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sábado, 26 de maio de 2012

Procura-se

Ontem tive uma experiência traumática. A essa altura da vida, já perdi dinheiro, já perdi guarda-chuva, já esqueci boné em ônibus, já esqueci até um mini-rancho em um táxi, e nunca liguei muito para essas perdas meramente materiais. Também já perdi coisas mais sérias como uma namorada, um ônibus ou um jogo do Grêmio. Mas ontem, exatamente ontem, perdi um livro. Porém, não era um livro qualquer. Trata-se de Opinião Pública, escrito em 1922 pelo jornalista e pesquisador americano Walter Lippmann, e republicado em 2011 pela editora Vozes, com tradução do meu professor Jacques Wainberg. Comprei esse livro no início do ano, na Vanguarda, aqui em Pelotas. Paguei, se não me engano, algo como R$68. Para alguém na situação em que me encontro, isso é uma fortuna. Para terem uma idéia, em Porto Alegre, dia desses, fui pegar um ônibus e quando fui conferir quanto tinha na carteira levei um susto, ou, um cagaço, como dizem aqui no Sul: R$2,80. A passagem é R$2,85. Só que meus R$2,80 eram todos em moedas, e moedas de pouco valor, como de 5 e 10 centavos. Pensei: “O cobrador não vai se dar ao trabalho de contar quanto lhe entreguei”. Pois é, arrisquei e, para minha sorte, o ônibus estava lotado. Dessa forma o cobrador realmente não contou minhas moedas e passei pela roleta devendo 5 centavos. Já noutro dia tive que escolher: ou almoçava com refri e voltava a pé para casa, ou não tomava refri e pegava o busão. Minhas lombrigas falaram mais alto e almocei com refri. Resultado: voltei a pé da PUC, no Partenon, até a Venâncio Aires com José do Patrocínio, na Cidade Baixa. Exatamente uma hora e 20 minutos de caminhada logo depois do meio-dia. Enfim, tudo isso para você, astuto leitor, perceber que não estou em condições de perder um livro de R$68. Isso é praticamente uma tragédia. Ou melhor, no meu caso, foi uma tragédia. Explico-me. Além de perder um livro de valor (tanto no sentido econômico quanto no de conteúdo), eu estava lendo o texto exatamente na página 110 (o livro tem, se não me falha a memória, umas 350 páginas). Tinha acabado de ler o capítulo em que o autor fala sobre “estereótipos”. Só pelo que eu li, sei que usaria esse livro, no mínimo, para: 1) usar nas minhas aulas como professor; 2) usar no meu artigo para a disciplina de Ética e Normatividade; 3) usar na minha resenha crítica para o seminário que eu estava fazendo no momento em que perdi o livro; 4) usar na minha tese de doutorado; 5) usar para futuros trabalhos acadêmicos. Quando vi que tinha perdido o livro, tentei me acalmar, fui à biblioteca ver se tinha alguma edição disponível. Que nada. Tem dois ou três exemplares, todos retirados e todos reservados para as próximas semanas. Pensei em procurar na Estante Virtual uma edição mais barata: nada, o preço mais barato é R$67 para essa edição de 2011. R$1 a menos do que eu paguei na livraria. Enfim, até agora não me conformei com o ocorrido.
Quando olho para a estante com aquele pequeno buraco no meio de outros livros, irmãos seus, meu peito é tomado por um vazio e uma angústia toma conta do meu ser. Fico me perguntando: onde estará? Estará feliz sendo lido por outros olhos? Estarão lhe tratando bem? O seu novo dono vai ler o livro na íntegra como eu iria ler, ou vai apenas colocá-lo na estante para mostrá-lo às visitas? Ou será que seu novo dono vai repassá-lo para algum sebo para tirar algum trocado para comprar crack? Dúvidas, dúvidas, angústias... Encerro, contando como aconteceu o ocorrido. Eu estava sentado nas cadeirinhas que tem perto da entrada do prédio da Famecos, aquelas que ficam ao redor de um círculo de cimento onde as pessoas colocam os pés em cima. Pois é, eu estava exatamente assim: todo esticado, lendo o livro com as pernas estendidas naquele círculo. Foi quando apareceu a minha orientadora do doutorado, Beatriz Dornelles. Eu larguei o livro no banquinho do lado e fiquei conversando com ela. Assim que ela se despediu, tocou o telefone e eram meus pais que estavam chegando para dar uma carona para a minha mala até Pelotas. Sim, eu estava de mala na PUC, e meus pais iriam de carro até Pelotas, então, mandei minha mala por eles para pegar o ônibus mais leve de noite. Pois é, peguei a mala e minha mochila com o material do seminário e fui para a frente da PUC esperá-los. Eles chegaram, despachei a mala e, quando voltei, fui pegar o livro para ler novamente e então me dei conta: cadê o livro? Procurei em todos os lugares possíveis e imagináveis, perguntei para a mulher do bar da Famecos, fui no DA, fui na secretaria da graduação, na secretaria do pós, nos laboratórios, e nada. Ele simplesmente sumiu. Ou seja, certamente alguém se apropriou ilegalmente dele. Pior que tem minha assinatura numa das primeiras páginas. E tem parágrafos sublinhados, marcados, anotações, rabiscos, desenhos... Chega, chega. É muita angústia. Vou tentar esquecê-lo um pouco. Tragam o vinho! Fui!

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