito e é tumba que não acaba mais de diversos períodos históricos e com vítimas de todos os tipos de guerras possíveis e imagináveis.
Depois de uma boa caminhada, cheguei no local onde está a família Kennedy, incluindo JF Kennedy e Bob Kennedy. É doido você pensar na história do assassinato de ambos, mas isso vale outro texto...
Também aconteceu aqui outra história sinistra, envolvendo eu e o JFK, mas vou guardar para outra ocasião, pois para explica-la teria que me estender muito novamente, e eu, assim como você, vagabundo leitor, também estou cansado, pois hoje de tarde escrevi outro texto de cinco páginas para outra revista, li muita coisa, etc...
Sintetizando, andei por todo o cemitério e, na volta para “casa”, após levar mais uns sustos com os aviõezinhos que cruzavam a ponte, passei pelo prédio de Watergate.
É sinistro você ver aquele complexo e imaginar que ali, na calada da noite, espiões do partido Republicano arrombaram portas para colocar escutas na sede do partido dos Democratas. Esse foi o escândalo denunciado pelo Washington Post e que derrubou o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, nos anos 1970. É doido porque, como disse, Washington parece uma cidade do interior, então, você não consegue imaginar uma cena de ação hollyoodyana
acontecendo naquele lugar... Mas... aconteceu.
Ainda antes de chegar de volta ao hostel, passei pela Unviersidade de Washington. O sistema é o mesmo da NYU: um monte de prédios espalhados pelo centro da cidade.
Depois de andar praticamente oito horas, cheguei em casa já de noite. Ah, antes ainda comi um hambúrguer numa lanchonete e fui atendido por um cara brasileiro. Tiago, se não me engano. Fui muito bem atendido, por sinal.
Chegando no hostel, completamente morto, fui para a cozinha para pegar melhor o sinal da internet. Havia um cara bêbado e um fanho meio sem noção por ali. O fanho era do Vietnã e tinha um jeito afeminado. E o cara bêbado era americano, mas agora não lembro de que estado. Enfim, o cara sentou na minha frente e ficava perguntando o que eu estava fazendo. Eu dizia algo como “nada de mais” e ele me olhava com ar de cachorro curioso e dizia “mas você está aí, com essa cara de sério, parecendo que está fazendo alguma coisa muuuuito importante” e me imitava. Então, como uma criança, ele apertava uma tecla do meu notebook e dava risada. E dizia “o que acontece se eu fizer isso?” e apertava o botão. Como eu conheço bêbados, eu me estourei de tanto rir. Por fim, já cansado de rir e de caminhar o dia inteiro, fui dormir, afinal, no outro dia pegaria a estrada de novo para a segunda parada rumo a Gonzofest: Pittsburgh. Foi então que, até então, vivi o meu pior dia nos Estados Unidos da América.

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