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sábado, 16 de janeiro de 2010

A oncinha felina

Fred ainda tinha o peito doído pela última decepção de sua vida. Estava na beira da praia, bebericando uma caipirinha, tentando aliviar o aperto no peito com um falso entusiasmo, conversando com Roger, seu melhor amigo, sobre a infeliz peça que o imperdoável destino lhe pregara:
- Não esquenta não – dizia Roger – Já passei muito por isso. Tudo passa, como já diria algum filósofo cantor...
- Porra, meu – disse Fred, antes de bebericar a caipirinha – não estou nem ligando. Vamos pra balada e arrebentar.
- Cara, eu te entendo. Mas... você quer que eu te diga a real, na cara dura?
- Fala aí. Nada que tu disser vai me atingir.
- Cara, tu ainda gosta dela. Só está bravo... Já passei por isso... Vem com essa história de vingancinha...
- Meu, não fode – cortou Fred.
- Está certo, mas já estou até vendo: vamos sair, se empedrar, você vai tomar três tocos de três minas, vai ficar mal, deprimido, e vai chorar no meu ombro que ainda gosta dela e que não consegue viver sem ela.
- Porra, eu sei disso, não precisa me dizer!
- E eu vou rir muito da tua cara.
- E vai ser bom pracaraí! – retrucou Fred – Vamos rir muito! Vamos beber muito! O mundo é muito grande mermão! Essa é a vida! A vida real!!
Roger tomou o copo de caipirinha da mão do amigo, balançou negativamente a cabeça, e tomou um longo gole. Fred olhava do amigo para o copo, do copo para o amigo, preocupado que ele fosse tomar toda a bira.
E foi quando estava nessa expectativa toda, numa confusão mental que ia da ex-namorada para o fim da caipirinha e da caipirinha para a ex-namorada que ele a viu passar. Ou melhor, ele a viu desfilar diante de seus olhos. Tinha os cabelos castanhos claros, praticamente loiros. Era magra, um pouco baixa, uns três anos mais nova do que ele, ginga elegante no andar. Deslizava sobre a areia como se estivesse patinando talentosamente sobre o gelo. Cada passo dela marcava uma batida no coração de Fred. Aos poucos ele esqueceu a caipirinha, a ex-namorada, as borracheiras que estava marcando com Roger, esqueceu até do calor infernal que fazia àquela hora da tarde, sem guarda-sol para protegê-los. Só tinha atenção para ela e para seus olhos felinos, que estavam semi-escondidos por um óculos de sol não muito escuro. E, para completar, usava biquini de oncinha. De oncinha! Naquele momento, ele era um leão querendo correr atrás daquela oncinha perfeita, que durante aqueles rápidos segundos em que desfilou em sua frente, fizeram-no lembrar de que a felicidade, sim, existia! Aliás, não só existe, mas veste biquini de oncinha! Yes, you can, my friend!
Fred só aterrizou das nuvens quando o amigo lhe deu um cutucão e falou em voz alta:
- Pega isso aqui meu! Toma um gole e aprecie essas deusas seminuas!
A voz do amigo mal chegava aos seus ouvidos, que seguiu acompanhando o desfilar daquela criatura magnífica, que estendeu sua toalha num canto da areia e lá sentou-se, puxando de sua sacolinha um pote de creme bronzeador. Como ele queria estar naquele pote! De longe, acompanhou ela colocar o líquido branco na palma de uma das mão, e, com a mão direita, esfregar o creme no braço esquerdo. E assim fez com o braço direito, com as pernas (ah, que pernas!), com a barriguinha, com o pescocinho, com o rosto, com as nádegas (e que nádegas), com os peitos (nesse instante ele ouviu a locução do Pedro Hernesto Deardin gritando “É demais! É demais!”), e assim ia indo, sussecivamente, até que, inocentemente, percebeu que não conseguiria alcançar nas costas. “Veja você!”, falou dele pra ele. “É a minha chance. É a oportunidade da minha vida! Aquela oncinha vai ser minha!”. E, por alguns segundos anteviu toda a felicidade que o aguardava, a abordagem, a descoberta de que ela cursa medicina em uma universidade federal qualquer do Brasil, imaginou o som de sua voz, o gosto do primeiro beijo, a primeira pegada na mão para um passeio romântico à beira-mar, as risadas juntos, as viagens, o nervosismo de conhecer a sua família, as noites dormindo de conchinha, o casamento, o filho com os olhos dela dizendo “papai”, estava quase chorando vendo ela olhar para os lados com ar de criança perdida, quando ele, o seu amigo de infância, seu irmão, seu brother, seu camarada, praticamente sua alma gêmea, resolveu caminhar até ela. E foi à distância que Fred viu ela alcançar para Roger o pote de bronzeador, e viu eles rirem como se a muito fossem namorados de frente para o mar. E foi daquela mesma distância que Fred viu o melhor amigo a conduzir para dentro do mar, e embasbacado, com lágrimas nos olhos, ele viu o maldito Roger lhe beijar os lábios. Naquele instante, o mundo voltou a ser duro demais para o seu coração. E foi então que ele olhou para a caipirinha, pegou-a pela cintura, e engoliu-a de um só gole, percebendo, assim, que nem tudo está perdido enquanto houver caipirinha no mundo.
PS: A foto ilustrativa do conto é da minha parceira e colega de O Rebate, Juliany Luz, que representa perfeitamente todas as descrições feitas no texto. Acessem o blog dela também! (http://orebate-julianyluz.blogspot.com/)

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