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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Encontro com o mar

Quando calcei as Havaianas e me dirigi para a porta, ela interrompeu a minha simples empreitada, perguntando, áspera:
- Aonde você pensa que vai?
- Vou caminhar na beira da praia – respondi calmamente, pois era isso que eu fazia desde que chegáramos à cidade litorânea, uma semana atrás.
- Tem certeza? – ela perguntou.
- Absoluta – respondi.
- Tem certeza de que não vai se encontrar com alguém?
Ergui uma sobrancelha, pois nunca tinha cogitado tal hipótese. Mas, diante da pergunta acusatória, refleti por um segundo e respondi:
- É, tens razão. Vou sim.
Ela arregalou os olhos, pega de surpresa. Aproveitei o momento de estupefação para revelar o meu segredo:
- Vou me encontrar com o mar.
Dei as costas e parti. Enquanto caminhava, eu pensava que, realmente, eu estava me encontrando diariamente com o mar, sempre na mesma hora, no final da tarde, quando o sol começava a se esconder atrás de seus ombros, tornando tudo uma mistura de tons laranja, amarelo e azul. Eu realmente estava completamente apaixonado por aquilo, e ela, que me conhecia há tão pouco tempo, não tinha a capacidade de entender. Não a culpava. Eu poderia dar uma resposta, do tipo: “mas eu te convidei para ir comigo desde o primeiro dia, e você nunca quis”, porém, não me dei a tal trabalho. Seria total perca de tempo. Ela nunca conseguiria entender o real significado daquilo: caminhar sentindo as areias entrando entre os dedos dos pés, brincando com as pequenas ondas da beirada, observando as gaivotas voando ao longe contra a luz alaranjada do sol amarelo que refletia no azul escuro do mar. Ela nunca conseguira admirar uma paisagem ou curtir um momento de silêncio em que o vento e o som das ondas valem mais do que qualquer palavra. Para ela, tudo era competição. Se eu não iria me encontrar com alguém, eu a estaria trocando por algo. E o que era? Era o mar.
Assim como outras vezes, nessa necessidade de escolhas, ela acusara que eu havia optado pelo jogo de meu time do coração, como se ela fosse concorrente com tudo o que me faz bem: ela x o mar, ela x viajar, ela x meu time, ela x minha família, ela x meus amigos, ela x meu trabalho, ela x um filme e assim por diante. No entanto, ela já havia ficado para trás há um bom tempo (um tempo considerável para um relacionamento de cinco meses). Eu já havia lhe dito isso, porém, ela quis seguir me seguindo, pousando de casalzinho perfeito para os seus pais, de namorada apaixonada para as minhas amigas e brincando de casinha quando passávamos os finais de semana juntos no apartamento dela ou no meu. Anteriormente, eu já havia entrado em seu jogo, deixando o meu time de futebol, os meus amigos, a minha família e o meu cachorro de lado para atender aos seus caprichos, que eram compensados na cama. Mas essa é uma técnica antiga e ultrapassada e não tem a força suficiente para fazer com que eu abrisse mão daquilo: do mar. Os meus encontros com ele seguiram até o final daquelas férias. Eu ia cada vez mais cedo, e voltava cada vez mais tarde. A cada vez que eu retornava para casa, eu a encontrava sentada no sofá, de braços cruzados, com olheiras de tanto chorar. E, então, ela perguntava:
- Como foi o seu “passeio”? – e ao falar “passeio” ela fazia o sinal de aspas com os dois dedos indicadores.
E eu não escondia a minha satisfação ao responder:
- Foi maravilhosamente esplêndido!
Ela ficava ali, com os olhos vidrados na novela, sem prestar atenção na putaria lançada em canal aberto para o país todo, enquanto eu ia tomar um banho assoviando “Garota de Ipanema” para depois jantar, jogar vídeo game e dormir o sono dos justos. Em poucos dias, comecei a dormir mais cedo e acordar ao amanhecer. Logo eu estava passando o dia com o mar. Ela pareceu desistir de competir. Numa bela noite, disse que voltaria para casa, na nossa cidade, mais cedo do que o programado. “Não posso desperdiçar minhas férias assim”, concluiu. Quase disse para ela não se prender por mim, para colocar um biquíni sumário e pedir para um moreno sarado passar um protetor em suas costas, ou fingir afogamento para um salva-vidas lhe salvar. Entretanto, simplesmente consenti. Comprei uma passagem na janela na primeira fileira para o dia seguinte e, quando a levei na rodoviária, fiquei ansiosamente torcendo para o ônibus partir logo para eu voltar ao meu encontro com o mar. Poucos dias depois, eu estava admirando a paisagem, sentado ao lado de minha bola de futebol na areia, quando um cachorro veio correndo e caiu no meu colo.
Perdi o fôlego quando uma espécie de sereia veio correndo, tomando o fôlego, pedindo desculpas pelo mau jeito do animal. E, naquele instante, descobri que, sim, havia imagens mais belas do que o mar. Deixei-me levar pelo canto e pelo encanto da sereia e aceitei o seu convite de trocar a terra pelo fundo do oceano.

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