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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Gonzariando o que é obrigatório

Seguidamente algum aluno me pergunta: mas afinal, o que é jornalismo gonzo? Essa é uma pergunta foda de se tentar responder, pois há definições feitas pelo próprio Hunter Thompson que não dão conta do recado. A verdade é que o jornalismo gonzo pode ser definido como a união entre a vida e o estilo de vida de Thompson com seus textos literários-jornalísticos. Ele era o que ele escrevia. Acho que consegui resumir em uma frase um dos principais lados da minha tese de doutorado. Mas, por mais que eu fale, fale, fale e fale, só tem um jeito de se descobrir o que é jornalismo gonzo: lendo os textos de Hunter Thompson da fase gonzo. E, assim, eu entro num dilema professoral-acadêmico: eu não quero obrigar ninguém a ler a obra de Thompson. Seria contraditório. O próprio Thompson odiaria essa ideia. Ele era um defensor da liberdade, de cada um definir as suas próprias regras, um questionador das leis, da moral, dos bons costumes, da sociedade, das autoridades, enfim, de tudo que ia contra a liberdade individual de cada um. Então, se eu chegasse e dissesse para meus alunos: “vocês TEM QUE LER Medo e Delírio em Las Vegas para fazer um resumo valendo 10 pontos” eu correria o risco de, ao final da tarefa, o aluno me responder: “professor, fiz o resumo, mas você não entendeu nada que esse cara quis dizer, senão você não teria dado essa tarefa como obrigação”. É complexo.
E é foda. Pois eu gostaria que todos os estudantes de jornalismo lessem ao menos um livro de Hunter Thompson. O jornalismo e o mundo seriam bem melhores se todos os jornalistas já tivessem lido (e entendido) pelo menos a ideia central da obra de Thompson (que vai além do estigma das drogas e da piração). Entretanto, fico imaginando o que teria acontecido se algum professor tivesse me obrigado a ler um livro de Hunter Thompson quando eu estava na graduação. Possivelmente aconteceria uma das alternativas abaixo:

a) Eu não leria, cataria um resumo na internet e alteraria o texto pra passar com 7,0.
b) Pediria para alguém que leu me contar a história para eu fazer um resumo.
c) Não entregaria e ficaria sem nota e odiaria Hunter Thompson e o jornalismo gonzo pelo resto da minha vida.
d) Leria de má vontade, procurando achar todos os defeitos possíveis e imagináveis, pois essa é uma obra obrigatória, e sou contra tudo o que é obrigatório.
e) Não leria e escreveria as frases mais genéricas ditas pelo professor em sala de aula e anotadas no caderno, coisas do tipo “Hunter Thompson criou o jornalismo gonzo e, lendo esta obra, podemos perceber os motivos que a fizeram ser considerada um clássico do jornalismo literário mundial...”.

Então, eu jamais teria realmente lido um livro do Hunter Thompson e, muito menos, teria feito uma tese de doutorado sobre a obra dele.
O que eu tento fazer diante desse quadro – e que geralmente funciona muito bem – é dar apenas uma amostra, sem obrigação. Tipo o vendedor que oferece uma boquinha grátis no mercado: experimenta aí, sem compromisso. E o resultado é o mesmo: alguns gostam e querem mais e outros não (e ainda pensam “que professor retardado, considerar esse maluco um grande jornalista”), e cada um segue com a sua vida (com ou sem Thompson). Sem problemas.
Mas o que eu tenho feito é mostrar um trecho do documentário Life and Word of Dr. Hunter S Thompson e dar duas ou três páginas de alguns dos textos do jornalista que deixam claras as suas características e a sua visão mundo. Seria loucura tentar falar sobre essas características nesse espaço, afinal, quem quiser pode conferir a própria tese em que falo um pouco disso...
Bom, e por que escrevi tudo isso? Vou saber eu... Ontem comecei a escrever um texto que não terminei sobre crises de abstinência e ele se tratava justamente disso: coisas que não consigo ficar muito tempo sem ter ou fazer. E duas dessas coisas são: ler e escrever, não necessariamente nessa ordem. Eu andava meio estressado, meio angustiado, aí me dei conta de que fazia alguns dias que eu não pegava o livro que estou lendo. Li umas dez páginas e me acalmei. É tipo um viciado em crack que fica muito tempo sem o produto químico em seu organismo. E, hoje, senti essa necessidade insana de escrever. Por isso, escrevi sobre Thompson e Gonzo, afinal, breve tentarei explicar mais uma vez para uma turma com 40 alunos que diabos é jornalismo gonzo. E, na próxima crise de angústia e abstinência, caso eu lembre, escreverei sobre as outras coisas das quais não vivo sem. Hasta, imaginário leitor!

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