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terça-feira, 17 de junho de 2014

Fé na imortal e eterna estrada

Antes de vir para os Estados Unidos comprei o livro do jornalista carioca Dodô Azevedo, intitulado “Fé na estrada” (um trocadilho com o título do famoso On the road – traduzido para o português como “´Pé na estrada”). Nele, Dodô conta como foi a sua viagem aos Estados Unidos em 2003, dois anos após o 11 de setembro. Confesso que quando comprei o livro fiquei com medo de que o autor estivesse forçando a barra, enfim, que fosse uma mera imitação barata. Mas nada disso. Com um estilo próprio e cheio de humor, o carioca conta a sua viagem cross-country, feita de Nova York até a Califórnia, seguindo o trajeto de Kerouac de mais de cinco décadas atrás.
Assim como o Grêmio se declara imortal, e os colorados se proclamam eternos, a cultura, ou melhor, a contra-cultura, a cultura do Rock’n Roll, da literatura beat, a cultura hippie, e de tudo aquilo que floresceu nos anos 1960 e 1970, ainda existe aqui nos Estados Unidos. E, sinto lhes dizer, caros conservadores, também é uma cultura imortal e eterna, igualzinha a Grêmio e Inter. Eu já sabia que ela ainda tem muita força no Brasil, porém, o que eu sempre lia e ouvia de professores e estudiosos do assunto é que essa contra-cultura, em solo americano, já era. Ou que foi substituída por outras coisas.
Ou ainda, ouvia papos tratando essa cultura na contemporaneidade como modinha de adolescentes rebeldes.
O próprio Dodô Azevedo, conversando com os americanos em 2003, já constatava isso: grande parte da população não acredita que ainda existia gente vivendo da mesma maneira que a turma dos anos 1960 e 1970. No entanto – isso prova que eu não estou reivindicando nenhum ineditismo da tese – lá no início dos anos 2000 o Dodô mostrou que ainda existia, e muito fortemente, toda essa (contra) cultura. E agora é a minha vez. Depois de vir de Nova York até San Diego, estou vendo essa imortalidade e eternidade da contra-cultura com meus próprios olhos. Há muitos mochileiros em toda a California (também há nos outros estados, mas aqui é muito mais visível). Há milhares de hippies, gente que vive em vans ou trailers, viajando pelo país, barbudos que ganham a vida tocando violão na beira da praia – e que gastam os seus trocados para usar drogas em lugares paradisíacos e isolados; outros que vivem do artesanato hippie, etc. Ou, sob o ponto de vista de alguns, “gente feia”, “drogados” e “vagabundos”. Vagabundos iluminados.
Vendo tanta gente assim, tanto aqui nos Estados Unidos, quanto no Brasil, eu me pergunto: por que a imprensa, os meus colegas professores universitários e pesquisadores, os animadores de programas televisivos e radiofônicos, enfim, por que todo esse pessoal aborda a contra-cultura de 2014, e que vai sempre continuar existindo, como algo extinto?
Eu tenho três hipóteses: 1) eles realmente acreditam que isso é coisa do passado; 2) eles têm essa imagem porque não saem de seus casulos e, pelos livros que leem e pelo que ouvem de outros especialistas – iguais a eles – pensam que são donos da verdade; e 3) eles até admitem que isso existe, mas não querem mais gente conhecendo e vivendo essa filosofia de vida que questiona tudo o que é imposto pela sociedade século após século. (Última foto é de um hostel de San Diego que tirei dias atrás).
Enfim, talvez por não acreditar em tudo o que vejo, leio e ouço é que eu tenha tanto essa veia saltitante na minha corrente sanguínea que me deixa inquieto e com vontade de ver tudo com os meus próprios olhos. E o que meus olhos estão vendo é essa imortalidade e eternidade da contra cultura, ou, como chamou o Dodô, simplesmente uma fé na estrada.

*Texto que talvez foi publicado no J Missões de algum dia qualquer. Se foi, não sei, pois ninguém me avisou...

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