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sexta-feira, 13 de junho de 2008

Não mexe com quem está quieto!

Joelson tinha alma de poeta. Era alto, media quase dois metros, e apesar de estar dentro do peso, parecia que os seus músculos todos estavam no lugar errado. Tinha a panturrilha grossa, mas as coxas eram finas. Tinha o antebraço musculoso, porém, o bíceps era igual ao do Popeye quando ele não come espinafre. Desde pequeno, sempre foi fechado, não gostava muito de brincar com as outras crianças, mas também não brigava com ninguém. Quando lhe incomodavam, simplesmente batia, como um pedreiro martela um pedaço de pedra em uma obra de construção. Fazia tudo automaticamente, era “pow, pum!” e o cara chato caía no chão, e saía chorando pedindo pela mãe ou pela professora. Ele apenas observava, sem sentir nada, nem ódio, nem raiva, nem pena, nem alegria. Apenas via o franguinho fugindo e rogando-lhe todas as pragas cabíveis. Devido a esse respeito, em pouco tempo, ninguém lhe importunava, mas também eram pouquíssimos os que quisessem algum tipo de amizade com Joelson.
Ele também não se importava com isso. Achava mais graça em observar o mundo. Em olhar o que está acontecendo ao seu redor, sem interferir no destino das criaturas. Para ele, um circo se exibia todos os dias diante de seus olhos.
Na adolescência, passou a ler, e não demorou muito começou a escrever também. Iniciou escrevendo sobre as estrelas, sobre as nuvens, sobre o sol, sobre as paisagens. Depois passou por uma fase mais trash, quando começou a abordar temas macabros, como violação de túmulos, serial killers, pedófilos, criança que matou o amiguinho, essas coisas. Mas isso logo o chateou também. Foi então que começou a escrever apenas o que via. Analisava as criaturas em um tom crítico e cínico. Geralmente comparava cada ser humano com algum objeto ou animal, dividindo o corpo da criatura em diversas faces.

Começou a cursar filosofia, e logo no primeiro semestre aconteceu o fato que me levou a escrever essa história. Eis que um dia Joelson estava sentado na mesa de um bar, no centro de Porto Alegre, observando as pessoas como era de costume. Viu um casal. O rapaz era branco, tinha a barba por fazer, e não era muito alto, media cerca de um metro e 70 centímetros. Pelo seu físico certamente era daqueles que passavam horas em uma academia. Começou a fazer as comparações mentais. Com o que esse sujeito de dentes amarelados se parece? Comparou-o com o Zé da Gotinha, aquele da campanha contra a paralisia infantil. Riu por um minuto, enquanto imaginava ir lá e chama-lo de Zé da Gota. E os olhos? Parecem dois buracos negros andando em direção alguma. Provavelmente deve ter se chapado no dia anterior. O rosto de presidiário, com a barba por fazer, e aquela touca vulgar, lhe dão um ar de um buldogue mal-tratado. Os braços, porém, fazem lembrar o Mike Tyson no auge da carreira. Um brutos, pensou. Um brutos.
Passou a observar a moça que o acompanhava. Grudou os olhos nela e ficou pensando, observando e comparando. Também era baixa, um metro e 63, calculou. Deve estar um pouco acima do peso. 65 quilos, talvez. Tem um ar de porquinha.
O cabelo louro curto, os olhos arregalados e pirados fez com que ele imaginasse que ela fosse uma leitoa prestes a ser carneada. Ficou imaginando o Zé da Gotinha erguendo-a pelas quatro patas, amarrando, e passando a faca naquela barriga redonda enquanto a observa sangrar.
As banhas saltavam por aquela camiseta vermelha vulgar apertada. Provavelmente eles nasceram um para o outro, já que ela também tem os dentes amarelados. Por que as pessoas pararam de escovar os dentes? Lembrou de certa vez que um professor de história disse que a gente vive num paraíso, que o brabo mesmo era viver na época em que não havia anestesia para arrancar um dente. Sentiu automaticamente uma leve dor em um dos dentes da parte superior esquerda de sua boca, e passou a mão pela sua face, tateando a zona doída, antes de tomar mais um longo gole de cerveja.
Fazia tudo isso sem tirar os olhos da porquinha. E enquanto a observava, nem viu o Zé da Gotinha levantar-se da cadeira. Quando se deu por conta, o Zé estava na sua frente, tremendo e suando. Ele deu um soco na mesa de Joelson e vociferou:
- Quer olhar para minha mulher, o filha da puta?
Joelson não teve nem tempo de pensar antes de ser atingido por um golpe violento justamente no lugar onde a dor de dente imaginária estava latejando. Ele caiu para trás, e agora a dor era real. Como o Zé da Gotinha partiu para cima de Joelson, ele teve que esquecer toda a observação que estava fazendo e voltou para os tempos de infância. Levantou-se e desferiu cinco sucos rapidamente no Mike Tyson, que caiu no chão com a boca ensangüentada. Ficou observando aquele brutamontes nocauteado, enquanto a mulher com jeito de porquinha uivava como se estivesse mesmo sendo carneada. Caminhou tranqüilamente até o caixa, e quando pegou a carteira para pagar a conta foi atingido de novo pelo Brutos, que já havia se recuperado. O adversário agarrou-se ao pescoço de Joelson ameaçando cortar o seu pescoço com uma faquinha caseira. Com muito esforço, Joelson conseguiu segurar o braço do Zé, e ao desarmar o inimigo lhe desferiu uma facada, sem pensar, apenas para acalmá-lo. Dessa vez ficou sem ação. Apenas observou aquele corpo que estava ali, diante de sua vista, com os olhos vidrados, como um porco que foi carneado e que agora está pronto para ter a sua pele toda retirada.
Não fugiu, nem consolou a mais nova viúva porto-alegrense. O dono do bar também estava atônito. Foi então que um policial colocou os braços nas suas costas e o algemou. Dirigiu-se para o camburão sem protesto. Hoje, no Presídio Central de Porto Alegre, ele continua sendo o mesmo cara sério dos tempos de colégio. Ninguém é seu amigo, mas também ninguém ousa perturbar-lhe o sossego. O Zé da Gotinha que o diga.

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