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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Diógenes, o Cínico

Contam que, na Antiguidade, Felipe, pai de Alexandre, o Grande, chamou Aristóteles para ser o seu preceptor. Ou seja, o rei chamou o filósofo para ver se ele deixava o filho menos estulto (para não dizer estúpido). Porém, como na vida nada é previsível e as coisas nem sempre acontecem do jeito que a gente quer, Alexandre e Aristóteles não se acertaram. Era mais ou menos como se Alexandre fosse colorado e Aristóteles gremista. Alexandre fosse republicado e Aristóteles democrata. Alexandre militar e Aristóteles comunista, e assim por diante. Então, mais tarde (não me acusem de superficial e raso, pois tenho pouco espaço) Alexandre, o Grande, querendo humilhar Aristóteles, foi até Diógenes, que era conhecido como O Cínico, para lhe declarar o maior filósofo de seu tempo. Como eu não estava lá, reconstituo o fato conforme me foi relatado, em sonho, por um ser orelhudo e enigmático com voz de Cid Moreira. Esse ser contou que, numa bela tarde, depois do almoço, Diógenes estava parado na frente de um rio tomando um sol, possivelmente palitando os dentes com o osso da asa de uma galinha. Ou seja, ele estava “lagartiando”, como falamos nas Missões. Pois eis que Diógenes estava lá, tranqüilamente lagartiando, quando viu Alexandre, o Grande, se aproximar e falar: “Meu caro Diógenes, eu, como rei, que em tudo manda, estou lhe declarando como o maior filósofo da humanidade de nosso tempo. Como reconhecimento à sua inteligência, você pode pedir o que quiser, o que desejar, o que imaginar, que lhe será dado com toda a satisfação”.
Diante de tal declaração, Diógenes suspirou fundo, encarou o rei, ergueu astutamente uma sobrancelha, e retrucou: “posso pedir o que eu quiser mesmo? O senhor, meu rei, não vai se ofender se eu for 100% sincero?”.
Alexandre, observado pelos soldados, que admiravam a cena com ares curiosos, respondeu sem pestanejar: “É claro que pode, meu amigo filósofo. Pede qualquer coisa que, palavra de rei, será dado”. Diógenes suspirou fundo novamente, olhou para o chão, franziu a testa, e encarou sobriamente o rei, antes de responder: “Então, meu rei, o que eu quero é que você, por favor, por gentileza, chegue um pouco mais para o lado que você está tapando meu sol”. E assim, esse se tornou um dos maiores tapas de luva aplicados na soberba de um homem de toda a história.
Esse episódio, narrado para mim pelo ser enigmático e orelhudo, também foi abordado por Foucault (claro que, com outras e mais belas palavras) quando ele falou sobre o ato de ser sincero durante curso no Collège de France no início dos anos 1980. E eu, caro leitor, tenho que ser sincero com você: diante das minhas obrigações e da chatice do campeonato brasileiro, estou completamente por fora do que está rolando no campo futebolístico. Quarta de manhã, acordei para ir à aula pensando em dar uma passada no Olímpico de noite, mas eis que, quando ligo a TV, a apresentadora diz “e depois dos comerciais: o gol da vitória do Grêmio...”. Murmurei em voz alta: “como assim, gol do Grêmio? Teve jogo na terça e ninguém me avisou?”. Antes disso, na segunda-feira, já tinha feito o mesmo assistindo ao Globo Esporte estadual e vendo os gols do jogo da Asaf na final da Série Prata. “Como assim, Asaf na final e ninguém me avisa?”. Pois é, cínico leitor, assim como o Diógenes, você deve estar se perguntando: e como esse cara aí está escrevendo nas páginas de esportes do JM? E eu, mais cinicamente ainda, respondo: não sei, cara pálida. Vá perguntar para o dono do jornal, que eu, como o Diógenes, quero apenas tomar o meu solzinho em paz.
Um bom final de semana a todos.

*Texto que, se não for censurado, será publicado no JMissões de sábado.

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