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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Operação para bobo ver

Ainda aguardo alguns textos sobre o Intercom, mas, enquanto o povo não manda, posto esse, que será publicado em A Tribuna Regional dessa sexta-feira:

Não sou um telespectador assíduo do Fantástico, da Rede Globo, mas, no último domingo, enquanto esperava os gols do Brasileirão, assisti a uma matéria sobre uma festa que rolava na cidade satélite de Ceilândia, no Distrito Federal. Conforme a matéria, adolescentes, jovens e adultos faziam orgias regadas a sexo, drogas e bebidas próximo a um posto de gasolina, com a participação de traficantes. Evidentemente, essa não é a única festa desse tipo no Brasil, e, a Polícia Civil de Brasília fez questão de expor a sua operação para mostrar aos tupiniquins o quanto ela é eficiente (provavelmente o chefe da operação será condecorado e promovido pela idolatria feita pelo repórter).
Mas, não vou entrar no mérito da espetacularização em torno da banalização da animalidade humana. O fato é que, enquanto a matéria era exibida, todos os politicamente corretos ficaram indignados e resmungavam “isso é um absurdo, tem que prender esses vagabundos”. É mais ou menos o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu classifica de fast thinking: tendo que apresentar suas reportagens de forma dinâmica, ameaçada pela possibilidade de perder telespectadores, a TV apresenta lugares-comuns que já são pré-aceitos pelo receptor, que, dificilmente consegue pensar além do clichê. E, assim, o repórter que fez a matéria sobre as festas num posto de gasolina vai dormir se achando um iluminado da humanidade: condenou pessoas imorais, glorificou a polícia (o que lhe da a ilusão de ter algum poder) e teve sua matéria lugar-comum aceita e idolatrada pelo público que, igualmente, não percebe que o problema vai muito além de uma operação que leva centenas de pessoas para a delegacia. No entanto, para o público, a história contada pelo jornalista tem todos os ingredientes que ele anseia por ver: os heróis (policiais), os bandidos (jovens vândalos) e o narrador, aparentemente neutro (jornalista). É mais ou menos como ver a Seleção Brasileira jogando contra a Argentina com a interpretação do Galvão Bueno...
Nesse contexto, o discurso da matéria é monofônico, ou seja, apenas os policiais têm voz, e só são editadas as falas dos jovens que os colocam em situações embaraçosas diante do público. Isso justifica os berros e empurrões dos policiais, que gritam “mãos na parede! Todo mundo!”, como se fosse um vaqueiro berrando “eia boi! eia boi!”. E, o público, bestificado, vibra com a “justiça” que está sendo transmitida aos seus olhos mumificados.
No meio do enredo, aparece uma garota de 17 anos que está grávida de cinco meses. Sem nenhuma contextualização sobre o caso, tanto a menina, quanto os familiares dela, são julgados e condenados, em primeira instância, pelo repórter, e em segunda e por conseqüência, pelo público. No entanto, o que não é abordado na matéria é que, tanto a garota, quanto a sua família e os policias, bem como o público que aplaude essa matéria, não têm aparato cognitivo para perceber que, enquanto não se investir em educação na sociedade brasileira, esse círculo vicioso não terá fim, e matérias desse tipo continuarão sendo feitas todos os domingos consagrando repórteres medíocres e policiais acéfalos.
No domingo passado foi em Brasília, no próximo será no Rio de Janeiro, no outro em São Paulo, e daí vai para Porto Alegre, e assim se estende por todo o interior do Brasil. Enquanto continuarmos formando crianças e jovens que não gostam de ler e de refletir sobre a vida e sobre o mundo no qual estão inseridos, essas crianças e jovens continuarão crescendo para se tornarem o que os seus pais já são: ou telespectadores passivos, sem capacidade de interpretação crítica, ou, eles mesmos serão os protagonistas dessas matérias descontextualizadas, pousando de traficante, bêbado, ladrão, e outras categorias estereotipadas que o grande público tanto adora, mas que, cegado pelo preconceito, não percebem que eles também estão incluídos em alguma outra categoria (o larápio, o mentiroso, o infiel, o imoral, o falsário, etc).
Porém, infelizmente, como o brasileiro segue tendo preguiça de ler (os índices de leituras de cada país reflete a sua capacidade de politização) eu não creio que esse cenário vá mudar tão cedo, o que quer dizer que terei que agüentar a cara deslavada do Zeca Camargo com a marionete Patrícia Poeta anunciando matérias que perpetuam o lugar-comum por um bom tempo. Com tanta bestialidade na televisão, eu chego ao ponto de entender o que leva aqueles jovens a procurarem uma marijuana para aliviar as tensões.

4 Comentários:

  • tudo culpa dos jornalistas!!!! malditos sejam!

    Por Blogger Carolina, às 23 de setembro de 2010 às 11:25  

  • reflexos da cultura, educação, do Brasil.

    Por Blogger Thâmara Roque, às 23 de setembro de 2010 às 11:49  

  • porra alemao!

    cruel, muuuuuuito cruel o final da matèria! (com a voz daquele narrador antigo da band)

    Por Blogger Zaratustra, às 23 de setembro de 2010 às 14:23  

  • poha Ritter... eu vi essa reportagem...

    mas sabe... eu tenho duas opiniões formadas sobre alguns tópicos do teu texto.

    1: a Polícia sabe onde e quem procurar, mas só procura quando lhe convém. Isso é fato. Esse tipo de coisa acontece em todos os lugares e digo mais, os policiais sabem muito bem quem faz o que nas cidades... conhecem bem as "joinhas" de cada cidade... enfim...

    2: a educação. penso assim e provavelmente muita gente pensa igual. A educação não recebe maior investimento, pois é a ignorância do povo que coloca esses políticos corruptos e que não fazem nada de útil lá em Brasília. Um povo com melhor educação, mais acesso à cultura, tende a ser tornar mais seletivo e isso seria péssimo para eles. Logo, convém manter o nível de ignorância...

    ahh, sobre o jornalismo, somos feitos de lugares comuns... é muito difícil explorar algo que ninguém explorou... e mais, tudo é um produto, é preciso vender e infelizmente a nossa atividade tá nessa tbm... logo, se isso dá audiência, é isso que vai ao ar...

    acho que foi mais ou menos o que tu falou..hehe...

    poha, que comentário gigante... chega né... vou lá escrever um pouco de bobagem no blog do Zaratustra agora...hehe

    flws manolo... abraço aeee!

    Por Blogger Mr. Gomelli, às 25 de setembro de 2010 às 23:46  

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