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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Popularização ou vulgarização do conhecimento?

Estava contabilizando o número de cursos de jornalismo existentes no Rio Grande do Sul. Contei, sem dificuldades, 21 cursos. Creio que não esqueci nenhum, mas vamos lá: UFRGS, UFSM Santa Maria, UFSM Frederico Wetsphalen, UFSM Palmeira das Missões, PUCRS, IPA, Ulbra, Unisinos, Feevale, UFPEL, UCPEL, Unipampa, Unifra, Univates, Urcamp, UCS, UPF, Unijuí, Unicruz, Uniritter e ESPM. O que me chama a atenção nesses números é que, ao mesmo tempo em que se aumentou bastante o número de cursos e, consequentemente de alunos e de formandos por semestre, o aumento no número de vagas para profissionais no mercado de trabalho e de vagas para pesquisadores com bolsas em cursos de mestrado e doutorado não cresceu nas mesmas proporções. E, diante disso, corre-se o risco de termos no Jornalismo, e em outras áreas do conhecimento, o mesmo fenômeno que há um bom tempo já temos nos cursos de Direito: uma vulgarização do conhecimento e uma desvalorização da profissão e da ciência. Anos atrás, o sujeito que entrava em um curso superior qualquer era O CARA da família. E a maioria procurava o curso de Direito. Até porque, antes do surgimento dos cursos de Jornalismo, as redações eram formadas praticamente por bacharéis em Direito, que também trabalhavam em outras áreas afins. Agora o sujeito procura um curso de Direito para fazer um concurso para qualquer coisa para “estar feito na vida”. Um colega meu do doutorado, que cursa comigo uma disciplina de Filosofia, contou como funciona a coisa. No primeiro dia de aula, o professor pergunta quem está fazendo Direito para atuar na advocacia. Meia dúzia levanta a mão. Pergunta quem pretende seguir no mundo da pesquisa, no meio acadêmico. Dois ou três levantam a mão. Pergunta quem pretende ser procurador, promotor, juiz etc. Outra meia dúzia levanta a mão. E então pergunta quem pretende fazer outro concurso público para ser servidor em qualquer coisa: quase a turma inteira levanta a mão. O sujeito faz Direito para ser policial, para ser investigador, para ser assessor de alguma coisa e até para ser faxineiro do Senado, com salário inicial de uns três paus. Ou seja, cadê a valorização do conhecimento dentro das universidades de Direito? Cadê a pesquisa? Cadê os debates? É claro que esse quadro não é uma unanimidade, mas, sinceramente, através dessa “popularização” do conhecimento e do estudo, tem-se uma falsa massificação do conhecimento, pois o resultado disso é uma formação precária, e em patamar de currículo igual, de alunos que estudam e se preparam com o de alunos que passam, literalmente, “nas coxas”, para trabalhar em qualquer coisa. O aluno alega: “não preciso saber disso, pois estou fazendo Direito para ser policial”, e o professor acaba relevando o argumento do aluno e acaba passando o cara com a nota mínima. Não se tem mais a visão de que se o cara vai ser bacharel em Direito ele tem que saber sobre TUDO relacionado à profissão, assim como não se tem mais a ideia de que o sujeito para ser jornalista, mesmo que ele pretenda trabalhar em TV, deve saber sobre TUDO relacionado ao Jornalismo (história, legislação, normas de redação, etc). No Jornalismo, entretanto, essa popularização acaba não funcionando tão bem na prática, pois se o pessoal do Direito que não estuda ainda consegue passar em um concurso para segurança de alguma Assembleia Legislativa, o pessoal do Jornalismo acaba tendo que abandonar a profissão para ir trabalhar em outras áreas (comércio, panfletagem, cozinha, etc). Enfim, o resultado desse falso-investimento em educação é, dentre outras coisas, uma desvalorização das profissões, uma vulgarização do conhecimento, uma visão distorcida da realidade onde muitos pensam que é melhor fazer um curso X porque paga melhor do que ser um bom profissional em um curso Y. E, voltando à questão do Direito, tem-se um problema ainda maior, pois qualquer reforma política ou social, no Brasil, perpassa pelo Direito. O Brasil é um país extremamente dependente de uma Justiça (que na prática não existe) que acaba atuando, literalmente, como o grande pai da sociedade. Aliás, até nesse processo de escolha do Direito para seguir carreira como servidor público se tem essa relação paternal entre Estado e sujeito. O estudante-padrão da maioria dos cursos é o cara de classe média (ou classe alta) que sempre foi sustentado pelo pai. Se forma, e ganha de presente um carro por ter concluído essa etapa da vida. Cedo ou tarde, o pai se cansa, ou morre, ou coisa parecida, e o sujeito precisa achar um outro pai que lhe sustente. E quem é esse pai substituto? O Estado, obviamente. É por isso que eu não caio nessa lorota de que o Brasil está se tornando a sexta economia, que é um pais “emergente”, “em desenvolvimento”. O Brasil é um país atrasado e que para se tornar em desenvolvimento ainda tem que correr muito atrás da Europa e dos Estados Unidos nesses dois aspectos: 1) substituição do poder do Estado por um poder organização cultural, que esteja na raiz da sociedade, e não em uma Constituição que ninguém respeita; 2) na seriedade da pesquisa e da ciência. Enquanto os cursos de graduação formar jornalistas apenas para serem patetas que querem aparecer na televisão ou bacharéis de direito que querem fazer concurso público para vigia do pai Estado, a coisa não vai evoluir. Enfim, teria muito mais a escrever sobre o assunto, e se o paciente e preguiçoso leitor conseguiu chegar até aqui, por favor, deixe seu comentário. Hasta!

6 Comentários:

  • E aí no Rio tem bacharel fazendo concurso pra gari, porquê o salário é "mais ou menos"!

    Por Blogger Marcos, às 21 de maio de 2012 às 11:03  

  • porra alemao!

    seguinte, existe uma diferença entre potencia economica e desenvolvimento. O Brasil, assim como India e China, e quase todos os ditos emergentes, sàao novas potencias economicas, mas estao a anos luz do desenvolvimento.

    Eu preferiria mil vezes ser desenvolvido e nao ser potencia (como os paises nordicos, por exemplo)do que ser uma potencia economica eternamente SIM subdesenvolvida.

    volto agora às sombras, porra alemao!

    Por Blogger Zaratustra, às 21 de maio de 2012 às 18:53  

  • Acho que a sua argumentação tem dois aspectos. De um lado, tem uma preocupação, válida, com a qualidade do ensino no Brasil. Por outro lado, ao questionar a popularização do ensino superior você cai num discurso elitista que me incomoda pra cacete. Defender o ensino superior para poucos é ridículo. A popularização do ensino superior é boa para o país. O que é ruim é o ensino de baixa qualidade.

    Por Blogger ababeladomundo, às 22 de maio de 2012 às 09:45  

  • elementar

    Por Blogger Eduardo, às 23 de maio de 2012 às 08:55  

  • Discordo quando falas na vulgarização do ensino; dar acesso a todos é louvável; está-se cumprindo com os mandamentos constitucionais; o que é discutível é a qualidade do ensino; e, aqui no Brasil, não é de hoje que é ruim, infelizmente. Agora, não é só em Direito, nem só em Jornalismo; e a qualidade e o interesse dos alunos, ou dos futuros profissionais, pode ser discutida; mas, creio, que uma parte significativa destes 1% de brasileiros que conseguem ter acesso ao curso superior está realmente preocupado em fazer um bom curso e ter qualidade na futura profissão. Não entendi tua raiva contra os bacharéis em direito...em qualquer área do conhecimento se pode fazer concurso público, pq não os bacharéis em direito? e para motorista não precisa este diploma... tem alguns cargos q exigem, os de nível médio ou baixo não...

    Por Blogger Lorení , às 9 de junho de 2012 às 19:07  

  • Também sou contrária a essa vulgarização. Por causa dessa popularização às avessas (sem qualidade) tive o desprazer de encontrar um jumentos-diplomados... Ê, brasil! (sim, com inicial minúscula msm)

    Por Blogger Thaisa, às 27 de junho de 2012 às 19:34  

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