Gonzariando o que é obrigatório
E é foda. Pois eu gostaria que todos os estudantes de jornalismo lessem ao menos um livro de Hunter Thompson. O jornalismo e o mundo seriam bem melhores se todos os jornalistas já tivessem lido (e entendido) pelo menos a ideia central da obra de Thompson (que vai além do estigma das drogas e da piração). Entretanto, fico imaginando o que teria acontecido se algum professor tivesse me obrigado a ler um livro de Hunter Thompson quando eu estava na graduação. Possivelmente aconteceria uma das alternativas abaixo:
a) Eu não leria, cataria um resumo na internet e alteraria o texto pra passar com 7,0.
b) Pediria para alguém que leu me contar a história para eu fazer um resumo.
c) Não entregaria e ficaria sem nota e odiaria Hunter Thompson e o jornalismo gonzo pelo resto da minha vida.
d) Leria de má vontade, procurando achar todos os defeitos possíveis e imagináveis, pois essa é uma obra obrigatória, e sou contra tudo o que é obrigatório.
e) Não leria e escreveria as frases mais genéricas ditas pelo professor em sala de aula e anotadas no caderno, coisas do tipo “Hunter Thompson criou o jornalismo gonzo e, lendo esta obra, podemos perceber os motivos que a fizeram ser considerada um clássico do jornalismo literário mundial...”.
Então, eu jamais teria realmente lido um livro do Hunter Thompson e, muito menos, teria feito uma tese de doutorado sobre a obra dele.
O que eu tento fazer diante desse quadro – e que geralmente funciona muito bem – é dar apenas uma amostra, sem obrigação. Tipo o vendedor que oferece uma boquinha grátis no mercado: experimenta aí, sem compromisso. E o resultado é o mesmo: alguns gostam e querem mais e outros não (e ainda pensam “que professor retardado, considerar esse maluco um grande jornalista”), e cada um segue com a sua vida (com ou sem Thompson). Sem problemas. Mas o que eu tenho feito é mostrar um trecho do documentário Life and Word of Dr. Hunter S Thompson e dar duas ou três páginas de alguns dos textos do jornalista que deixam claras as suas características e a sua visão mundo. Seria loucura tentar falar sobre essas características nesse espaço, afinal, quem quiser pode conferir a própria tese em que falo um pouco disso...
Bom, e por que escrevi tudo isso? Vou saber eu... Ontem comecei a escrever um texto que não terminei sobre crises de abstinência e ele se tratava justamente disso: coisas que não consigo ficar muito tempo sem ter ou fazer. E duas dessas coisas são: ler e escrever, não necessariamente nessa ordem. Eu andava meio estressado, meio angustiado, aí me dei conta de que fazia alguns dias que eu não pegava o livro que estou lendo. Li umas dez páginas e me acalmei. É tipo um viciado em crack que fica muito tempo sem o produto químico em seu organismo. E, hoje, senti essa necessidade insana de escrever. Por isso, escrevi sobre Thompson e Gonzo, afinal, breve tentarei explicar mais uma vez para uma turma com 40 alunos que diabos é jornalismo gonzo. E, na próxima crise de angústia e abstinência, caso eu lembre, escreverei sobre as outras coisas das quais não vivo sem. Hasta, imaginário leitor!
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