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segunda-feira, 28 de abril de 2008

O aniversário maldito


Rudiero havia terminado com a namorada há poucos dias. Não dava mais para agüentar. Era muito ciumenta, detestava a família dela, e a família dela também o detestava. Isso desde o início, quando foi conhecer os velhos, e o sogro, ou melhor, ex-sogro, se implicou que ele estava “só” trabalhando com o pai. “Mas e quando você vai estudar e ganhar bem?”, perguntou o velho. “Olha, estou pensando somente no meu trabalho no momento, quem sabe futuramente...” e não conseguiu completar a frase, pois viu que os olhos do velho estavam fixos nos seus, somente esperando por um tropeço para golpeá-lo. O velho soltou apenas um “hmmmmm”, e a velha largou a indireta: “tem gente que não sabe o que quer da vida”. Ele olhou para Andréia, sua namorada, e ficou suplicando uma ajuda, que não veio. Mas os olhos dela demonstravam que ela o entendia. Sabia que seus pais não perdoavam. O problema foi que, devido ao seu gênio explosivo, a relação entre ele e a família dela se tornou insustentável. Primeiro, ia lá e batia boca. Discutia sobre tudo: futebol, política, religião, cor do carro que ele compraria depois que estivesse casado com a Andréia, tudo. No fim, sempre ia embora emburrado e prometendo nunca mais voltar lá. “Agora, só saio contigo para passearmos em algum lugar longe de nossas famílias”. Dizia isso, porque a mãe também não gostava nenhum pouco da nora.
Certa manhã, acordou, abriu a porta do quarto, e flagrou ela conversando com a empregada sobre a nora. “Ela é meio devagar, não sabe cozinhar, não limpa nada, e ainda por cima está fazendo cursinho pré-vestibular. No mínimo vai embora no final do ano e vai deixar ele chorando de novo”. O "de novo" era por conta da outra ex-namorada de Rudiero, que o abandonou para fazer um intercâmbio nos Estados Unidos. A princípio, não terminariam o namoro. Até que ela veio com uns papos de que com a distância ficava difícil e tudo mais, e quando resolveram romper, passaram-se duas semanas e ela já estava cheia de fotos novas no orkut com o namorado americano. “Desgranida. O próximo atentado do Bin Laden vai ser no pátio da casa dela, vai ver”, dizia para si mesmo enquanto rasgava todas as fotos da ex-namorada em mil pedaços.
Agora, fazia menos de um mês que havia terminado com Andréia. Tudo por um prato quebrado. Os sogros estavam viajando, os dois estavam sozinhos na casa dela, ele estava tirando os pratos da mesa, e um deles escorregou e se espatifou no chão. Ela virou o diabo e ofendeu-o tanto, que ele virou as costas, juntou suas coisas e foi embora. Ele se justificava para cargos de consciência, dizendo que sempre era xingado e maltratado pela namorada, e estava cansado de xingá-la também. Nos piores pegas, era “filha da puta” pra todo o lado. Mas dessa vez não quis responder, apenas a deixou. Sem rancor, sem raiva, sem choro, sem arrependimento. O que o surpreendeu foi que ela aceitou tudo na boa, inclusive, gostou da idéia. “Acho que é melhor assim”, disse ao telefone no outro dia. E para piorar ainda mais a situação, já ficara sabendo que ela andara saindo e ficando com antigos rolos. Ele, no entanto, aceitou bem, até porque em um período de três semanas também já havia encontrado outras duas possíveis namoradas futuras.
A primeira era loira, baixa, com coxas fartas, busto arrebitado e gostava de usar uma blusinha que deixava aquele umbigo redondinho de fora. Chamava-se Fernanda. Apesar do corpo escultural, não era tão bonita de rosto. Parecia que tinha o nariz desproporcional ao tamanho dos olhos, que não combinavam muito com as orelhas. Já a segunda, que conhecera dois dias depois da primeira, era morena. Tinha praticamente a mesma altura que ele e era linda de rosto. Seu nome era Manuela. Os cabelos escuros combinavam com os olhos, e a boca se encaixava perfeitamente naquela face que parecia ter sido esculpida a faca. Por outro lado, não tinha o mesmo corpo da Fernanda. Era reta, sem bunda, ou, como dizia o seu amigo Chacota, uma legítima “sem sal”. Mas ele gostava dela, principalmente do olhar e do sorriso.
Classificava a relação com Fernanda como algo mais carnal e seu namorico com Manuela como uma coisa mais espiritual. Simplesmente sentia-se em paz com ela, enquanto que com Fernanda ficava mais agitado e, enfim, excitado mesmo.
O tempo foi passando, e ele não se decidia. O fato de morar na Lapa, enquanto Fernanda morava em Botafogo e Manuela no Flamengo também facilitava. O problema foi quando completou 8 meses de namoro com as duas, data que coincidia com o seu aniversário. Ambas ficaram ansiosas para comemorar a troca de anos dele em sua casa e finalmente conhecer a família de Rudiero. Tinha feito a burrada de prometer para ambas, quando perguntavam da sua família: “quero te apresentar aos meus pais numa ocasião especial...”. Então pensava, franzia a testa, e com ar grave, exclamava: “Já sei! No meu aniversário!”. Pois é, agora a data se aproximava como um leão se aproxima de sua presa em uma corrida incessante. Estava levando na boa o namoro com ambas. Em casa, ninguém nunca se preocupou, já que trocava de namorada praticamente de mês em mês, mas nunca tivera duas ao mesmo tempo. Até pegava algumas por fora quando arranjava uma fixa, mas nunca nada sério duplamente. Quando os amigos faziam perguntas, piadinhas ou o criticavam, ele respondia seriamente, com ar profundo: “a única coisa que eu quero é amar as duas criaturas profundamente...” e suspirava. Até respondia que aceitaria que elas namorassem outros caras. “Não quero nada em troca, apenas poder amá-las”.
Quando ele não estava, a discussão em torno disso era calorosa. Muitos planejavam até dar em cima de uma delas para ver até onde o discurso de Rudiero era verdade, mas o temperamento explosivo do amigo acabava por acovardá-los.
Mas dessa vez era o Rudiero quem estava acovardado. O que fazer? Durante a semana dividia as atenções. Como trabalhava, ficava com uma de segunda à quarta-feira, dizendo que tinha muito trabalho de quinta até domingo. A distância entre os bairros facilitava o afastamento nesses dias. Já para a outra, dizia o inverso: que não tinha tempo nem para respirar de segunda até quarta, mas depois, dava uma aliviada. Sempre quando chegava cansado no primeiro dia dos encontros, ia logo se desculpando: “trabalhei muito, minha paixão, vamos deixar para namorar amanhã”. E realmente cumpria a sua promessa, e os dias seguintes eram de paixão intensa. Mais carnal com Fernanda, e mais sentimental com Manuela.
O problema foi o diabo do aniversário e a maldita promessa. Levar uma em casa de manhã até o meio dia, e outra de tarde até de noite era impossível. Seu pai até aceitaria e acharia bonito, mas sua mãe jamais perdoaria. Os dois estavam divorciados desde que completara 15 anos, mas não faltavam a um aniversário do filho. Inventar uma desculpa, uma viagem? Isso, uma viagem. Teria que viajar a trabalho e passaria sozinho o aniversário. Apenas com a família. Faltando dois dias para a data, telefonou para as duas. Fernanda aceitou numa boa, não fez muita questão. Rudiero primeiro se sentiu alegre, depois aliviado, depois estranhou. Como assim, “tudo bem”? Não insistiu nem um pouquinho... Depois, ligou para Manuela, que teve a mesma reação. Desligou o telefone e ficou cinco minutos pensando, com as mãos sobre as coxas, olhando para o armário tapado de adesivos do seu tempo de adolescência.
Para buscar consolo, acabou ligando para Andréia, que a essas alturas já estava namorando com outro. Era o diacho. Ligou para ex-namoradas, ex-rolos, e nada, ninguém queria ele no seu próprio aniversário! E agora? Mal imaginava ele que o pior ainda estava por vir. Na véspera do aniversário, seus pais anunciaram uma reconciliação e na empolgação do amor reatado resolveram viajar para Natal para passar uma segunda lua de mel. Rudiero ficou desolado. Acordou no dia do seu aniversário e não encontrou ninguém. Fez um ovo frito com arroz no almoço, acompanhado de um suco de saquinho de uva. De tarde, comeu uma bacia de pipoca com guaraná. De noite, quando já estava a ponto de tirar no cara ou coroa se iria optar pelo suicídio ou não, olhou para o seu cachorro Banzé, abriu uma garrafa de Velho Barreiro, ligou “Sucessos de 1995” no som e passou a embebedar-se. No outro dia, o corpo de Rudiero foi encontrado ao lado do corpo de banzé, que estavam ao lado de três garrafas de Velho Barreiro vazias e algumas pílulas de ecstasy. As suas últimas frases foram: “só você me entende”.
Seu nome não era Jim Morrison, nem Renato Russo, nem Kurt Cobaim, nem Jardel. Seu nome era Rudiero Castro, e tinha 27 anos e um cachorro chamado Banzé... E na entrada da porta do céu, ele e Banzé foram recebidos por Charles Bukowski, que disse que os recém chegados é que devem bancar a rodada...

7 Comentários:

  • Muito Bom!
    Com certeza foi o melhor texto que eu já li nesse blog. É sobre essas coisas que me interesso, em viver a vida intensamente!

    Grande Abraço e Parabéns!

    Por Blogger Vinicius Longo, às 29 de abril de 2008 às 07:41  

  • pq sempre uma loira e uma morena? e as ruivas onde ficam?
    mas tirando isso
    mto bom maninho
    adorei o final
    achei q as duas iam fazer uma festa surpresa hauhauahua não q eu seja clichê
    MTO BOM
    bjus

    Por Blogger Carolina, às 29 de abril de 2008 às 15:39  

  • MUUUUUUUITO BOM!!!
    Amei o texto!!!
    Só naum gostei do final... q q aconteceu com elas??? com a loira e a morenaaa??? hauahauah
    BjOOOOOOO da Dani B.

    Por Blogger Daniele, às 29 de abril de 2008 às 16:15  

  • Muuuuito bom! Realmente, inspiradíssimo!
    Eu ri muito, porque fiquei com o personagem inspirador dessa história em mente o tempo inteiro! hahahaha
    Ritter, tu arrasa!
    E concordo com o Vini: é o melhor texto que já li nesse blog!
    Parabéns!
    E até a cerveja que tu vai me pagar sexta! huhauahuaa

    Por Blogger Mercedes Mirabal, às 29 de abril de 2008 às 19:18  

  • Quando tu falou que o cara comeu ovo frito, não acreditei.

    E outra: estaria Bukowski no céu? Se bem que tu já abordou esse assunto antes...

    Belo texto.

    Por Blogger Zaratustra, às 30 de abril de 2008 às 12:35  

  • Este comentário foi removido pelo autor.

    Por Blogger Nabuco, às 30 de abril de 2008 às 16:30  

  • O texto está bom. Porém, cabe dizer que "encher a cara" não resolve o problema de ninguém.

    Por Blogger Nabuco, às 30 de abril de 2008 às 16:34  

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