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sábado, 30 de dezembro de 2017

A glória e seu cortejo de horrores

Decidi “resenhar” o segundo romance de Fernanda Torres em tópicos (o segundo da série “Livros das férias” – ok, inventei o nome agora). Alguns são dicas para quem pegar o livro, outros são simples comentários e impressões estritamente pessoais (afinal, sou um mero leitor, e não crítico literário ou algo que o valha). Nunca fiz isso em tópicos, vamos ver como fica...

1) Antes de mais nada, se você for ler “A glória e seu cortejo de horrores”, ignore o texto de orelha, escrito por Reinaldo Moraes. Ele começa o texto assim: “Um jovem aspirante a ator no Rio de Janeiro dos anos 60 dá seus primeiros passos na profissão em peças engajadas na luta político-cultural contra a ditadura militar [...]” e no início do segundo parágrafo, acrescenta: “É assim que começa a epopeia de Mario Cardoso, protagonista do novo romance de Fernanda Torres”. Ora, peguei o livro achando que a história se passaria nos anos 1960, mas logo de cara me deparo com o personagem pegando em celular e tomando gota de Rivotril! Pensei: “bom, ou a Fernanda Torres deu uma de amadora e não se ligou que nos anos 60 não existia celular (e creio que tampouco Rivotril) ou esse orelhista foi vacilão”. Seguindo a leitura, concluo que a orelha, além de desinformar o leitor, ainda deixa o leitor na expectativa de encontrar um tipo de romance (mais humorístico do que dramático) que não condiz com o produto final.
2) Driblando o orelhista, se você espera por uma comédia ou algo mais humorístico, largue o livro, pois até a metade – pelo menos foi a impressão que eu tive – ele é majoritariamente triste e dramático. O tom humorístico da tragicomédia só chega depois da metade da narrativa – porém, chega com tudo.
3) Eu li as 211 páginas em três dias, numa média de cerca de 70 páginas por dia. Admito que, depois do primeiro dia, pensei: “se esse livro fosse emprestado ou retirado de uma biblioteca, não iria até o fim. Mas, como foi presente de natal da minha irmã (que eu escolhi), vambora.
4) No segundo dia, mudei de opinião. É o tipo de livro que demora para engrenar, mas quando engrena, aí sim, você não tem mais vontade de largar, inclusive, lamenta-se quando termina, pois fica com gosto de quero mais.
5) Particularmente, gosto de livros em que me identifico com algum aspecto marcante da obra: ou com algum personagem, ou com a psicologia do narrador, ou com a filosofia de vida, ou com a profissão, ou com a vida fodida de alguém, etc. Como no início o foco fica na profissão de ator e no drama da mãe do personagem que tem Alzheimer, achei que não era um livro para mim (inclusive, como já tive casos dessa doença na família, algumas referências que talvez eram para ser humorísticas tornaram-se triste, como, por exemplo, quando a mãe do personagem pensa que o filho é o marido e, então, ele resolve assumir o papel (achei isso bastante deprimente, justamente por ser uma situação triste pela qual muitos passam, às vezes exatamente como está posto no romance).
Cheguei a concluir, mentalmente: “esse livro é para quem é ator... ou trabalha com cinema, teatro, novela, etc. Em síntese, para quem é do ramo”. Porém, depois, começa a haver uma divisão no personagem que humaniza a situação. A gente acaba percebendo que ele é visto de uma maneira pela ex-mulher, de outra pelos colegas e amigos, de outra pela família, de outra pelos pais (o pai já é falecido, mas como a narrativa faz aquele jogo temporal que varia passado e presente, é possível “conhecer” figuras mortas), de outra pelo público, de outra pelos chefes, de outra pelas amantes, etc. Enfim, mostra o personagem como todo mundo é: uma pessoa que inspira imaginários diferentes nas outras, conforme a relação que estas têm com o sujeito. Contudo, esse aspecto só é enfatizado perto da metade para o final do livro e, por isso, nessa altura ele (o livro) passou a se tornar interessante e agradável para mim. Confuso, não? Releia esse tópico com calma que você entende...
6) Ainda assim, gostei bem mais do “Fim”, primeiro romance de Fernanda Torres, do que do “A glória...”.
7) Tem algumas referências a Globo e um marchandising do Galvão Bueno que ficaram bastante irritantes.
8) Depois que passa a fase truculenta do início (que tem algumas digressões cansativas, deprimentes e desnecessárias) o romance ganha a cara da Fernanda Torres: com vários pensamentos acelerados, criativos, cheios de referências, que deixam seu cérebro acelerado querendo mais e mais e mais...
9) Esse é um livro que um leigo em teatro e teledramaturgia, como eu, pode curtir pacaraí, mas tenho certeza que quem é da área vai acabar curtindo muito mais (por entender melhor as referências, temos e episódios citados pelo personagem narrador).
10) No final (vou dar um de estraga prazer) a troca de perspectiva do narrador, de primeira para terceira pessoa, ficou legal. Achei uma forma criativa de se descrever a loucura temporária de Mario Cardoso.
11) Durante uma boa parte da narrativa, por não ser feita uma descrição física do personagem principal, eu tinha dificuldades de imaginar alguém. Como uma vez disse o professor Jacques Wainberg, da PUCRS, quando você lê algo escrito por alguém que você conhece a voz, enquanto você lê, você tem a tendência de ouvir o texto sendo lido em voz alta pela pessoa que o escreveu. E, em várias partes, eu lia ouvindo a voz da Fernanda Torres. Porém, como o personagem é um homem, eu tentei encontrar uma voz masculina para narrar a fala do personagem. Primeiro, imaginei o Pedro Cardoso sendo o personagem. Porém, quando Mario revela que mede 1m80, desisti. Então, acabei optando pela imagem do sujeito que está na capa do livro. Para mim funcionou, quem sabe também funcione para você.
12) É um livro que indico para todos que gostam de boa literatura, no entanto, com essas duas ressalvas: primeiro, não leia a orelha escrita por Moraes e, segundo, não desista nas primeiras páginas, porque o ritmo engrena quase que no tranco, quando chega perto da metade e segue muito bom até o final.

Hasta!

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