Gonzofest - Day 1
Visto a minha camiseta do Fear and Loathin in Las Vegas (Medo e delírio em Las Vegas), comprada no Strand Bookstore, o maior sebo de Nova York!
- Pronto Gonzinho?
- Pronto, motherfucker!
Saímos. Como não conhecíamos muito bem Louisville, resolvermos ir indo a pé, mesmo sabendo que eram mais de 30 quadras de caminhada, indicadas pelo Google Maps. No caminho, fomos identificando a Louisville descrita por Hunter Thompson em seus textos biográficos, em que ele falava sobre o lado branco e o lado negro da cidade. Para entender, a cidade era (e ainda é) dividida na parte em que vivem os negros e na que vivem os brancos (tirem suas próprias conclusões), e nós, eu e o azulzinho Gonzinho estávamos definitivamente na parte negra. O Hunter conta que quando era criança ele e seus amigos iam mexer com as crianças do lado negro, e vice-versa, numa espécie de guerra de brincadeira.
No caminho, passamos por uma praça, que parecia saída de um filme hollyoodyano: vários carros velhos parados, com as portas e o porta-malas abertos, tocando muito rapp norte-americano e vários caras no maior estilo malandragem, com corrente de prata, boné virado, etc.
- Gonzinho, negócio é fazer cara de mau e passar reto.
Passamos. Na verdade, eu ficava olhando mesmo, pois queria gravar as imagens que estava vendo na minha memória. E tenho a minha teoria: se alguém se metesse comigo, eu ficaria puto e diria “caralho, eu venho de um país pobre, explorado pelo teu, então, enfia essa tua raiva no olho do seu cu antes que eu arrebente os seus miolos com esse... boneco de pelúcia narigudo e azul?”.
No entanto, indo rumo ao local aonde aconteceria o primeiro dia de Gonzofest, passaram por nós dois caras negros, um segurando um celular aonde que emitia em alto e bom som um autêntico rapp americano e o outro ostentando uma senhora pistola prateada na cintura. Afinal, como diria o D2, “a minha segurança eu faço na cintura”. Bom, como aqui algumas pessoas devem ter posse de arma com direito a andar com ela na rua, tudo bem... Cadum, cadum. Qualquer coisa, eu estava com o Gonzinho.
Achamos o lugar: o Old 502 Winery, que fica perto dessa praça pela qual passamos. O troço era sinistro, tipo, totalmente beat. Um prédio que por fora parecia velho e grande, mas que por dentro é uma espécie de.. vinicultura? Com bar/pub e salão? Não sei explicar bem... Logo na entrada, tinha um carinha fazendo um puta pôster da Gonzofest.
Na entrada, vários quadros muito fodas, muitas garrafas de vinho, e uns caras que tentam manter viva a cultura dos anos 1950-70, uns vestindo roupas pretas, lembrando monstros da música americana e da literatura do período, outros com barba cumprida, uns jovens e outros velhos... Senti-me em casa.
- E aí, Gonzinho, qual vai ser?
- Vamos beber, caralho!
Esse azulzinho é foda. Fomos para o bar e pegamos umas Buds. Havia um palquinho, aonde aconteceriam as apresentações musicais e poéticas. De cara, identifiquei o poeta Ron Whitehead, que foi amigo pessoal de Hunter Thompson em Louisville: com roupas identificadas com o nome e o estilo Gonzo, a barba branca e comprida e óculos. Como tive bastante contato com ele durante toda a minha estada em Louisville, vou deixar para falar mais sobre ele e a sua relação com Hunter Thompson mais adiante.
Gonzinho e eu nos apresentamos e conhecemos outras pessoas, alguns fãs de Hunter Thompson, outros que estavam trabalhando por ali, vendendo blusas, bonés e souvenirs Gonzos. Também conhecemos uma dupla que estava empolgadíssima. Tinha um cabeludinho que pedia para todo mundo tirar foto dele. “O negócio é estar na mídia!”. E eu, pra dar trela, tirei várias fotos do cara, que não lembro o nome, mas é meu amigo no Facebook. Às vezes olhava e ele estava de cabeça baixa, cansado, então eu mirava a câmera e dizia “hey! Picture, man!”. Ao que ele logo se acordava, sorria e fazia pose pra foto.
Também tinha um senhor com a maior pinta de ter sido amigo de caras como Hunter Thompson e Bukowski. Obviamente puxamos assunto com ele, que contou ser da Califórnia (óbvio). Tinha viajado até Louisville apenas para participar do evento. Disse escrever para uma revista da Califórnia mas não chegou a conhecer o Hunter pessoalmente. No fim, Gonzinho e eu ficamos por ali, assistindo aos shows e apresentações artísticas com os dois malucos das fotografias e o tiozinho da Califórnia.
O primeiro dia funcionou mais como uma abertura do evento mesmo. Teve a apresentação de bandas, e todos ficaram embasbacados com o som emitido por uma gaita tocada por uma gaiteira, que deixaria muito gaudério no chinelo. Outros tocaram blues e rock. Depois, houve a leitura dos textos vencedores de uma espécie de concurso Gonzo. Eram poemas, crônicas e contos, que eram lidos com uma trilha sonora do caralho.
O Gonzinho estava muito empolgado. Sentia-se em casa. Já estava meio tonto pela cerveja, apesar de que a maioria ali parecia estar relativamente sóbrio. Fiquei com medo que o Gonzinho passasse dos limites – e era recém segunda-feira. Havia também um cara com uma jaqueta de couro gonzo, escrevendo (provavelmente poemas) em um caderno. Enfim, se de repente alguém chegasse lá e perguntasse: “em que ano estamos?” e eu respondesse “nos anos 1970?” estaria tudo ok.
Quando me dei por conta, olhei pro lado, e o cabeludinho das fotografias estava trovando a vendedora de chapeis. Os chapeis eram legais, estilo Hunter Thompson mesmo, mas o troço era chique e o preço era acima dos 150 dólares. Também havia por ali um jornalista, que falaria no palco noutro dia, vendendo e autografando livros. O foda é que o cara ficou ali até uma meia hora depois de começarem as apresentações, e como ninguém comprou o seu livro, ele simplesmente foi embora. Achei a atitude meio imatura, pois Hunter Thompson, Bukowski, Jack London, Kerouac, John Fante, enfim, todos os pesos pesados da literatura maldita norte-americano sofreram e penaram pra caralho até chegar lá – e alguns só chegaram lá depois de velhos ou mortos. Mas...
O Gonzinho murmurou um “fuck motherfucker”. Senti que ele estava muito alegrinho.
Então, quando acabaram as apresentações, a programação teria sequência no Mag Bar. Acabamos indo de carona com o Nick, um dos caras que estava trabalhando na organização do evento. Chegando lá, o Gonzinho se perdeu. Enquanto eu conversava na copa com a galera Gonzo, eu vi ele sentando numa mesa ao lado de uma mulher que, sem brincadeira, devia ter uns 150 quilos. Em pouco tempo ela já estava pegando ele no colo e puxando o seu narigão fazendo “guti-guti-guti”. Porra, Gonzinho! Fui lá e puxei ele pelo nariz e disse “escuta aqui, filho da puta, a hora que eu resolver ir você esteja por perto senão te abandono!”. Ele prometeu contar tudo para a minha irmã, que gostou dele em Nova York.
No fim ele sumiu um pouco, mas depois apareceu, tentando fugir da loira obesa. Já era madrugada quando Nick ofereceu carona de volta pra casa.
Entramos no carro e o Gonzinho sentou no banco de trás. O Nick colocou uma música meio Hare Krishna e me ofereceu um cigarro. Agradeci mas disse que não fumava. O Gonzinho, do banco de trás, começou a gritar: “aêê, cagalhão de merda!”. Eu mandei ele se foder, peguei o cigarro e disse “vou enfiar isso no teu cu, filho da puta”. Ele tomou o toco da minha mão e ascendeu, lá atrás. Fomos conversando durante o trajeto, e logo senti que o cheiro do cigarro não era de cigarro normal, se é que você me entende. No trajeto, tocou o celular do Nick. Ele atendeu. Era a mulher. Perguntei se ela tava puta por ele estar na rua ainda, ao que ele respondeu, “que nada, ela tá em outra festa e tá podre de bêbada”. Olhei pra trás e o Gonzinho estava com os olhos vidrados.
Yes, man. Welcome to Gonzofest!
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