Minha relação com a Itália é,
digamos, bizarra. Talvez, por brasileiros e italianos amarem futebol, é que ela
até então se resumia às rivalidades e outros preconceitos, estereótipos e
bizarrices. A primeira lembrança que tenho sobre a Itália é a Copa de 1990.
Porém, como eu morava em Panambi, uma cidade com a cultura alemã muito forte, torci
loucamente pela Alemanha no auge de meus 9 anos de vida. Acho que já contei
isso aqui: naquela época a minha seleção era a alemã. Recordo-me que até não
tinha aula em dia de jogos da Alemanha, lá em Panambi. E, como meu sobrenome é
Ritter, no meu imaginário infantil eu era um alemãozinho. Além disso, como é
público e notório, a grande rival da Alemanha no futebol é justamente a Itália.
Acho que a partir daí eu comecei a “secar” os italianos e isso se tornou mais
forte ainda em 1994, quando já tinha me conscientizado da minha triste sina de
ser brasileiro, e o Brasil de Romário e Bebeto bateu a Itália de Baggio na
final. Foi o título da seleção que eu mais vibrei até hoje. Também sequei
loucamente a Itália na final da Copa de 2006 contra a França e a vitória
daquela seleção horrível fez reascender no meu espírito um ranço com os
italianos.
Com o passar dos anos a minha birra
com a Itália se expandiu com a fama que os italianos têm de serem pão duros e
sovinas. “Gringo pão duro” é praticamente sinônimo de italiano para alguns. E
não é apenas pão-durismo, mas também, a fama de explorarem ao máximo qualquer
um, até a mãe ou o filho. Eu trabalhei para “gringos” da Serra Gaúcha e,
acreditem, foi horrível. Querem que você trabalhe muito além das horas na
empresa em troca de uma merreca, além de descontar de seu salário até o ar que
você respira. Não sei se todos são assim, mas meu ex-chefe com sobrenome
italiano era. Entretanto, o mundo gira, e em Nova York tive colegas italianos e
graças ao futebol, rapidamente ficamos todos amigos. A vida seguiu e volta e
meia à rivalidade Brasil/Alemanha x Itália reaparecia, com o futebol ou além
dele.
Quando chegou a hora de planejar a
nossa viagem, a Alemanha estava incluída no roteiro. Porém, acabei trocando-a
pelos alpes suíços (conforme vou voltar a falar em outro post). Já a Itália
ficava no caminho. Então, incluí Milão na nossa rota. E, eu diria que não
apenas fiz as pazes com a Itália como me apaixonei loucamente por ela.
Provavelmente, depois de Paris (que é uma cidade muito mais cosmopolita do que
francesa) Milão foi a minha cidade preferida. Ficamos lá dois dias, então,
diferentemente do que vinha fazendo, não vou contar histórias em ordem
cronológica. Vou simplesmente compartilhar algumas delas que ainda estão
frescas em minha memória.
Quando acordamos já de tarde após
as 20 horas de viagem e fomos para a rua, as pessoas conversando em italianos
já me encantaram. Nunca tinha visto tanta gente falando italiano ao mesmo tempo.
Até então havia presenciado apenas grupos de italianos conversando nos Estados
Unidos, o que não me permitiu perceber como o idioma é bonito. Parecia que
todos cantavam. Ouvindo italianos de verdade falando italiano você fica com
vontade de também falar em italiano. Aí eu entendi ouro ranço meu com a Itália:
não tem nada mais irritante do que ver um brasileiro tentando falar italiano.
Fica uma fala forçadamente cantada, ridícula, bizarra. É deprimente e
irritante. Acho que se algum dia eu estudar italiano só vou praticar o idioma
no cursinho e/ou na própria Itália. Por isso, ouvir os italianos (ou estrangeiros
que REALMENTE falam fluente) falando italiano é música para os ouvidos. Aliás,
as italianas falando italiano é extremamente sedutor – e creio que as mulheres
pensam o mesmo dos italianos.
Fomos ao Duomo. Trata-se de uma
catedral simplesmente magnífica. Você fica embasbacado diante de tanta beleza.
Assim como na Sagrada Família, em Barcelona, você pode ficar horas admirando
aquilo tudo e viajando no tempo, pensando, “caraca, como construíram tudo isso
séculos atrás?”. Fomos todos os dias até o Duomo – aliás, praticamente tudo
fica nos arredores. Não vou ficar falando ponto turístico por ponto turístico
que visitamos, senão o texto ficaria chato, mas tive que comer uma pizza
italiana e beber um vinho na galeria Vittorio Emanuelle II. E vou dizer pra
vocês: pizza e vinho na Itália não é apenas um prato culturalmente popular, mas
também economicamente popular. E o melhor: não vai ovo na massa da pizza.
No entanto, uma das cenas bizarras
desse trecho da viagem aconteceu na frente do Duomo. Há centenas, quiçá
milhares, de pombos ali por perto. E você abre os braços e eles pousam em você.
Obviamente que a malandragem tira proveito. Tem uns carinhas que colocam milho
na sua mão para os pombos virem. Claro que depois você tem que dar uma gorjeta generosa
para eles. Mesmo percebendo isso, caí num golpe. Estava a Cris, de braços
abertos, esperando os pombos. Chegaram dois caras dizendo que eram do Quênia
puxando mó assunto. Quando eu disse que era brasileiro, ele exclamou: “Corinthians!”
e eu: “não, não, Grêmio!”. E ele logo repetiu, sorrindo: “Grêmio, Grêmio”.
Conversa vai e vem, ele se oferece para tirar foto de nós juntos. Dou a câmera
para ele. Nisso o outro vem e coloca milho na nossa mão. O sinal de alerta
começa a piscar na minha mente: milho = gorjeta. Que merda! Fui tapeado. Mas,
isso não foi nada. Enquanto um amarrava uma pulseirinha no meu braço, outro amarrava
outra no da Cris. “É do Quênia, para dar sorte para vocês”. E eu: “ok, really
really thank you”. Então, o papo mudou. O sorriso simpático dos supostos
quenianos sumiu e eles queriam nos cobrar 50 euros por tudo (as fotos, o milho
e as pulseirinhas). Eu até diria que não pedi nada – como acabei fazendo
depois, com outro cara que veio dar uma rosa pra Cris para tirar uma foto e eu
disse que odiava rosas – mas o carinha continuava com a minha Nikon no pescoço.
Olhei ao redor. Uma multidão. Se eu vacilar, esse carinha vai sair correndo com
a minha Nikon. Saquei duas notas de cinco euros da carteira enquanto puxava a
Nikon do pescoço dele. Paguei 10 euros por milhos e uma pulseirinha que
certamente não foi feita no Quênia, mas ali, nas ruelas de Milão. Ainda estou
com a pulseirinha e não pretendo tirá-la para nunca mais cair em um golpe.
Sempre que alguém vem com papinho, oferecendo muito por pouco, eu olho para a
pulseirinha e digo não. Se o sujeito insiste, sou grosso. Aprendi do pior
jeito.
Fora esse contratempo e o hotel,
que não era lá dos melhores, tudo ocorreu espetacularmente bem. Encantei-me com
os bondinhos, com os museus, com as explicações dos guias dos museus que só
falavam em italiano e que eu não entendia nada mas ficava ali, ouvindo aquelas
palestras como se fossem uma ópera. Cogito, futuramente, estudar italiano e
passar uma temporada na Itália. Todas as vezes que precisei pedir informações
os italianos foram solícitos e amigáveis, mesmo quando não falavam praticamente
nada em inglês. O clima de Milão (espiritualmente falando) é ótimo, é alegre, é
envolvente.
As pessoas conversam bastante, sorriem, gargalham. Você se sente
como se estivesse numa festa coletiva mesmo quando está apenas caminhando sem
rumo pelos arredores do Duomo.
Até quando pegamos o bonde lotado
para ir até o bairro de Naviglia as pessoas conversavam e riam. Aliás, o bairro
é simples, tem um canal bem mais modesto do que o famoso de Veneza, mas é
acolhedor. Jantamos pizza e vinho numa noite lá. Em resumo, adorei toda a
cidade. Fora os golpistas, tudo (até a simplicidade) me deixou apaixonado por
Milão. E creio que o resto da Itália deve ser parecido (voltei sonhando em
conhecer Roma).
Para finalizar, uma anedota. Certa
noite, depois de ter tomado várias taças de vinho no jantar, chegamos ao hotel
e vi umas garrafas bizarras de cerveja no freezer da recepção. Peguei duas e
bebi antes de dormir. No meio da madrugada, ainda meio bêbado, levantei para ir
ao banheiro. Como em cada hotel o banheiro fica em um lugar diferente, acabei levantando
da cama e indo reto. Abri a porta e PUM! caí de pernas para o alto dentro do
armário. A Cris acordou assustada com o barulho enquanto eu resmungava “caralho,
é o armário!”. O banheiro ficava mais para o lado... Por via das dúvidas, na noite
seguinte, trocamos de lugar.
4 Comentários:
Cazzo, german! Hehehe!
Por Marcos, às 9 de fevereiro de 2019 às 03:48
Cazzo, german! Hehehe!
Por Marcos, às 9 de fevereiro de 2019 às 03:50
Cazzo Tedesco! ( Tedesco é alemão em italiano,alemão!)
Sabe o que é pior? Milão é a mais fraca das cidades italianas... O dia que que vc for em Roma vai pirar.
Uma dica, visite Roma por último. Depois de Roma, o resto da Itália perde a graça.
Cazzo!
Por Zaratustra, às 11 de fevereiro de 2019 às 14:17
Não fui a Barcelona nem Milão, mas fui a Roma, Veneza e Florenza, além de Capri. Cidades magníficas, vale a pena o passeio. Ainda pretendo voltar à Europa, há muito a ver. Abraço.
Por Lorení , às 25 de fevereiro de 2019 às 15:39
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