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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Fast thinking: Academia x Mercado

Um dos pontos que separam a academia do mercado, não só no jornalismo, mas em praticamente todas as áreas, é a guerra entre a prática e a teoria. Enquanto, em um ideal imaginário, prática e teoria deveriam atuar em convergência, parece que há uma batalha entre teóricos e trabalhadores que aprenderam suas profissões na prática.
Técnicos criticam mestres. Mestres criticam técnicos. Doutores criticam todo mundo, e os profissionais criticam os doutores, que não vivenciam a prática do dia-a-dia. Enquanto todos deveriam aprender com todos, ninguém aprende com ninguém, e todo mundo critica todo mundo. Práticos fecham os olhos e os ouvidos para a academia, acusando os teóricos de viverem em uma bolha separada do mundo. Já os acadêmicos se negam a descer de seus pedestais sagrados do conhecimento para ouvir a versão dos práticos. No fim, ninguém ouve ninguém, e todos trabalham com o mesmo objeto, em mundos separados.
O fato é que alguém deveria tomar uma atitude de pedagoga de educação infantil, e dizer para os marmanjos e marmanjas o seguinte: vocês devem ser amiguinhos! Não briguem, façam as pazes e trabalhem juntos!
É bizarro, mas às vezes adultos com experiência e alta formação agem pior do que crianças. Aliás, sempre disse isso: as crianças e os idosos são os grandes filósofos da humanidade. Pena que os adultos “maduros” não costumam dar-lhes ouvidos...
Para unir prática e academia, um deveria entender o lado do outro. Quem atua exclusivamente no mercado, deve entender que um doutor, para ser doutor (e merecer tal título) deve ter tempo para ler (e ler MUITO – e que ler MUITO exige MUITO tempo), pensar e escrever sobre o objeto estudado, e que ele não está completamente afastado da prática profissional de sua área.
Portanto, o profissional deve usar esse material, não só para se aperfeiçoar profissionalmente, mas para ter uma consciência da sua função e de questões éticas que envolvem a sua prática. Enfim, deve entender o contexto em que ele está atuando, com que objetivo está trabalhando, e o que isso representa para a sociedade onde está inserido (independente de ser público ou privado). Já o pesquisador que atua exclusivamente no campo acadêmico, deve considerar as peculiaridades que envolvem uma profissão, que vai além do ESTEREÓTIPOS (pré-conceitos) enraizado através dos séculos na sociedade (médico salva vidas, jornalista fala a verdade, advogado defende bandidos, psicólogo trata dos loucos, etc).
Um dos pensadores que trabalhou melhor essa questão foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002). Em “Sobre a televisão”, Bourdieu usou a própria televisão para fazer uma análise sociológica, não só sobre programas televisivos e jornalistas, mas sobre essa questão da prática x academia. Ou seja, ele falou ao vivo, em rede nacional, sobre diversos temas referentes a sociologia, algo praticamente inimaginável no Brasil. E no meio dessa fala, ele resgata um ponto discutido desde a Grécia Antiga, com Platão, que é a rapidez (do mercado) com o tempo para pensar (da academia). No caso, o filósofo grego defendia que não se pode pensar na urgência, no entanto, ele reconhecia que há um elo entre o pensamento e o tempo. Isso é o que Bourdieu chama de fast thinking, ou seja, a urgência profissional faz com que se tenha que agir rapidamente. E é possível pensar com urgência?
Na maioria das profissões, a urgência faz parte do dia-a-dia. Um médico, por exemplo, não tem muito tempo para filosofar sobre um determinado procedimento numa situação de emergência. Ele tem que saber fazer. No entanto, há profissões, como a do jornalista, onde o tempo e o pensamento não podem se separar tanto. Ou seja, tem que ser rápido, mas sem ser mecânico. E aqui entra a crítica que Bourdieu faz ao jornalismo: lutando contra o tempo, os jornalistas pensam por idéias feitas, ou seja, idéias que são aceitas por todo mundo, banais, convencionais e comuns. “São idéias que, quando as aceitamos, já estão aceitas, de sorte que o problema da recepção não se coloca” (BOURDIEU, p.40, 1997). Ou seja, as idéias publicadas já estão pré-aceitas tanto pelo emissor (quem emite a mensagem) quanto pelo receptor (quem recebe a mensagem) antes mesmo da mensagem ser transmitida.
A bibliografia sobre o tema é extensa, porém, sempre fica a pergunta: quem tem razão, os teóricos ou os práticos? Possivelmente ninguém. A razão e o conhecimento estão é com as crianças e os idosos.

Texto que será publicado em A Tribuna Regional na próxima sexta-feira.

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