.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O infortúnio de Otávio

Otávio não acordou muito bem naquela manhã. Ou melhor, não acordou de muito bom humor. Pressentia que aquele não seria um bom dia. Aula de manhã cedo não é algo que favorecia o humor de Otávio. E ao ouvir o despertador tocar às 7h da manhã, teve vontade de matar alguém. Levantou-se de cara amassada e amarrada praguejando contra o frio, contra o sono, contra o seu corpo esgualepado, contra a merda do nariz que estava completamente entupido e cheio de ranho, e principalmente contra o chuveiro, que insistia em soltar no máximo uma água um tanto morna, mais para fria do que para quente. Ele ali, arrepiado da cabeça aos pés de frio, com o bilau encolhido como aquelas minhocas que ficam anos debaixo de uma pedra, tentando fazer aquela bosta de água esquentar. Esperou um pouco, até que respirou fundo, resmungou mais um “fiadaputadesseinvernodocaraí” e se enfiou debaixo daquelas gotas que caíam um tanto tortas, sofregamente, lá do alto.
Enquanto esfregava o sabonete no sovaco se questionava quando as coisas iriam mudar, quando deixaria de ser pobre e de levar no rabo da vida todos os dias, quando teria uma vida digna e a altura da sua raiva que ia além do frio e do sistema. Nos momentos mais deprimentes, chegava a desejar a morte para rever os seus pais, que o deixaram ainda na adolescência. Primeiro foi a mãe, quando ele estava com 12 anos. Viu o seu chão se abrir, a sua vida desabar. Quando começava a recuperar as forças, dois anos depois, foi a vez do pai. Teve que se virar, e depois de muito ralar o rabo, conseguiu ingressar na faculdade de Direito. No entanto, ainda não conseguia ver uma luz no fim do seu túnel. Enfim, depois de pensar nisso tudo e numa porção de outras porcarias, se vestiu e foi para a faculdade. Era primeiro dia de aula. Estava no segundo semestre e ainda não tinha feito nenhuma amizade verdadeira. Na verdade, não simpatizava muito com nenhum dos colegas. Tinham a pinta de serem “doutores advogados” que andam de peito estufado e nariz esnobe, como dizia a sua avó, Hortência. Otávio queria ser advogado, mas não queria ser um deles.
Como não estava bom da cara, sentou-se na última carteira da fila mais longe da porta e do professor possível. Ao seu lado, estava sentado um sujeito na qual nunca tinha visto, que o cumprimentou sorridente. Otávio retribuiu o cumprimento, contrariado. Começou a observar o cara. Boa pinta, bem vestido, barba bem feita, sorriso pronto para qualquer situação, sem aliança nos dedos. Um solteirão. 30 e tantos anos, calculou. A aula começa e Otávio não tira os olhos do sujeito. O que se passa na cabeça dum cara como esse? Deve se achar imortal. Um garanhão típico, do tipo que come a mulher dos outros. Pensou imediatamente na namorada, a Olívia. Sempre achara o nome da amada estranha: Olívia, igual a do marinheiro Popeye. Era morena, tinha um belíssimo corpo, malhado, rosto talhado à faca, um olhar lindo, e se vestia bem pacas. Enfim, o tipo de mulher que por onde passa, todos ficam olhando. No entanto, ele sabia que também não era fraco. Otávio era o cara que sempre se deu bem com as mulheres, e tinha plena consciência que havia uma porção delas querendo roubá-lo de Olívia. Porém, só tinha olhos e pensamentos para a namorada. Fazia três meses que estavam namorando, e nunca estivera tão feliz em seus 23 anos de vida. Só que, olhando aquele sujeito com mais de 30 anos, sarado, bem vestido, com sorriso colgate naquela cara deslavada, não teve dúvidas: estava ali um homem que daria em cima de qualquer mulher, inclusive de sua namorada. E mais: teria boas chances de seduzi-la. Sim, porque sabia que o maluco tinha a manha. Enganaria a pobre e inocente Olívia. Fingiria ser apenas um amigo, se aproximaria, puxaria assunto como quem não quer nada. Bem vestido, bem empregado, malhado. Confiável. Um tratante. Já via mentalmente Olívia conversando com aquele desgraçado, entre uma risada e outra. Na despedida, entrega o seu número e inventa uma desculpa qualquer para ligar. Convida para tomar um café uma hora dessas, e ela pensa “por quê não? Não tem nada de mais...”. Maldita, está quase no papo. O sujeito, repentinamente olha para Otávio, que já está com vontade de esganá-lo. Aquela cara de Latino está com o falso e maldito sorriso de garanhão, de quem se da bem na vida, de quem veio ao mundo como quem vai a uma festa de arromba.
- Você tem esse livro que o professor falou? – pergunta o sujeito para Otávio, que não responde, pois está em outro planeta.
- Desculpe... Você tem esse livro? – insiste.
Enquanto isso, na cabeça de Otávio, o elemento já está segurando Olívia pela cintura, como quem não quer nada, e vai falando cada vez mais perto do ouvido dela, que inocentemente vai caindo na lábia do larápio. Nisso, Otávio range os dentes, levanta de sua classe, segura o cara pelo colarinho, e entre um soco e outro berra:
- Isso é para você aprender a não dar em cima da mulher dos outros, seu filho da puta desgraçado! Vou deixar sua cara desfigurada de tanta porrada!
Depois de esmurrar o próximo, Otávio foi expulso da aula, da faculdade e ganhou uma vaga no Presídio Central. Lá, erguendo barras de peso improvisadas com tijolos, concluiu: um dia de mau humor pode destruir uma vida. No caso duas, porque o sujeito teve que fazer uma cirurgia na cabeça devido aos tumores provocados pelas pancadas de Otávio, não resistiu, e morreu. Assim como morre um conto.

2 Comentários:

Postar um comentário

<< Home