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domingo, 16 de setembro de 2012

Medo e Delírio em Fortaleza - By Vinícius Waltzer

Encontrei meu companheiro de viagem já no aeroporto de Porto Alegre. O plano era atravessar o país, rumo ao Ceará, e participar do Intercom – o congresso anual de comunicação que reúne uns figurões da área acadêmica, alguns nerds e um bando de estudantes loucos por conhecer o maior número de pessoas possível. Pela lógica, meu parceiro, que chamo apenas de Professor, ficaria com o primeiro grupo, eu com o segundo e as gurias mais desejadas com o terceiro. Não que eu seja nerd, mas tenho um senso de responsabilidade que faz as pessoas me confundirem com um cdf, mesmo eu ficando aquém da inteligência da maioria deles.
Bom, mas o fato é que quando entrei naquele avião com destino ao outro extremo do mapa do Brasil eu estava bem mais interessado em antropologia do que teorias do jornalismo. Não digo que saí do Intercom sem aproveitar nada para a minha vida acadêmica, isso seria muita burrice minha. Fiz uma baita reflexão sobre jornalismo regional, por exemplo, que tem me ajudado a entender o papel do meu trabalho no estágio que faço no jornal. Mas o maior aprendizado ficou por conta da convivência com as pessoas que conhecí em Fortaleza. Sotaques, experiências e visões de mundo. São estas coisas, muito mais do que a palestra afudê do DaMatta, que fazem minha primeira viagem ao Nordeste inesquecível.
Já na chegada eu sabia que o Intercom seria um pano de fundo pra tudo que eu queria conhecer em uma semana. Desembarcamos mais de onze da noite de um sábado e não tínhamos nem o endereço do hostel, que o Professor tinha anotado errado. O bafo que vinha da rua já dava uma amostra do clima cearense. Liguei pra um amigo em Porto Alegre com acesso à internet e consegui dizer ao motorista do táxi para onde estávamos indo. Era o início da aventura. Medo e Delírio em Fortaleza.
O nosso trabalho falava de Jornalismo Gonzo. Não posso dizer que tenhamos chegado perto do que o Hunter Thompson fazia nas coberturas dele, mas certamente daria para escrever uma boa reportagem sobre as aventuras de três gaúchos no Ceará (não apresentei a Esther, grande amiga e colega que chegou no segundo dia e foi fundamental para o desenrolar dos acontecimentos).
O Professor, contrariando a lógica dos outros e seguindo a lógica dele, parecia estar em um filme… algo como (CENSURADO) ou “curtindo a vida adoidado”. A Esther se divertiu e divertiu tanto as pessoas que até agora escuto as risadas dela. E eu? Bom… eu reclamei do calor, comi bastante, dormi uma média de duas horas por noite e conheci as melhores pessoas que poderia ter conhecido. Estrangeiros de vários estados brasileiros e de alguns países menos tropicais. Dessa interação toda, algumas coisas podem ser contadas, outras não. Algumas porque estrapolam um pouco algumas regras, outras porque fazem muito sentido pra gente, e nenhum pra quem não viveu aquela semana de Intercom.
Vou contar uma mais leve, que certamente vai nos render risadas por um bom tempo. Estávamos em uma festa. O Professor não foi porque está velho e precisa dormir mais que os outros. E também porque senão a mulher dele mata ele e, talvez, a nós todos. Estávamos nessa festa, um pouco porque um colega nosso tinha tido problemas com um vagabundo na rua e um pouco porque eu deveria encontrar lá uma cearense muito bonita e simpática que me ajudaria, caso desse tudo errado e eu me perdesse. Mas o que não deu certo foi encontrar a guria. Admito que muito por incompetência minha. Estávamos nessa festa… eu, o colega que brigou com o vagabundo, a Esther e os amigos baianos que fizemos no hostel. De repente um maluco não muito atraente chama nossa gaúcha pra conversar. Eu já caí na risada na hora, menos porque ele era pouco atraente e mais porque queria ver se deixava minha colega sem graça.
Alguns minutos de conversa e a Esther volta com aquela gargalhada que a gente não sabe se é alegria ou um plano maquiavélico em curso. Ela estava salva das minhas piadinhas. O alvo do cara era um de nós. “Quero conhecer o teu amigo de cinza”, disse o tal magrão pouco atraente. Como vestiam cinza apenas eu, com esse meu corpo de pedir desculpas, e um baiano negro cheio de estilo que estava com a gente, ela supôs na hora que o alvo era o baiano. Não era. Eu não teria problema em conhecer um cearense, mas as intenções antropológicas dele eram menos acadêmicas que as minhas. “Não vai rolar, brou”.
Não sei em que circustâncias, mas a Esther foi falar com o colega e ele respondeu de uma maneira que ela achou meio grosseira. Dois segundos depois o sorriso divertido da Esther tinha virado um risinho maléfico. Ela chamou o cara pouco atraente e disse: “olha, meu amigo de cinza prefere mulheres, mas aquele ali (o outro colega) eu não sei. Dança perto dele e vê no que dá”. O colega é um cara gente boa e é claro que ele ia conversar com um cara que parasse do lado dele. Logo de cara ele se mostrou tri disposto a interagir com um “cearense da terra do Jardel”. Mesmo desavisado sobre os interesses do nosso companheiro de festa, o colega não demorou muito para demonstrar que não jogava no mesmo time dele. Poupou constrangimentos, mas também impediu mais motivos pra gente dar risadas. Daquela festa não teve muito mais que isso. Logo depois o colega sumiu, enquanto eu jogava sinuca e tentava compensar a falta de habilidade para dançar. Logo que percebi que ele tinha ido embora, procurei por alguns quarteirões e voltei pro hostel na esperança de encontrar ele já dormindo. Por que ainda penso uma coisa dessas? Ele não voltara para o quarto.
(Algumas pessoas são mesmo totalmente irresponsáveis consigo mesmas. Agem por impulso e aproveitam as coisas sem se preocupar com nada. Tento agir assim, às vezes, porque sei que é muito mais divertido. Essa é uma característica que faz do nosso colega um grande parceiro. Só é preciso tomar alguns cuidados para ele não ir preso ou ser apagado por algum vagabundo cearense que tenha jurado dar um tiro nele um dia antes.)
Mesmo sendo muito tarde e eu estando muito cansado, resolvi esperar mais um pouco e sair para procurar o desaparecido. Peguei no sono esperando. Um tempo depois ele me mandou uma mensagem codificada no celular, dizendo mais ou menos que estava bem, em uma pousada com outros congressistas. Eram cinco da manhã, no mínimo. Fui dormir. Acordei às sete, tomei banho, café e acho que já estava de papo com um pessoal do hostel quando o colega me ligou pra perguntar a senha do banco pra que ele pudesse pegar dinheiro pra um táxi. Encontrei ele com a cara mais deslavada do mundo, meia hora depois, subindo a escada que levava ao quarto onde ele passaria o resto do dia dormindo. Nessa hora eu prometi pra mim mesmo que escreveria contando a história e levantaria a possibilidade de ele ter sumido para conhecer melhor o tal do cara pouco atraente que encontramos na festa. Não recupera minhas horas de sono daquela noite, mas faz eu me sentir melhor.

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