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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Adeus Banzé!


O texto a seguir, é o que eu inscrevi no concurso Machado de Assis, e que não foi o vencedor. Na verdade esse eu escrevi primeiro, e o segundo eu inscrevi por inscrever e que foi o que acabou ganhando o concurso.
Bom, de qualquer forma, aí vai:

Adeus, Banzé
Quando ele a conheceu, estava completamente perdido. Havia se entregado a bebida, faltara três vezes ao emprego por tomar porres federais, e só não foi demitido porque tinha anos de casa e, apesar de todos os defeitos, era o funcionário com maior talento na empresa. Na verdade, era o único. Também não tinha motivos para se entregar de tal forma ao álcool, apenas estava vivendo uma crise existencial. Não acreditava no amor, não acreditava nas mulheres, não acreditava na família, na estrutura social, no capitalismo, muito menos no socialismo. Acreditava apenas na existência dele mesmo e no fato de estar vivo, e por isso precisava curtir a vida. Foi com esse pensamento que ele foi parar naquele puteiro. Estava lá, sentado no balcão, tomando uma cerveja, quando ela se aproximou sorrindo. Ele sorriu de volta, e ela lhe perguntou com voz doce: “Posso te fazer companhia?”. Por um momento, o trago, a sua confusão mental e a sua crise existencial foram todos pelos ares, e ele respirou fundo e respondeu: “claro”.
Ela era diferente das outras. Sentou ao seu lado, e não no seu colo. Começaram a conversar e ele se sentiu a vontade desde o início. Ela ria de suas piadas e também falava coisas interessantes, apesar de apresentar uma visão simplista da vida, típica de quem nunca leu sequer um livro da Coleção Vagalume. Claro que quando o copo esvaziava, ela sorria e perguntava: “mais uma meu amorzinho?”. E ele não só aceitou mais uma, como decidiu que queria ouvir aquela voz doce lhe chamando de “meu amorzinho” para sempre.
Observava suas coxas enquanto ela falava que no dia anterior pegou a sua filha de cinco anos fumando no banheiro. “Pode isso? Quando vi aquela fumaça saindo do banheiro abri rápido e era o nenê com um cigarro na boca”, e ela contava isso achando a maior graça do mundo, enquanto para ele, a única graça que o mundo podia lhe dar era aquele par de coxas bronzeadas e douradas, que diziam: “vem”.
Ele então, passou a mão naquelas pernas torneadas, enquanto ela seguia obstinada a falar e a dar risada. Quando ela parou de falar, ele estava completamente hipnotizado olhando para dentro de seus olhos. Ela sorriu sem graça, e os dois lábios se aproximaram e se tocaram. A sua língua invadiu a boca dela, e ele pensou que naquele momento havia encontrado a razão de estar ali, de estar respirando e agüentando toda a escória humana que insistia em defecar frases sem sentido de todas as formas. Tudo o que passou por aquela boca – pensava - é menos nojento do que a hipocrisia do dono desse prostíbulo, que enche os bolsos dizendo que está fazendo um bem às meninas, menos vergonhoso do que o vereador que está no quarto com uma delas, enquanto deixou a mulher dormindo em casa, e menos revoltante do que o discurso moralista de seu pai, que enche a boca para condenar a todos em nome da moral e da religião, mas que mantém uma segunda família com a amásia que arranjou em uma cidade próxima, e que, para evitar um escândalo social, a mandou para a Bolívia, pagando mil reais por mês em troca do bico calado. Aquilo sim é que era podre. Já a boca de Sirlema (ou seria Jurema? Vá saber) não tinha toda essa merda. A sua língua começou fazendo movimentos circulares rápidos, mas ele logo a acalmou, da mesma forma que um ginete acomoda o seu cavalo. Era como se houvesse uma troca de clamores naquele beijo. Como se um pedisse para que o outro entendesse. Como se um dissesse para outro que a culpa dessa situação toda não é deles, afinal, a única coisa que querem é curtir a vida para ser feliz.
Mas, como tudo que é bom dura pouco, o beijo acabou, e o dinheiro de Carlos também. Sirlema pede mais cerveja e ele diz que não pode dar. Fica calmo, achando que eles estão apaixonados e que sairão dali para um motel, e que de lá irão para a casa dele, e lá dormirão juntos, e ela almoçará com a sua família, e todos vão adorá-la, já que ela é muito espirituosa, e então eles se casarão, terão filhos, e viverão felizes para sempre. Mas a vida não é assim. A vida é cruel. Não permite amores nem sonhos. A vida exige dinheiro e senso crítico (era o que o seu pai sempre lhe dizia). E ela, a Sirlema, levantou aquele rabo delicioso e saiu rebolando para dentro da copa. Ele ficou lá, com cara de cão arrependido, e a viu sair da copa e receber os novos clientes que estavam chegando. Ela conversava com um deles da mesma forma que há pouco estava lhe convencendo que o amor era possível sim! E foi com esse mesmo par de olhos que ele a viu beijar a boca daquele maldito sujeito com cara de mexicano e subir no colo dele, e aquele beijo mais parecia um beijo de cena final de filme hollywoodiano, e depois de mais um tempo de conversa, ele a viu subindo com o mexicano para um dos quartos do puteiro.
A vida era realmente triste. Foi então que decidiu ir embora e andou na direção de seu carro. Na saída, bateu a lateral em uma árvore do estacionamento sem dar a mínima bola e ingressou na rodovia. Quando passou por uma ponte, se perguntou até quando seguiria se iludindo e acreditando nas pessoas? Chegou em casa com vontade de chorar, e ao abrir a porta tropeçou em um corpo. Tratava-se do cadáver de seu cachorro Banzé. Era seu único amigo. O único ser em quem ainda tinha alguma confiança. Vai com Deus, Banzé. Com certeza você está melhor do que todos nós. Passou pelo corpo, caminhou trôpego até a cama, deitou, e dormiu. E nos seus sonhos, conseguiu ser feliz.

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