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quinta-feira, 31 de março de 2011

Sobre a censura e a cultura do processo

Quando foi por terra a ditadura militar, jornalistas e escritores vibraram. “Estamos livres! Viva a democracia!”, exclamaram uns aos outros. Entretanto, os anos se passaram e cria-se, dia a dia, um outro tipo de censura, talvez mais grave do que a militar: a censura do processo. Jornalistas, comentaristas, analistas ou escritores. Todos os dias uma pilha de processos contra a liberdade de expressão e de opinião entra no nosso judiciário, aumentando mais a pilha de processos a serem julgados, enquanto aqueles, mais urgentes e graves, ficam para trás. Daqui a alguns dias, ao invés de um censor da ditadura militar ficar presente na redação, como ocorria na década de 1970, teremos um advogado plantado atrás dos jornalistas. Ele lerá as matérias e textos opinativos e censurará metade do jornal. Ou, mais grave ainda, assim como os exilados políticos tinham que escrever seus textos do exterior, para não serem presos pelas críticas ao governo, os jornalistas e escritores contemporâneos terão que deixar o país para não serem processados. Conquistarão a cidadania alemã, italiana, russa, belga, e do outro lado do oceano mandarão suas críticas aos governos, aos deputados, aos senadores, aos vereadores e aos partidos.
Pois, esquecem os carrascos dos processos, que o direito de liberdade de expressão está na Constituição. Portanto, qualquer medida contrária a isso é, antes de tudo, inconstitucional. Portanto, qualquer erro de INFORMAÇÃO pode ser retratada no mesmo espaço, com ou sem decisão judicial. Entretanto, ninguém pode obrigar outrem a mudar de OPINIÃO via processo judicial. Aliás, como ressaltou Stuart Mill, em Sobre a Liberdade (não canso de citar o velho e bom Mill), enquanto houver uma opinião divergente das demais, esse um terá direito de se manifestar.
Estou escrevendo tudo isso, meus amigos, porque recebi uma ameaça de processo de um partido político de Santo Ângelo, que não vou citar o nome porque o seu suposto “representante jurídico” fez o contato comigo via MSN, e nada garante que ele é realmente representante da tal sigla que tem, no mínimo, um passado um tanto quanto obscuro. Algo, no mínimo, estranho. Além disso, ele pediu meu endereço que, obviamente, não dei. Pensei até em imprimir a conversa e fazer um Boletim de Ocorrência na Brigada Militar, mas não vou fazer os PMs e a Justiça perder tempo com isso. Sou um cidadão consciente.
Aliás, ao suposto advogado desse partido, que só poderia ser um filho da ditadura, cito Alexis de Tocqueville (se não sabem quem é, vão estudar), que em Dialética do Esclarecimento, diz: “O mestre não diz mais: você pensará como eu ou morrerá. Ele diz: você é livre de não pensar como eu”.
Além disso tudo, ainda achei aqui, lendo o “Notícias do Planalto”, uma situação vivida pelo dono do jornal Estado de São Paulo, na época da ditadura, o falecido Mesquita Filho. Eis o trecho:
“Entre 1968 e 1972, censores telefonavam para as redações do Jornal da Tarde e do Estado e proibiam a divulgação de certas notícias. A autocensura durou até 24 de agosto de 1972, quando a empresa foi invadida por policiais armados que procuraram um editorial, inexistente, em que o Estadão lançaria a candidatura de Ernesto Geisel à sucessão de Médici. Ruy e Julio de Mesquita Neto não aceitaram a autocensura, e o governo passou a censurar ele próprio as publicações do grupo. E fizeram mais: como o pai deles havia sofrido o exílio, contrataram jornalistas brasileiros exilados para colaborar nos jornais. Até janeiro de 1975, censores cortaram, no todo ou em parte, 1.136 reportagens de O Estado de São Paulo. No lugar das matérias vetadas, o jornal publicava trechos de Os Lusíadas, de Camões, e o Jornal da Tarde, receitas culinárias, para que os leitores percebessem as marcas do arbítrio” (CONTI, 1999, p.616).
Ou seja, caros leitores, se por acaso, algum dia aparecer aqui algo como um trecho de um livro literário ou receitas do Anonymus Gourmet, já sabem o que está rolando. E, caso aconteça alguma coisa comigo, os editores também já sabem a sigla que está me perseguindo. Hasta, amigos!

*Texto encaminhado aos três jornais de Santo City.

4 Comentários:

  • Este comentário foi removido pelo autor.

    Por Blogger Carolina, às 31 de março de 2011 às 13:16  

  • Este comentário foi removido pelo autor.

    Por Blogger Carolina, às 31 de março de 2011 às 13:49  

  • "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-la" Esse è o Voltaire. Eu eu concordo com ele. Porra alemao!

    Por Blogger Zaratustra, às 31 de março de 2011 às 13:51  

  • Parece ridículo mas talvez a tentativa de censura ocorrida hoje junto aos meios de comunicação seja até pior. Vi o caso de um jornal que só pode publicar notícias do partido do prefeito da cidade, nada contrário se não eles vão tirar a publicidade e o jornal irá a falência. Abuso de poder, pessoas que se acham! Ninguém respeita mais a opinião de ninguém e, pior, não sabem diferenciar opinião de informação. Onde fomos amarrar nosso barco...

    Por Blogger Dilea Pase, às 1 de abril de 2011 às 11:21  

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