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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Mentiras nada sinceras

Terminei de ler, dia desses, o livro do Lobão: 50 anos a mil, escrito em parceria com o jornalista Claudio Tognolli. A obra, muito mais do que a autobiografia de um músico famoso e polêmico, é uma denúncia social em vários aspectos. Primeiro, a história da família de Lobão, em si, é a própria caracterização da falência da família cristã pós-moderna conservadora. O pai de Lobão era um ultra-conservador de direita e a mãe, além de conservadora, era superprotetora. A história da família é semelhante à de muitas pessoas, não só de classe média alta, como era o caso de Lobão, mas de todas as classes sociais. A infância de Lobão e de sua irmã, um ano mais nova, teoricamente foi feliz: regada a passeios em família, visitas a tios e avós, reuniões em sítios com tios, primos etecétara e tal. Porém, com a chegada da adolescência de ambos, o núcleo familiar acabou ruindo justamente por aquilo que teoricamente o sustentava: o conservadorismo.
Para vocês terem uma idéia, quando Lobão começou a tocar bateria, por pura diversão de um moleque de pouco mais de 10 anos, seu pai o pegou, colocou-o no carro e levou para uma praça, no centro do Rio, mostrar os mendigos que lá viviam. “Viu, assim termina a vida dos músicos”. De início, quando ainda era um guri, a lavagem cerebral feita por seus pais ainda funcionava. Tanto é que Lobão refugava sempre que surgia algum convite para entrar em alguma banda, pois seus pais queriam que ele fosse “alguém” na vida, e não músico... Mas, pais, avós, tios e outros que tentam surproteger os filhos com idéias hiperconservadoras e falsas ilusões (do tipo: morar em um sítio é melhor que em uma cidade grande porque é violenta etc, etc, etc) não podem evitar o óbvio: um dia a criança vai se tornar adolescente e entrará em contato com o resto do mundo e verá que as coisas não são exatamente como seus tutores lhe falavam que eram. E isso aconteceu com o Lobão e com sua irmã.
Além dessa descoberta, que acontece na vida de todos, em um período em que a onda “experimente todas as drogas” estava no auge, Lobão e a irmã acabaram se tornando tudo aquilo que seus pais mais repugnavam: usuários de todos os tipos de drogas e, no caso de Lobão, músico. A partir de então, a família de Lobão nunca mais foi a mesma, e o fim de seus pais vocês já podem imaginar (não vou contar, mas quem quiser saber, pode ler o livro).
Resumindo a história toda, um terço da obra é usado para descrever toda essa situação, apesar de que, mesmo depois que se tornou músico famoso o fantasma da família sempre acompanhou a trajetória de Lobão. Já no restante do livro são relatados fatos históricos, como por exemplo, a relação de Lobão com outros músicos consagrados, como Hebert Viana, Lulu Santos e Cazuza, além de uma rápida e forte menção feita a Renato Russo.
Entretanto, a maior denúncia social da obra vem quando Lobão narra as suas prisões, sofridas por porte de drogas. Na época, o músico foi eleito o símbolo do que a parte conservadora do judiciário, do campo político e da polícia combatiam e, com isso, sofreu inúmeras perseguições e abusos. No caso dele, o fato de ser famoso não ajudou. Muito pelo contrário, só atrapalhou. No livro ele conta, por exemplo, uma prisão em que os policiais acabaram cheirando o pó que Lobão portava. Em outra parte, ele narra a perseguição que a polícia e as autoridades locais, das cidades em que Lobão tocava, faziam contra seu público, efetuando verdadeiras operações pente fino em seus shows.
Enfim, os pormenores de tudo isso valem a pena de serem conferidos no próprio livro. E, para os adultos de caráter podre que acham que conseguem comprar a atenção das crianças à força, com falsas promessas e mentiras ilusórias, fica o exemplo do Lobão: o contato com o mundo real é inevitável. Aliás, em música Cazuza certa vez disse: “mentiras sinceras me interessam”. Mas, muitas das mentiras contadas às crianças não são nada sinceras e nem têm boas intenções...
Um bom resto de semana a todos.

*Texto publicado em A Tribuna Regional.

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