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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O livro de Praga

Seguindo a série de “resenhas” de livros que estou lendo nas férias, chegou a hora de “O livro de praga – narrativas de amor e arte”, do carioca Sérgio Sant’Anna. Esse livro integra a coleção Amores Expressos, da Companhia das Letras, que conheci no verão passado lendo “Cordilheira”, do Daniel Galera. Passei o ano sem ler nenhum outro livro dessa coleção e, quando fui escolher o meu presente de natal materno, entrei no site da coleção, li os resumos de todos os livros, e acabei achando esse o mais interessante. Não me arrependi nenhum pouco.
Antes de mais nada, eu não conhecia Sérgio Sant’Anna, o que talvez tornou ainda mais prazerosa a leitura. Em breve, explico por quê. A narrativa é breve: são 136 páginas divididas em sete capítulos. Cada capítulo é uma espécie de conto que, no conjunto, formam o romance, pois há uma sequência lógica e episódios de um capítulo vezemquando são retomados em outro, mais à frente. E agora explico porque não conhecer Sérgio Sant’Anna tornou a leitura mais empolgante. Acontece que o primeiro capítulo, intitulado “A pianista”, é absolutamente genial. Sant’Anna, que nasceu em 1941, começa a prosa com linguagem poética. Cada cena, cada descrição torna-se épica com as suas palavras que emitem um misto de delicadeza e erudição. Explorando aspectos da arte de Praga, o personagem, que se chama Antônio Fernandes, narra em primeira pessoa como ele foi escolhido para poder pagar 3 mil euros para assistir ao concerto de uma pianista jovem de raro talento. Mesclando um pouco da arte local e história com a angústia da espera pela audição exclusiva que Fernandes terá, você imagina que vai acontecer exatamente o que está programado: que o personagem se sentará num banquinho e assistirá a uma hora e vinte de espetáculo da pianista. Tudo leva a crer que o personagem se apaixona platonicamente pela artista. Porém, de uma hora para a outra (mas no momento certo) há uma guinada na narrativa. O tom de delicadeza com narrativa poética, ganha ares eróticos surpreendentes. Eis um breve trecho das “lembranças” do personagem: “O que aconteceu a seguir foi espantoso, não exclusivamente pelo comportamento sexual do dueto que formávamos, mas porque, retirando ela as suas mãos do teclado para puxar meu pau de dentro de minha calça com seus dedos longos e habilíssimos, para não dizer suas presas, a música continuou a se fazer ouvir ainda mais ricamente [...]” (p.29). E assim, surpreendendo o leitor, aos poucos o personagem vai entendendo (juntamente com quem segura o livro) que a pianista é, de certa forma, uma prostituta de luxo que atende na torre do museu de Praga.
Ouso dizer que nesse capítulo-conto, Sant’Anna usa com perfeição praticamente todas as técnicas narrativas da ficção e, especialmente, uma que considero talvez a principal: a capacidade de surpreender o leitor. E, justamente por não conhecer Sant’anna que fui tão ferozmente surpreendido. Entenderam agora? Talvez, se eu já o conhecesse não me deixaria levar pela sua narrativa que me conduzia por um caminho e que, de repente, PÁ, vai para outro.
O mesmo acontece no segundo capítulo-conto: “A suicida”. A trama é dada logo de cara: o personagem-narrador salva uma moça que está prestes a se atirar da ponte Carlos. Porém, as infinitas possibilidades da sequência faz com que você fique tentando adivinhar o que vai acontecer e, o que realmente acontece, é uma alternativa crível, mas que você sequer cogitou que fosse acontecer. Aliás, você se sente como um telespectador de filme ou novela, porque você começa a torcer para que o inevitável não aconteça. O terceiro capítulo-conto já não é tão surpreendente, pois ele usa a técnica da narrativa ficcional fantástica e, quando percebi isso, logo imaginei que tudo poderia acontecer (e realmente o inimaginável fantástico acontece). O mesmo vale para o capítulo seguinte, mas que achei mais bem construído (A boneca). O próximo capítulo conto, “O texto tatuado”, tem um enredo mega criativo, pois o personagem se depara com uma moça que tem um texto inédito de Kafka (que é de Praga) tatuado em seu corpo (e que também cobra para as pessoas poderem ler – o que, de certa forma, também torna a moça em uma prostituta de luxo). Não vou contar detalhes do desenrolar dos fatos para não acabar com a surpresa do potencial leitor. Já “A tenente” acaba sendo o pior capítulo-conto do livro, na minha opinião, justamente por ser óbvio demais: o personagem transa com a tenente fardada no seu quarto de hotel. Quer algo mais impossível e ao mesmo tempo clichê do que isso: um homem que é tido como suspeito de alguns crimes sexuais insolúveis transar com uma policial gostosa e fardada?
E você saca que isso vai acontecer assim que lê o título do capítulo, até porque a tenente já havia aparecido na narrativa em capítulos anteriores. Já o último capítulo-conto, “O retorno”, é bem breve, e serve simplesmente para encerrar a obra com chave de ouro.
Somando tudo, multiplicando pelas sensações que tive e dividindo pelo tempo gasto, eu daria uma boa nota para a obra (não me atrevo a quantificar, pois se desse algo como 10, seria injustiça com os clássicos inigualáveis como Dom Quixote e O Tempo e o Vento, mas se desse 7.0 ou 8,0 alguém poderia interpretar erroneamente como uma nota baixa).
Então, troco a nota por uma aprovação com louvor, ou seja, se estiver procurando um livro para ler, não hesite em comprar ou pegar emprestado esse livro, até porque, depois de terminar de ler, fiquei curioso para conhecer Praga, pois o autor mistura magistralmente o enredo com o clima e as atrações da capital da República Tcheca.
E viva las checas!

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