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quarta-feira, 7 de maio de 2008

O sonho vivido na janela


A única coisa que ele queria era vê-la passar todos os dias, em frente da sua casa. Era ainda menino, não tinha dez anos completos. Mas mesmo assim, todos os dias, naquela mesma hora, lá ia ele para a janela e ficava com os olhinhos fitos na esquina, esperando o momento em que ela dobrasse. E quando a avistava, o mundo parava, seus olhos brilhavam, sentia um leve tremor por todo o corpo, a boca secava, o frio na barriga chegava, mas mesmo assim, vendo aquele corpo cinco anos mais velho do que o seu, aquela mulher que na sua concepção já era mais do que feita, com coxas grossas, dois seios que pareciam duas gelatinas saborosas saltando pelo decote da blusa, ele se enchia de coragem, um calorão tomava conta do seu corpo, e ele assobiava.
A garota mais velha balançava a cabeça tentando esconder o sorriso malicioso que escapava pelo canto dos lábios, e ela resmungava em tom quase inaudível: “boboca”. Ele tentava adivinhar o que ela teria dito, mas desconfiava que era algum tipo de xingamento. Às vezes ela se atrasava, demorava, e enquanto ele fitava a esquina via imagens estranhas, como um garoto vestido de anjo, andando de skate e fumando um cigarro, ou senão um cachorro de três patas, mancando. Mas o pior era quando vinha um grupo de garotos que estavam saindo do colégio na sua frente, ou uma dupla de gordas que ocupavam a calçada inteira, e ele perdia preciosos segundos para vê-la. E quando tinha alguém por perto, aquela coragem, aquele calor que lhe fazia puxar o ar, encher os pulmões e soltar o assobio malicioso, iam todos pelos ares. Quando isso acontecia, seu corpo se enchia de angústia e odiava mortalmente quem estivesse por perto. Tinha vontade de saltar da janela e estripar todos aqueles corpos. Porém, enquanto estava com os olhos fitos no seu caminhar, que vinha rebolando na sua direção, ele conseguia mandar o ódio para o espaço e ficava tomado de satisfação, misturado a tristeza, misturado com desejo, angústia e uma dosezinha de algo que ele ainda não sabia definir o que era.
Outras vezes ela aparecia com um grupo de amigas, e elas passavam conversando animadamente pela sua frente, soltando gargalhadas e conversando coisas que ele não conseguia entender. Geralmente ouvia algum nome masculino em meio aos murmúrios. E quando elas passavam dando “bobeira” para outros garotos, ele se odiava por ser mais novo. Era como se ele mesmo fosse culpado por ela não lhe colocar os olhos.
No entanto, certa vez ela passou acompanhada de outro garoto. Dessa vez a raiva que ele sentiu não foi de si mesmo, e sim, bem no fundo, a raiva era dela. Como ela poderia estar andando com aquele garoto de cabelos longos, calças largas, na frente da sua casa? Era um desrespeito mortal para com seus sentimentos. Lastimável, lastimável. Mesmo assim, ele a perdoava. E quando em determinado dia ela passou cabisbaixa enquanto duas meninas caçoavam dela, a vontade que teve foi de ir até a rua, esganar as duas e resgata-la para dentro de casa, para dentro de seu sonho, onde ninguém nunca poderia machucá-la nem magoá-la. Nesse sonho, ele, com 9 anos, e ela, com 14, seriam felizes para sempre, ambos com a mesma idade, sem ficar velho. Ele ficaria olhando a sua beleza e descobriria todos os segredos ocultos que se escondiam atrás daquele rosto lindo, e ela também descobriria os seus, e acharia graça de seus medos e seus fantasmas, e os dois ririam juntos caminhando por um gramado de mãos dadas.
Porém, a realidade era dura. Era crua. Não permitia sonhos. Não permitia amores. Pelo menos para um garoto da sua idade.
E numa tarde fria de inverno, ela não passou. E também não passou no segundo dia, nem no terceiro. O que teria acontecido com o seu anjo? Com a sua inspiração? Com a sua alegria em vê-la passando todos os dias na frente de sua casa? A quem esperaria agora??? João Guilherme não sabia. Com nove anos, ele não tinha mais idéia de que rumo tomaria a sua vida. E foi com esse pensamento, que ele pegou tristemente o cobertor no seu quarto gelado e ficou deitado durante algumas horas com um nó sufocando a sua garganta enquanto as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto antes de adormecer e voltar a ser feliz em seus sonhos.

3 Comentários:

  • É! Acho que todos nós, em algum momento, já estivemos nessa janela. Já sonhamos esses sonhos, já perdemos alguns quilos por estar apaixonado e choramos a fantasia desfeita quando a vida real nos cobra os pés no chão.

    É a vida!
    Acho que tenho um pouco do João Guilherme.

    Muito bom o texto!Gostei de verdade.

    Por Blogger Espaço Diverso, às 8 de maio de 2008 às 09:50  

  • mto bom manuxo! bem bonito!
    mas um guri de 9 anos se apaixona?
    guri eh mais retardado q guria, com 9 anos ker jogar bola hauahuahauhau
    mas bem bom
    bjuss

    Por Blogger Carolina, às 9 de maio de 2008 às 13:45  

  • Os sonhos de criança são mesmo especiais, provavelmente nos acompanharão sempre, estaremos sempre esperando aquela fantasia se realizar, gostei muito de seu texto Eduardo, parabéns

    Por Blogger Cristiane Campos, às 9 de maio de 2008 às 13:56  

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