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domingo, 2 de abril de 2017

Saudades do velho Aranha

Quanto mais o tempo passa, mais eu sinto a influência do meu velho e bom amigo Felipe Brem, o famoso Aranha, na minha vida e no meu jeito de ser e de ver o mundo. Já escrevi outros textos sobre o Aranha nesse espaço, há anos atrás, mas nos últimos tempos, em que coisas sensacionais aconteceram rapidamente na minha vida, aquela filosofia de vida do velho Aranha, de sonhar e de perseguir o seu sonho, tem sido fundamental. Para quem não conheceu o Aranha, eu explico: ele era uma espécie de Hunter Thompson brasileiro sem saber quem era o Hunter Thompson. Era o espírito mais livre que eu já conheci na vida. Ele era aquele cara que te convidava para beber na segunda-feira, e se o convidado responde que “hoje é segunda”, ele respondia: “e daí? O fato de ser segunda não tem nada a ver com a minha vontade de beber nessa noite quente”. Aliás, foram várias as segundas ou terças ou quartas em que bebemos até altas horas da madrugada, conversando sobre todos os assuntos, resolvendo todos os problemas filosóficos da humanidade, sonhando acordado com viagens e aventuras ao estilo Jack Kerouac, planejando o futuro malucamente, falando coisas do tipo: “depois da formatura vamos arrumar um emprego em Salvador para curtir a praia tomando umas depois do expediente”. Mas, infelizmente, o velho Aranha não conseguiu se formar. Ele se foi pouco mais de um ano antes da formatura. Lembro como se fosse hoje, a gente combinando de levar uma garrafinha com algo alcóolico no bolso do paletó para tomar escondido lá de cima. Como ele ficaria sentado ao meu lado, ao levantar eu passaria a garrafinha para ele, que me entregaria de volta para ir lá receber o canudo. Tudo isso foi planejado num bar, numa noite de segunda-feira, depois da aula.
O Aranha era foda, no melhor sentido do termo. Acho que o cara mais foda que já conheci. Lembro-me de uma vez que uma estudante ruiva de Economia, uma daquelas de tirar o fôlego, veio em minha direção. Ela perguntou: “você é colega do Aranha?”. “Sim”, respondi sem entender nada. “Eu sou a Fulana. Por favor, diz pra ele que quero muito conversar”. Falei pra ele, que não deu muita bola, pois era só mais uma da lista de mais belas da universidade que corriam atrás dele (e eu, que achava ele feio pra caralho, nunca entendi como ele fazia isso). Era um Don Juan sem fazer força. Mais que o meu amigo Tiago Beck, que não poupou nem integrantes da minha família. Mas ele não era foda apenas pelo encantamento que provocava nas mulheres, ele era um cara que não tinha nenhum preconceito, pois tratava todos exatamente da mesma maneira: como se fossem seus amigos de infância.
Na primeira noite em que bebemos juntos era meu aniversário. Eu e o Beck encontramos ele e o professor Paulinho tomando umas num dos vários botecos da frente da universidade. Bebemos um pouco até que eu disse que era meu aniversário mas que ninguém (exceto pais e parentes) tinham lembrado ou dado bola. Ao saberem disso, o Aranha e o Paulinho transformaram aquela noite em uma festa homérica. O cara era foda. Fomos num boteco (daqueles bem botecão que tem mesa de sinuca) e ele destruiu no jogo, parecendo ter saído de um conto do João Antônio. Esse foi apenas um dos vários lugares que entramos e saímos naquela noite que não tinha fim. E o cara tinha todos os tipos de amigos. Sentava-se num bar para beber com qualquer um: professor, colega, amigo, homem, mulher, gay, travesti, idoso, jovem, pai de família, morador de rua, rico, pobre, louco, negro, branco, japonês, enfim, bastava ter uma boca para conversar e beber e ouvido para ouvir que era amigo dele.
Não bastasse tudo isso, lembro-me como se fosse hoje de uma balada em que estávamos no Absoluto. Alguém gravou isso, pelo que recordo (acho que está no meu DVD de formatura), mas não sei que fim levou o vídeo. Tinha uma banda tocando e de repente chamaram o velho Aranha (que naquele tempo não era nada velho, pois tinha 20 e poucos anos) para subir no palco. Ele foi lá e matou a pau. Tocou alguma música do Charlie Brown e o povo delirou.
Ainda tenho aqui o livro de poesias que ele escreveu e me deu na mesa do bar, dizendo: “Esse livro, quando eu morrer e tu tiver velho e teu filho achar na estante e perguntar quem foi que escreveu, tu diz: esse foi um amigo maluco que o pai teve”. Ri pra caralho diante da afirmação, sem imaginar que ele partiria tão breve.
E o Aranha me influenciou (e influencia) por ter me ensinado em alguns anos de convivência a importância de coisas como: sonhar, partir, curtir, ser feliz, amar, ser poeta, mandar a merda o que não te faz feliz, ser viajante, não poupar risos, não se importar com o que os outros pensam, não dar bola para o preconceito e para as mentes pequenas, se inspirar nas pessoas de mente aberta e que são felizes. Além disso, ele foi o primeiro cara que conheci também lia Bukowski. Conversamos muito sobre o velho safado nas mesas de bar nos arredores da antiga Fidene/Unijuí.
Por isso, cada vez que alguma coisa boa acontece na minha vida, lembro-me dele. Foi assim quando me formei. Foi assim quando parti para Porto Alegre para entregar panfletos de dia e fazer estágio no esporte da Rádio Gaúcha de noite. Quando passei no mestrado (e não agia como um acadêmico sério, regrado e preocupado com o status da academia), quando entrei no doutorado para pesquisar um cara muito parecido com ele (Hunter Thompson), quando fui para Nova York, quando cruzei os Estados Unidos de Leste a Oeste de ônibus e de Oeste a Leste de carro. Quando sentei para beber e apostar nos cavalinhos em Las Vegas. Quando entrevistei a viúva do Thompson no Colorado. Quando fiz grandes amigos que têm o mesmo espírito livre dele – sem importar idade, cara, sexo ou religião. E quando descobri novamente por que a vida é bela. Por tudo isso bateu uma puta saudades do velho Aranha. Com certeza é um cara que ouviria todas essas e outras histórias numa mesa de bar já programando outras viagens, outras loucuras, outros sonhos, outras histórias para outros livros. E, quando eu falasse de meus problemas, ele simplesmente diria: “toma logo esse trago, manda o que não te faz bem à merda e fica com a parte boa do negócio”. Simples assim. Saudades do velho Aranha

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