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quarta-feira, 28 de julho de 2010

Dança caliente

Um copo de vinho. Uma lareira. Um retrato. Como se os três fossem um. Colocou uma rosa em sua frente, bebericou um gole do vinho, olhou para o retrato e cheirou a rosa. Ligou uma música tântrica e começou a dançar no meio da sala, em frente à lareira, com a rosa pendurada entre os dentes. Dançava como se fosse a última dança da vida e beijou o retrato da mulher que estava em cima da mesa, como se fosse a única mulher que habitara seu coração em sua vida, que sempre fora tão ardente como as chamas que exibiam-se e dançavam extrovertidamente em sua frente.
Olhou para os olhos sólidos que estavam naquele retrato e, como se fosse mágico, fez aquela moça séria, de cabelos que variavam entre o preto, o loiro e o vermelho, sorrir naquela imagem estática, e naquele olhar trôpego, que estava fixado a um palmo de seu nariz, ficou hipnotizado. Largou o retrato, colocou a rosa em cima dele, pegou um toco de lenha, e passou a dançar com ela. Ah, como és linda, minha mulher, minha menina, minha garota, minha lenha, minha fêmea. Como quero beijar-te! E, subitamente, beijou apaixonada-e-loucamente a lenha, como se a dona da boca do retrato estivesse ali, grudada em seus lábios.
“Vamos dançar, meu amor”, murmurou para o toco de lenha, enquanto se aproximava da mesa e tomava mais um gole de vinho.
- Tu és linda, sabia?
- Você deve dizer isso para todas.... – respondeu timidamente aquele toco de lenha.
- Não! Você é única! Nunca vi um olhar como o seu. Nunca senti tanto calor estando colado junto a um corpo tão perfeito quanto o seu. Nunca senti meu coração estar tão amarrado a outro como o meu está agora amordaçado a você. Tu és minha alegria, minha dor, minha tristeza, minha princesa, minha rainha, minha dona, minha amante, minha mulher, minha força, minha esperança, meu futuro, meu tudo, meu nada, minha tragédia, minha consagração, minha viagem, minha viúva, meu esplendor, meu sossego e meu desassego...
- Você está exagerando...
- Não estou...
- Está sim! Você me faz sofrer.
- Você me faz amar.
- Mas eu nem te conheço.
- Mas eu te conheço desde que nasci.
- Mas hoje é o primeiro dia em que coloco meus olhos nos seus.
- E é o primeiro dia que alguém arranca meu coração com um olhar.
E nesse momento, ele volta a beijar loucamente o pedaço de lenha. Os dois começam a girar e a rodopiar em frente à lareira.
- Pára! Você deve me jogar no fogo.
- Não jogarei! – responde ele, enxergando no toco de lenha o rosto do retrato que estava sobre a mesa.
- Joga! É preciso!
- Então vou pular com você!
- Não! Não! Você não pode! Eu não sou sua...
- Não és minha?
- Não, nunca fui. Eu sou das chamas!
- Das chamas?
- Sim, das chamas!
- Então fique aqui.
E ele larga o toco de lenha em cima do sofá, enquanto se atira no fogo da lareira para esperar o seu amor nas chamas quentes da eternidade.

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