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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Chicago - O Louco

Na minha primeira noite no hostel, vi que de madrugada chegou gente no quarto. Provavelmente de alguma festa. Depois fui descobrir que o hostel tinha eventos diariamente de tarde e de noite. São lugares que você pode ir sem pagar ingresso, como museus, galerias, pubs, etc. Na noite seguinte tinha um show de jazz. Na verdade, uma das metas durante a minha estada nos Estados Unidos era ver um show de jazz ao vivo e a cores. Já tinha visto gente tocando no metrô em Nova York, ou até em algum restaurante, mas nada muito “show” mesmo.
Eu não tinha pensado seriamente em ir naquela noite, no entanto, eu estava no quarto bocaberteando, e um alemão (da Alemanha mesmo) perguntou se eu iria no tal show. Eu disse que não, mas como ele e um argentino estavam indo, acabei aceitando o convite para juntar-me ao grupo. E assim pude ter a experiência de acompanhar os caras tocando o troço todo ali, na minha frente, e numa cidade aonde aconteceram vários episódios envolvendo a luta dos negros, conforme já comentei em post anterior. É algo realmente interpretativo e vivo. Mas, se você pensa que o alemão é o louco da história, enganou-se. Ele era uma figura, mas não era O Louco.
No dia seguinte chegou no nosso quarto um senhor de meia idade, careca e gordinho, com barba curta e camisa social. Ele chegou falante, se apresentando, perguntando para cada um o que fazia, de onde era e tudo o mais. Ele disse que era da Flórida. Eu disse que estive lá e logo ficamos “amigos”. De noite, eu estava por ali, e ele estava numa mesa em que havia mais três ou quatro caras. Estavam tomando cerveja. Como eu não queria gastar e não tinha cerveja, só sentei com eles por poucos minutos e sai.
No outro dia acordei e apenas o carequinha estava no quarto. Foi então que me dei conta de que o cara era maluco.
- Sabe, Eduardo, às vezes eu tomo decisões erradas na minha vida – disse ele, com ar grave.
- Pois é, todos nós às vezes erramos...
- Não, não Eduardo. A noite passada.... Aconteceu algo que me arrependo muito...
Comecei a imaginar que eles teriam bebido e depois feito uma orgia, consumido cocaína ou algo assim. Ou até matado alguém, vá saber. Fiquei quieto, na expectativa...
- Na noite passada... Eu fiz algumas coisas erradas... e...
Silêncio.
- Esses caras... Eu não sou como eles...
Mais silêncio... Será que ele participou de um crime e está arrependido?, fiquei me questionando...
- Eles bebem muito, todas as noites... E eu, na noite passada...
- Ahhh, já sei! Você tomou um porre!?!? – perguntei, rindo...
- Não! – ele gritou com os olhos arregalados - Não, não.. eu só tomei duas... Mas sabe, Eduardo, eu não sou como eles... Eu sei a verdade...
Aí comecei a me assustar.
- Eles bebem todos os dias – ele começou a falar rangendo os dentes de raiva... – E eu sei coisas... Eu sei de coisas que eles não sabem...
Ok, pensei. Vou dar o fora daqui. Mas, antes, ele perguntou quanto tempo eu ficaria no hostel.
- Ainda tenho uns 10 dias – respondi.
- Ah, que bom! Eu acho que vou ficar mais ou menos isso também!
Eu sorri amarelo e sai do quarto de fininho. Puta que pariu. Durante o dia o cara vinha falar comigo e dizia que ele não era como os outros... que eu não era como os outros... Que ele sabia a verdade, que ele sabia de coisas... coisas importantes...
E então aconteceu a cena fatídica. Não sei quantos dias depois o louco perguntou se eu já tinha comido a tal pizza Chicago. Eu disse que não, e ele me convidou para jantar com ele, ali perto. Pensei: “ok, não tem perigo, uma pizza... e nem deve ser cara...”. Aceitei. Ele queria marcar um horário. Acertamos às seis da tarde, pois eu iria sair depois do almoço.
Voltei e às seis horas estava pronto. Ele me olhou e disse:
- Ah, a pizza! Espera aí que vou me arrumar.
Eu estava na sala de TV – na do fundo, não na da recepção. Fiquei lá, esperando. Então, de repente, ele entrou falando no celular... Estava discutindo... Fiquei me perguntando se tinha alguém do outro lado da linha mesmo ou era só imaginação... Dali a pouco ouvi uma voz... uma voz de mulher... E a discussão foi indo... 10, 15, 25 minutos. De repente, ele começou a chorar e a dizer: “eu sei! Eu sei que tenho que sair e conhecer pessoas! Eu estou fazendo isso!! Eu sei!!!”.
Nesse momento saí de lá. Fui para a sala de jogos aonde estavam os outros brasileiros. Comecei a imaginar que devia ser uma ex-mulher e que ele deve estar se separando e não deve estar aceitando bem, enfim... Claro, além de ser um desses fanáticos religiosos que não quer que ninguém beba ou use drogas... Entretanto, se esse era o caso, ele estava no lugar errado, pois toda a noite tinha gente bebendo por ali...
O pior é que o tempo foi passando e comecei a sentir uma fome do cão... Passou mais de uma hora e nada! Eu ia lá espiar e ele continuava no telefone. Até que entrei lá e disse que estava indo. Ele não respondeu, mas tenho certeza de que ouviu. Eu fui. Acabei comendo um subway mesmo e voltei.
Foi nessa noite que os japonesinhos que estavam hospedados lá começaram a fazer um show, cantando e tocando violão. Depois do show, sentei na recepção e chegou uma dupla de japoneses perguntando se poderiam me perguntar algumas coisas. Eu disse que sim, e então saquei que era algum trabalho de colégio. Eles disseram que aquela era uma excursão de formatura de High School. O engraçado é que eram só guris. Então, aproveitei a oportunidade para dar uma aula sobre Grêmio, explicando que o Renato Gaúcho é um dos melhores jogadores brasileiros de todos os tempos, que o Ronaldinho Gaúcho é um pilantra e que o Grêmio é o melhor time do Brasil. Mostrei vídeos no youtube e, então, fiz o teste:
- Qual ao melhor time do Brasil?
Eles responderam, convictos: Grêmio!
Isso aê! Ainda dei mais algumas explicações sobre a cultura gaúcha, mostrei a dança da chula, um pouco de funk carioca pra manter a nossa má fama, etc. Eles queriam saber se eu achava que o Brasil estava crescendo economicamente como a China... Botei a mão no queixo, fiz ar pensativo, e enquanto eu raciocinava “putaquepariu, mas que japinhas sacanas, como eu vou saber essa porra?”. Fiz cara de quem entendia muito do assunto, franzi a testa, e em tom professoral disse: “não... creio que não... A economia brasileira está crescendo, mas não taaaanto quanto a China, do you know?”.
Depois de mais alguns minutos de conversa, eles me agradeceram e saíram. Voltei para o Facebook até que dali a pouco, veio outro japonesinho perdido. Ele chegou enfiando a cara na tela do computador e perguntando “What are you doing?”. Tive que rir. Então foi a mesma função, mesmas perguntas, mesmas respostas. Mas, no meio da conversa, o louco voltou. E foi então que eu perdi qualquer dúvida de que o louco era realmente louco:
- O que aconteceu, Eduardo?
- Sobre?
- A janta! Você já comeu?
- Já...
Ele começou a mexer as mãos e a ranger os dentes como se fosse dar uma coisa. O japinha se assustou e perguntou se a gente queria que ele saísse, ao que respondi: “Não! Pode ficar, por favor...”.
Então, o louco começou a murmurar que não tinha comido nada o dia inteiro, colocando as mãos na cabeça... Aí lembrei que na noite anterior eu ofereci um pedaço do meu hambúrguer e ele comeu feito um louco mesmo... Acabei ligando os pontos: acho que a ideia dele era que eu pagasse a janta... Ele acabou se levantando furioso. Por um momento pensei que ele pudesse pegar uma arma e voltar, afinal, apesar de louco ele é americano e pode comprar uma arma em qualquer esquina... Fiquei de olho no louco e só dormi fui dormir depois que ele já estava roncando no quarto...
No outro dia, ele desapareceu. Nem sinal das coisas dele no quarto. Fiquei mais aliviado. Nos dias seguintes, acabei conhecendo dois brasileiros. E eu falei sobre o louco para eles. Eis que, numa noite, estávamos nós três na mesa de jantar quando o louco chegou. Eu murmurei para o Christofer, que estava do meu lado, “esse é o louco”. Só que o outro cara não viu. E ele ficou conversando e discutindo com o louco, enquanto a gente dava risada... E eis que o louco aceitou tomar umas long necks que a gente estava bebendo... Então, em pouco tempo eu e o Christofer saímos de lá, e depois, o outro brasileiro, que era mineiro e eu não lembro o nome, veio até nós e disse “meu, que cara maluco”. Nós rimos muito e eu disse, entre lágrimas, “ESSE É O LOUCO!!”. E então abandonamos o louco lá na mesa com uma long neck. No outro dia cruzei por ele durante o dia (pois ele havia trocado de quarto). Ele estava conversando com duas mulheres, mas quando me viu, fez cara de gente importante e me perguntou na maior das formalidades: “Eduardo, que horas posso falar contigo?”. Eu olhei no relógio e disse “bah, estou saindo e não sei que horas volto”. De noite, cruzei pelo louco e ele quis puxar assunto, mas depois da crise de loucura dele por eu ter furado com o lance da pizza, eu saltei fora. E ele estava fedendo, o que não faz muito sentido, pois mesmo que ele não tivesse dinheiro e estivesse desempregado, o banho no hostel era de graça...
Fiquei com pena das mulheres, pois ele provavelmente ele não tinha falado para elas que ele conhece a verdade e sabe de coisas... Apesar que, nesse país, vá saber! Quando vê o cara era um foragido do FBI ou um espião cubano infiltrado que foi descoberto e está foragido... É louco quem duvida!

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