Conversa de bar – O retorno
Ainda tomava o primeiro copo, quando resolvi sair do balcão e me acomodar em uma mesa, onde eu, meu amigo, e os outros clientes (quatro), e o tio (do outro lado do balcão), formávamos uma espécie de mesa redonda. Na verdade eu fiquei mais ouvindo as conversas, do que propriamente dando palpites. E as discussões eram as mais filosóficas possíveis. Eis que, em meio a discussão sobre o próximo presidente do Brasil, um diz, dedo indicador da mão direita em riste, enquanto um copo de conhaque é segurado na mão esquerda:
- Não adianta se preocupar com isso. Nós estamos atrasados. Daqui alguns anos não vai mais ter essa de presidentes. Vai ser um presidente só. Para o mundo todo. É o Estado Único! E sabe qual vai ser esse presidente? – perguntou em tom desafiador para o outro, que também com um copo de conhaque na mão, respondeu:
- Não.
- O presidente do futuro se chama Globalização!
- Psssss. Mas a gente não vai ta vivo pra vê isso – disse o outro.
- Ta, mas isso não nos impede de discutir o negócio.
E seguiram com a discussão.
Já um senhor, que deve ter mais de 70 anos, cabelo bem branco, e voz de locutor de rádio, estava indignado com os comunistas.
- Eles são que nem barata. Todo mundo pensa que sumiram, mas ficam ali, embaixo, no subterrâneo, e quando menos se espera eles voltam! E pior que quem não conhece a história acredita no papo deles. Matar eles é como matar o corpo. Mas a alma fica! E eles voltam! – dizia em tom de profecia para o meu tio, que sem muita paciência, com a testa franzida caracteristicamente balançava a cabeça como se concordasse, mesmo sem estar se lixando para as pirações do velho, que em outros tragos em outros dias, xingava e ameaçava os negros que passassem na frente do bar. No entanto, quando ele deu uma declaração racista, o outro cliente, que é uma mistura de Eduardo Bueno (o Peninha) com algum integrante da banda Ramones (mesmo estilo de cabeço, narigudo, alto e magro) disse:
- Cuidado com essa posição de ditador que quer exterminar quem está fora do sistema. Um dia alguém toma conta da situação e não vai com a cara do senhor, e aí é o senhor quem vai para a guilhontina.
O velho ficou olhando para o interlocutor, como se estivesse na dúvida se quebraria a garrafa na sua cabeça, ou mandaria à merda. Mas não fez nada. Volta e meia o velho repetia “são que nem baratas! Você mata o corpo, mas a alma fica! Não tem como exterminar essa praga do comunismo!”. Lembrei da minha amiga revolucionária, terrorista, Lara Nasi. Ainda bem que ela não estava ali, senão haveria a terceira guerra mundial naquele bar. Aliás, a terceira guerra foi outro tema debatido.
- A terceira guerra vai ser dos americanos contra a China!
- Mas a China não tem cacife para os americanos.
- Mas daonde? Os viatnamitas colocaram os gringos pra correr.
- Mas a gente não vai ta vivo pra ver isso – insistia o outro.
- Vai ser contra o Japão – disse um senhor que estava sentado em outra mesa.
- Vai ser contra o Brasil – brincou meu amigo.
- O Brasil não tem exército. Uma vergonha um país desse tamanho, com todas as riquezas, não ter exército que preste.
- Aqui em Porto Alegre, diz que dão sopão com azeite quente e baratas mortas pra milicada, um cara me contou outro dia.
- O exército é um mal necessário – disse o velho, que olhando para os lados, completou, como se estivesse em plena ditadura militar – sei que se entra um milico aqui ele me prende, mas é verdade. O exército é uma porcaria que tem que existir. Mas do jeito que está, não fizemos frente nem para o Uruguai.
- Para o Uruguai? – indagou o clone do Peninha – aí o senhor está avacalhando. Para a Argentina até pode ser, mas o Uruguai não existe.
E assim seguiram as discussões, até que o clone do Peninha percebeu que eu só observava e dava risada.
- Esse guri aí, fica quieto só rindo....
- Esse é jornalista. Cuidado que ele põe tudo no jornal amanhã – disse o outro senhor, que me conhecia.
- Ah, então é por isso. Ele deve estar pensando “que que essa velharada bêbada fica falando bobagem?” – e se matou de dar risada, tomando mais um gole de canha.
- Sou sobrinho do seu Ritter – expliquei.
- Ah. Mas é jornalista... então, o que tu acha da terceira guerra?
- Eu não sei de nada.
- E dos comunistas ?– perguntou-me o velho.
- Não sei de nada e não conheço nenhuma Lara Nasi – retruquei.
Um pouco depois, começaram a discutir a origem da humanidade.
- E o que adianta saber de onde a gente veio? Não vai mudar nada, se foi do Adão e Eva, ou se foi da evolução do macaco.
- Da evolução do macaco eu sei que não foi! – bradou o velho.
- E do Adão e Eva também não, isso é literatura, mitologia, sei lá eu.
- Então, se não foi nem do Adão e nem do macaco, de onde viemos? – indagou filosoficamente outro.
- E eu vou saber? Não sei nem de onde veio esse negócio que estou tomando...
- Eu sei que bíblia é metáfora. – falou professoralmente o irmão perdido do Peninha – Não me venham com essa de Moisés que abriu o Mar Vermelho. O único cara que abriu o mar vermelho foi um comandante da BM. Lembro como se fosse hoje: era grenal, e um cara da torcida do Inter foi atirar uma daquelas bixiguinhas de mijo na torcida do Grêmio e acertou a cabeça do comandante. Aí ele foi lá, e literalmente abriu o mar vermelho para prender o maluco.
E assim seguiu a conversa por mais algum tempo, até que fui embora, antes que perdesse o último ônibus para o Partenon. E você, já viu alguém abrir o mar vermelho, além do comandante da BM? E o que acha da terceira guerra? E dos comunistas???
4 Comentários:
Fala Dudu. Definitivamente para nós que trabalhamos na área, há uma definição sobre o pensamento das outras pessoas, sobre nosso oficio.
Além de sermos Jornalistas, temos que saber História também.
É Buuuuucha
Abraços amigo, e o blog soudeijui não é meu não ....
Por BritoAJ, às 16 de maio de 2009 às 15:29
Cara, opiniao formada sonre tudo isso aì ainda nao tenho, precisaria tomar umas no bar do teu tio.
Mas me lembro que nas minhas conversas de bar, ja criei multinacionais e fiquei rico o suficiente pra dar vida boa a meus ancestrais atè a terceira guerra.
mas isso tb nao importa
Por Zaratustra, às 16 de maio de 2009 às 15:29
Eu só sei que não sei de nada e tb não conheço nenhuma Lara Nasi de sobrenome sugestivo.
vai ver q é uma barata!!!!
Por Simone de Beauvoir, às 18 de maio de 2009 às 10:35
genial essa conversa! fiquei torcendo pra versão peninha do Joey Ramone dar uma porrada nesse velho nazista do caralho aê! e tu, vê se desce do muro, rapá!
Por ababeladomundo, às 22 de maio de 2009 às 06:57
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