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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A mulher do próximo - versão duduziana

- Tu mereceu, filho da puta.
Émerson sussurrou essa frase ao pé do caixão de Rodrigo, seu melhor amigo. Aliás, além de amigo, era o grande ídolo de Émerson desde a infância. Agora o traste estava ali, com os olhos serenamente fechados, a pele amarelada, dois algodões enfiados no nariz, completamente imóvel e sem vida. Enquanto uma lágrima caía dos olhos, ele murmurava baixinho para si mesmo e para o morto:
- Tu mereceu, filho da puta.
Lembrou de quantas vezes avisou o amigo que qualquer hora ele iria se dar mal. Tudo começou quando os dois tinham 15 anos. A mãe de Rodrigo contratou uma doméstica de aproximadamente 30 anos. Enquanto Émerson se contentava em espiar de longe as pernas torneadas da mulher, Rodrigo, que já demonstrava ter o tino pro negócio, não precisou fazer esforço algum para baixar a saia dela e penetrá-la no sofá, enquanto ela gemia “isso, isso”. Foi a primeira mulher casada que Rodrigo traçou. Depois dela, vieram muitas. E sempre Émerson prevenia o amigo: pára com isso, filho da puta. Qualquer hora tu vai se dar mal”. Por isso ele não se cansava de repetir na beira do caixão de Rodrigo a mesma frase:
- Tu mereceu, filho da puta.
Não era uma frase agressiva para os amigos, pois eles sempre se tratavam por filho da puta. E, sempre que ouvia Rodrigo contar que havia “traçado a mulher” do Ciclano ou do Beltrano, ele avisava: “quando te pegarem, infelizmente não vou poder te vingar, porque se tu traçasse alguma mina minha eu te enfiava uma bala na cabeça”. Os dois sempre riam juntos dos avisos de Émerson. Ao longo da vida, Rodrigo traçou a própria empregada, aos 15 anos, a empregada da família do Émerson, que também era casada, a professora de espanhol do colégio, a servente da escola, as enfermeiras do hospital quando algum idoso da família era internado, as vizinhas, enfim, tratava-se de um galã não descoberto pela mídia que atraía, como o Dom Juan do filme, a atenção das mulheres, principalmente as maduras. Quando iam às festas, os olhares femininos se concentravam em Rodrigo, que, curiosamente não tinha desejo em ficar com as garotinhas inocentes e românticas da sua idade. Ele queria mulheres que soubessem do negócio, e, para saber do negócio, na concepção de Rodrigo, tinha que ter experiência. “E quem tem mais experiência que uma mulher casada?”, dizia sempre para o amigo. Dessa forma, ele foi crescendo e se desenvolvendo enquanto adulto. Até suas primas, depois de casadas, entravam para o cardápio de Rodrigo. A tia paterna mais nova, logo que se separou, caiu na rede também. Só não comeu a mãe de Émerson porque ela ultrapassava a faixa etária do radar de Rodrigo, que não pegava mulher com mais de 45 anos, idade da sua mãe. E só não pegou nenhuma irmã de Émerson, porque ele era filho único. Mas as primas de primeiro, segundo e até terceiro grau entraram para a lista. A maioria delas casadas, noivas ou namoradas.
Até que um dia, quando voltou da festa de aniversário de 31 anos de Émerson, percebeu que o seu kitnet fora arrombado. Chamou a polícia, mas, como não foi constado nenhum furto, os PMs o orientaram para que passasse a noite em outro lugar e que se percebesse a falta de alguma coisa com o tempo, entrasse novamente em contato. Porém, Rodrigo não deu a mínima para a orientação dos policiais, tomou a Coca de 2 litros que estava aberta na geladeira e foi dormir. No dia seguinte, amanheceu morto. A perícia isolou o local e constatou que havia veneno em todos os alimentos que estavam no kitnet, levantando assim, a forte suspeita de homicídio. Entretanto, eram tantos os cornos que queriam o coro de Rodrigo, que era impossível apontar um suspeito. E agora, no meio de uma tarde de domingo, de ressaca, Émerson não se cansava de repetir:
- Tu mereceu, filho da puta.

FIM

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