Sabe com que está falando?
Do ano passado para cá, tenho participando do projeto Locast, desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um dos centros universitários de educação e pesquisa tecnológica mais modernos do mundo. O projeto, coordenado pelo professor da PUCRS, Eduardo Pellanda, é desenvolvido em parceria com a própria PUCRS (com a participação de alunos de graduação e pós) e do grupo RBS. Na primeira etapa, nós (alunos) e jornalistas do grupo, realizamos coberturas jornalísticas utilizando apenas o telefone celular. A idéia do instituto é testar a ferramenta como um meio para viabilizar, ou, pelo menos, tornar menos amadora, a participação do cidadão no fornecimento de material jornalístico para os meios. Ou seja, a pessoa está no local do acontecimento, filma, tira fotos, e depois pode participar da produção jornalística, ao melhor estilo jornalismo-cidadão.
No entanto, essa idéia nada mais é do que a lógica da relação entre qualquer pessoa e os meios tecnológicos, com a combinação celular-vídeos-fotos-internet. Aí entra também a questão dos limites da rede, como abusos, etc, mas essa é outra discussão. O fato é que eu, como muitos, recebi um vídeo (postado no Youtube em 1° de maio) envolvendo um vereador santo-angelense, onde o cidadão filmou o nosso legislador humilhando um garçom em um bar. Ou seja, esse fato tem potencial jornalístico, pois envolve uma figura pública, enfim, um legislador.
Segundo o autor do vídeo, o vereador estaria fumando no local (atitude proibida por lei municipal) e, quando o garçom solicitou que ele parasse de fumar, veio toda a irritação, acompanhada de frases do tipo: “você sabe com quem está falando?” e “quer brigar?”, além de palavrões que não posso publicar aqui, em respeito ao vosso leitor. Complicado. Confesso que sou um desiludido com a política, mas quando vejo matérias como as do repórter Gioavani Grizotti (que tive a honra de conhecer e aprender com ele quando fiz estágio na Rádio Gaúcha), filmando vereadores na praia com dinheiro público, ou um simples vídeo desses, que demonstram que alguns políticos utilizam o discurso para conquistar votos, dando lição de moral de cuecas, como possivelmente diria meu falecido avô (que lutou na Segunda Guerra como pracinha e que não tinha medo de vereador encrenqueiro) no palanque da Câmara de Vereadores, fico estupefato.
Inclusive, essa posição do “sabe com quem está falando?” é um divisor de águas entre a cultura americana e latina da européia (aconselho aqui “Sobre a liberdade”, de Stuart Mill). A maioria da população americana e latina quer o “poder”, em qualquer grau. O segurança de uma boate pode pensar que está acima das leis, e até de Deus, por ser musculoso e ter “credencial” para tratar mal qualquer um que questione suas ordens, afinal, ele tem o “poder” legitimado pelo dono da boate, que na concepção dele, é alguém importante na sociedade. Não estou questionando aqui se os donos de boates são ou não importantes, mas não é por ele ter uma quantia “X” de dinheiro que ele será importante, no sentido de ser fundamental para o andar da sociedade.
Enfim, bem como o segurança de boate (não me refiro a todos, é apenas um exemplo), os próprios jornalistas podem se portar dessa maneira, como destaca Eugênio Bucci, da Folha de São Paulo: “O jornalista não está autorizado a fazer nada que o cidadão não esteja autorizado a fazer. O jornalista não está acima do cidadão. Isto é fundamental. Devo dizer, no entanto, que há especificidades. Por exemplo: o jornalista pode reservar o sigilo da fonte e o cidadão comum não. São diferenças muito sutis”. E, assim como o jornalista não está acima do cidadão, um vereador também não está nem um pouco acima de um garçom ou de um segurança de boate que está exercendo o seu trabalho. Mas infelizmente, em nossa sociedade pós-moderna, vale o refrão daquela música de Humberto Gessinger: “todos iguais, tão desiguais”. Até quando?
O link para o vídeo é: http://www.youtube.com/watch?v=OtMCFer7XbI
2 Comentários:
isso aí manuxo! curti teu texto! tal vereador foi a favor da própria lei que proibe fumo em lugares fechados...hahahah deusolibre!
Por Carolina, às 14 de maio de 2010 às 12:47
porra alemao, grande texto!
Por Zaratustra, às 17 de maio de 2010 às 13:10
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