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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Teorias e reflexões em Santa Cruz do Sul

Dividirei o relato de minha viagem para Santa Cruz do Sul em dois posts. O primeiro será mais sério, falando sobre o Encontro Gaúcho de Professores de Jornalismo, que aconteceu sexta-feira e sábado na Unisc. Já o segundo será mais “solto”, sobre minha ida no jogo Santa Cruz 1x1 Grêmio e minha sinistra volta para Ijuí.
Portanto, comecemos pelo princípio, como diria o Chapolim.
Fui para o Encontro com aquele espírito que ocupou as acirradas discussões que tive nos últimos posts com meus amigos-leitores-jornalistas. Trabalhei na sexta de manhã, peguei o ônibus rumo a Santa Cruz às 13h20 e cheguei lá às 19h, após parar em todos os buracos possíveis que existem entre o Noroeste do Rio Grande e Santa Cruz do Sul. Chegando à rodoviária, caiu o mundo em chuva e peguei um táxi rumo a Unisc. A abertura do evento era às 19h30, portanto, cheguei em cima da hora. A mesa foi ocupada pelo meu ilustre orientador do mestrado, presidente da Intercom e professor do Programa de Pós em Comunicação da PUCRS, ex-vice governador do Estado Antonio Hohlfeldt, e pela coordenadora do PPGCom da Unisinos, Christa Berger. Inicialmente, a Christa apresentou uma discussão teórica sobre a consolidação do campo jornalístico. Vale lembrar que, assim como sugeria o tema do evento (A formação superior como elemento constitutivo e legitimador do campo jornalístico) a discussão acabou girando bastante em torno da polêmica da queda da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da função, em 2009. Depois da fala da professora Christa, foi a vez do Hohlfeldt deixar clara sua opinião sobre o tema: a decisão do STF demonstrou a ignorância que os magistrados tem em relação ao assunto e lamentou o fato da sociedade estar nas mãos deles. Aliás, como ressaltou o professor, o azar maior não é nem dos profissionais, nem das universidades e muito menos dos professores e alunos. O azar maior é da sociedade. Como destacou o professor, para ser “papagaio” e apenas repetir o que as fontes dizem, realmente, não é preciso o diploma. Entretanto, ser jornalista é muito mais do que ser papagaio. E aí entra a questão da qualificação profissional que quem atua como jornalista precisa ter. Nesse ponto, ele citou dois exemplos (acho que eram três, mas lembro agora de dois...) históricos de como, com essa decisão do STF, estamos literalmente regredindo no tempo. Primeiro, ele lembrou o livro de Pulitzer, escrito em 1904, que já apresentava elementos mais do que suficientes para se considerar obrigatório o diploma. Sobre esse livro, que apresenta argumentos favoráveis a criação de uma faculdade de jronalismo, vou falar mais adiante. E, além disso, ele apresentou o livro “Iniciação à filosofia do jornalismo” escrito por Luiz Beltrão na década de 1960. Ou seja, nessas duas obras, escritas há décadas, já se tinha a visão clara, através desses dois autores, da necessidade de o jornalista ter passado por uma universidade estudando as especificidades do jornalismo (e não apenas as técnicas de produção). Claro que, como o exigente leitor desse blog não gosta de muitas reflexões densas e extensas, fico a mercê das críticas dos acadêmicos de plantão que vão dizer que estou sendo simplista e reducionista, mas estou aqui escrevendo para jornalistas e nãojornalistas, portanto.. enfim, segue o baile.
Ainda nessa mesma noite, o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, Zé Nunes, também falou sobre o que já está acontecendo nas redações do Estado, lembrando que, se essa medida do STF não for revertida, a tendência é só piorar. No meio da discussão, o professor Hohlfedt também criticou duramente as universidades que fecharam seus cursos de jornalismo após a medida do STF: “Essas até é bom que tenham fechado, porque, por adotar uma atitude dessas, elas não são dignas de manter um departamento de estudos em jornalismo”. E, nesse sentido, e em meio a outras discussões, que não caberia colocar todas elas aqui sob pena de perder os preguiçosos leitores (e até porque, como já ressaltei nesse blog, não pretendo fazer aqui nem jornalismo tradicional, nem textos acadêmicos), enfim, nesse sentido, seguiu a noite. Após as palestras e uma breve discussão com o público houve um coquetel onde, inicialmente, fiquei olhando os outros comerem, mas depois de confirmar com o pessoal da cozinha quais os alimentos não continham ovo, eu acabei dando minha parcela de prejuízo ao pessoal do Fórum que bancou o coquetel.
Já no sábado, o meu Grupo de Trabalho, que era sobre Ética e Teoria do Jornalismo, realizou todas as suas atividades de manhã, já que alguns autores não compareceram ao encontro. Inicialmente Carina Hörbe Weber, mestranda em Desenvolvimento pela Unisc, apresentou seu trabalho “Relacionamento dos jornais hegemônicos das regiões do Vale do Rio Pardo e Central/RS com os leitores e com o território”, abordando, principalmente, a questão que envolve a abrangência do jornal na região e ainda como alguns dos jornais que se dizem “regionais” adotam esse título apenas de fachada (desculpem reduzir o trabalho dela em termos tão simplistas, mas quem se interessar pelo tema poderá ler a sua dissertação posteriormente, que, aliás, é muito interessante). Depois foi a vez de Fernanda Finkler, colega da Fernanda no mestrado da Unisc, apresentar o seu trabalho “Jornais impressos na região do Corede (VRP): cenário e conexões com o desenvolvimento”. O único comentário que posso fazer é que ela deixou todos boquiabertos com sua desenvoltura e com os dados apresentados. Depois foi a minha vez, quando apresentei a minha pesquisa, intitulada “Jornalista profissional – uma perspectiva teórica e histórica”. Tentei não ficar muito na questão do texto, pois todos os participantes tinham o CD com a cópia do texto integral do artigo. Apresentei oralmente três experienciais pessoais envolvendo o desrespeito e a desvalorização profissional que, como disse, só tendem a se agravar se for mantida a decisão do STF. Primeiro, a minha passagem por um grupo de rádios em Bento Gonçalves, onde, claramente, eu fazia textos e fotos para um portal e, mesmo assim, não recebia o salário como jornalista, mas sim, como radialista (o que quer dizer que, para fechar o valor do piso, eu tinha que trabalhar muito mais horas). Contei, inclusive, que por esse cálculo o nosso salário não chegava a cinco pila a hora e, numa determinada situação, meus dois colegas e eu, que dividíamos a casa em Bento Gonçalves, fomos contratar uma faxineira para limpar a nossa casa e ela cobrou (adivinhem?) 10 reais a hora. Ou seja, mais que o dobro do que a gente recebia. Nada contra o trabalho das faxineiras, mas isso demonstra o valor que é dado à profissão de jornalista pela sociedade, tanto financeiramente quanto moralmente, pois são visíveis as diferenças de pré-requisitos para o exercício das duas profissões. Depois, contei o caso, já publicado aqui, da minha briga com o DEM e o PC do B (com ameaças de processos e tudo o mais), e, por fim, contei um caso recente que ocorreu com pessoas próximas a mim, onde radialistas ocupam funções de jornalistas, aliás, sem exercer a função para as quais são pagos (e isso em um órgão público). E, finalizando, apresentei alguns tópicos do texto. Aliás, utilizei muitos autores indicados pelo Hohlfeldt. Coloco aqui pequenos trechos do artigo, com os argumentos do Pulitzer, rebatendo aos seus críticos. Vejam só:

“A educação começa no berço, em casa, com os ensinamentos das mães, e se completa através de outras influências sofridas através da vida. Uma faculdade é uma dessas formas usuais de influência, mas não possui poderes mágicos. Um tolo, mesmo pendurada em seu nome uma coleção de títulos, continua a ser um tolo; e um gênio, se necessário, erigirá sua própria faculdade, mas através de um doloroso desperdício de esforço que poderia ser melhor aproveitado num trabalho mais produtivo. Gosto de lembrar que Lincoln, cuja academia foi um livro emprestado, lido à luz da lareira, estudou Euclides no Congresso, já com quase 40 anos. Não teria sido melhor se isso tivesse acontecido quando tinha quatorze? Toda a inteligência precisa de aperfeiçoamento (PULITZER, 2009, p. 11)”.

“Por fim, eles objetam que eu sou uma prova de que uma faculdade de jornalismo é desnecessária, por ter tido sucesso sem passar por nenhuma. Quem sabe me permitam analisar este ponto. É bem ingênuo usar minha pessoa como argumento contra meu próprio projeto. Se eu tive algum sucesso foi porque, em tudo o que envolveu meu trabalho e prazer pessoal, jamais encarei o jornalismo como um negócio. Desde minha primeira hora de trabalho, durante quase quarenta anos, encarei o jornalismo não apenas como uma profissão, mas como a mais nobre de todas as profissões. Sempre senti que estava em contato com a mente do público e que deveria fazer alguma coisa boa a cada dia. Provavelmente não tenha conseguido, mas não foi por falta de dedicação (PULITZER, 2009, p. 25)”.

“Um editor, um editorialista ou um correspondente não estão fazendo negócios. Nem tampouco um repórter competente. Esses homens estão já numa profissão, mesmo que não percebam ou não admitam, como muitos deles, infelizmente, o fazem. Bem ou mal, eles são os autores de seu trabalho, e ser autor é uma profissão (PULITZER, 2009, p. 27)”.

Por fim, recorro ao Nelson Traquina:
“Se os jornalistas não foram capazes de fechar o seu território de trabalho, foram capazes de forjar uma forte identidade profissional, isto é, uma resposta bem clara à pergunta o que é ser jornalista, parte de toda uma cultura, constituída por uma constelação de crenças, mitos, valores, símbolos e representações que constituem o ar que marca a produção das notícias. A vasta cultura profissional dos jornalistas fornece um modo de ser/estar, um modo de agir, um modo de falar, e um modo de ver o mundo (TRAQUINA, 2005, p. 121)”.

Como é fácil de ver, são tantos e tantos argumentos que já foram escritos livros e livros sobre o assunto (que vão desde jornalistas até sociólogos e filósofos), porém, é óbvio, o pessoal do STF não leu e não ouviu falar de nenhum deles. Nesse ponto, talvez, até tenha um lado positivo a decisão do STF, pois, como ressaltou a professora Christa, talvez era isso que faltava para fazer o povo todo se mexer e buscar a delimitação mais clara do campo dentro da sociedade.
Por fim, após a minha apresentação, foi a vez do professor Jorge Arlan de Oliveira Pereira apresentar o trabalho “A disciplina de Teorias do Jornalismo como espaço de teorização inicial”. Gostei muito da apresentação dele, que apontou muitos pontos que convergiram com o que eu falei, porém, como já escrevi além da conta quero voltar a falar sobre esses temas em posts posteriores. O fato é que, assim como eu, o professor Jorge também tem uma preocupação com os jornalistas que estão sendo formados que acreditam que fazer jornalismo se limita a fazer matérias comerciais, propagandísticas e trabalhos de assessoria de imprensa. Claro que, concordamos, esses trabalhos são necessários e relevantes, porém, o jornalismo engloba isso tudo, mas, também, vai além desse reducionismo.
Por fim (novamente), a professora Sonia Cristina Poltronieri Mendonça e Denise Paro apresentou o trabalho “Jornalismo de fronteira: apontamentos de jornalistas sobre a cobertura na tríplice fronteira do Brasil, Paraguai e Argentina” e, depois, foi a vez do presidente do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo, professor Sérgio Luiz Gadini apresentar o trabalho “Crítica de Mídia, Expressão Pública e Cidadania: Experiência de formação profissional pelo blog 'Crítica de Ponta'”. Esse trabalho, bem como o anterior, também apresentou diversos pontos de convergência com o meu, e tratou de outro tema que me fascina: a liberdade de imprensa na contemporaneidade. Abordou, inclusive, a ameaça que um apresentador de um programa policial de TV a Cabo fez aos seus alunos, que haviam escrito, no blog da turma, um texto crítico sobre o programa. Mas isso também merece um post a parte.
Para finalizar, de tarde visitei os outros GTs e vi a apresentação dos resultados de um levantamento feito por um grupo de professores e pesquisadores sobre a disciplina de jornalismo digital nas universidades brasileiras. A pesquisa foi apresentada pelo professor da UFRGS, Alex Primo, e pela minha ex-colega de graduação, doutoranda em Comunicação pela UFRGS e minha amiga Vivian Belochio. Essa apresentação também merece um post a parte, porém, já indico de antemão a leitura do livro lançado a partir da pesquisa.
Agora sim, acho que me estendi demais e vou parando por aqui. Tentei ser sintético, mas, mesmo assim, tenho certeza que fui simplista e reducionista, porém, foram tantos os temas abordados e que merecem um amplo destaque que se torna impossível abordar todos eles em um simples post desse humilde blog.
A seguir (em outro dia, possivelmente) as histórias cômicas dessa viagem.

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