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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Velha Nova York

Esse texto escrevi na semana passada, dando uma geral da literatura nova-iorquina, portanto, tem vários elementos que já usei em outros textos. Mandei para uma revista brasileira, mas como ainda não tive resposta de publicação, antes que ele caia no meu próprio esquecimento, popularizo-o entre eu e o meu leitor imaginário aqui, nesse humilde blog:

Quando cheguei a New York, cinco meses atrás, esperava encontrar uma cidade mais pós-moderna. Na verdade, no imaginário construído na minha mente, como na de muitos brasileiros, formada a partir dos relatos televisivos e dos filmes hollyoodianos que chegam até nós, New York City era praticamente a cidade habitada pelos Jetsons. Porém, aos poucos fui vendo que New York tem muito mais dos relatos feitos por escritores e jornalistas antigos do que pelas imagens futurológicas que vemos toda a hora na TV ou no cinema (ou nos filmes baixados pelo computador, IPad, Tablet e todas as geringonças do gênero).
Andando pelos bairros de Manhattan, passando por pubs irlandeses, como o Mc Sorley's, parece que ainda enxergo o pessoal da geração Beat e sucessores, sentados em seus bancos, tomando canecos de chope irlandês. Aliás, na entrada da taberna já está descrito: “nós estamos aqui bem antes de você nascer”. E o fato é confirmado no texto épico de Joseph Mitchel, que em seu Up in the old hotel (uma coletânea de reportagens e textos do jornalista, que dentre outros, escreveu “O segredo de Joe Gould”) descreve a taberna que foi frequentada por Hunter Thompson, Kerouac e pelo próprio Mitchel. Nesse texto, o jornalista conta a história dos criadores do bar, que funciona até hoje com a mesma decoração de quando foi aberto no século XIX, e descreve as peculiaridades do ambiente, a rudeza de seu dono-fundador, que não tinha nenhuma preocupação em agradar os clientes, como na placa que ele criou, e que também permanece lá, em que está escrito: “be good or be gone”. Entrando no bar, converso com o atendente e digo que Hunter Thompson bebia lá na sua curta passagem por New York City. Ele me olha, franze a testa e pergunta: “quem?”.
A mesma cena se passa em outros bares por onde a geração beat, Hunter Thompson e outros escritores e artistas passaram. Um exemplo é White House, bar também frequentado por toda a geração beat de Nova York dos anos 1950 e 60 e onde nenhum garçom havia ouvido falar de Jack Kerouac, Ginsberg ou Burroughs até eu lhes apresentar em um breve e impaciente discurso...
Mas, apesar do desconhecimento dos atuais garçons, clientes e atendentes, o clima desses bares parece o mesmo de décadas atrás. E, andando pelo metrô e pelas ruas de New York vejo uma série de Joes Goulds andando por aí... Para quem não sabe a história, Joe Gould era um morador de rua que conquistou Joseph Mitchel nos anos 1930 ao descrever ao jornalista o livro que estava escrevendo “A história oral de nosso tempo” e acabou se tornando famoso por isso, inclusive recebendo doações para terminar o seu “livro”. Apenas após a morte de Goe que Mitchel foi descobrir o que já desconfiava: de que “A história oral de nosso tempo”, que tinha como objetivo transcrever diálogos cotidianos de pessoas comuns, estava na verdade apenas na mente de Joe Gould. E, andando por aqui, em 2014, encontro vários caras desse tipo, que são escritores distribuindo pedaços de papéis com poemas, músicos tocando nas estações de metrô para ganhar algum Tip para pagar a bebedeira do final de semana, pintores que podem ser mais talentosos que Leonardo Da Vinci mas que estão ali, vendendo seus quadros por qualquer meia dúzia de dólares, pois há outros mil como ele na cidade fazendo a mesma coisa...
Essa é a cidade que vejo. A cidade onde muitos da geração do New Journalism fizeram carreira, como Tom Wolfe, Norman Mailer e Gay Talese. Aliás, uma das melhores descrições da New York contemporânea está no texto de um dinossauro do jornalismo. "A brief description of New York", escrito por Daniel Denton em 1670, apresenta uma descrição onde já aparecem expressões usadas até hoje, como “a cidade que não dorme” ou "a cidade do glamour". Nesse mesmo sentido, há textos de outros jornalistas que descrevem melhor a cidade do que os filmes ultra-futuristas de Hollyood, como os de Elizabeth Hanson (texto de 1728), James Cooper (1828), Richard Dana (1840), do escritor e fotógrafo Jacob Riis (1890) e, mais contemporaneamente, Joan Didion, e os já mencionados Talese e Wolfe.
Mas aí entramos em outra questão. Por que essa diferença entre a descrição feita por jornalistas antigos, no impresso, ser mais fiel à realidade do que as descrições feitas na Web ou na televisão de hoje? Talvez a resposta possa estar na frase que Gay Talese proferiu durante palestra que ministrou no Departamento de Jornalismo da New York University, no final do segundo semestre de 2013: "O que eu vejo de diferente entre o jornalismo de hoje e o do meu tempo é que antes você tinha mais liberdade para escolher o assunto e sobre como abordá-lo. Agora, por questões políticas e comerciais, o jornalista não escreve tudo. Ninguém fala para ele não escrever, ou não abordar determinados assuntos. Mas ele sabe que não pode escrever certas coisas".
Talvez por isso, posso constatar hoje, em janeiro de 2014, que New York City é muito mais o que está nos livros antigos do que a imagem vendida para turistas brasileiros que sonham em vir aqui para tirar fotos na Time Square e deixar alguns dólares em Tips para os americanos para fazer a máquina seguir rodando e rodando e rodando...

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